Perspectivas da cadeia de açúcar e álcool: alguns tópicos relevantes

            Algumas questões levantadas por jornalistas, com referência à economia canavieira paulista e relacionadas ao futuro próximo dessa atividade, destacam-se pela pertinência e atualidade. Vale a pena relatá-las e divulgá-las na forma de perguntas e respostas, tal como já foi feito antes 1.

Em 2002, a cana contribuiu com quanto no valor da produção agropecuária de São Paulo?

            O valor final da produção da agropecuária do Estado de São Paulo em 2002 atingiu R$ 20,93 bilhões, com crescimento nominal de 20,64% em relação ao do ano de 2001. Em termos reais (preços deflacionados pelo IPCA médio de 2002), o crescimento foi de 11,24%.
            A cana-de-açúcar continuou como o principal produto agrícola do Estado, com participação em 2002 de 28,26% no valor da produção estadual. Logo em seguida vem a carne bovina com 16,10%; a laranja (indústria+mesa), com 15,57%; a carne de frango, com 5,41%; o milho, com 5,22%; a soja, com 3,65%; o leite, com 3,50%; ovos, com 3,12%; e o café, com 2,39%.

Qual é a situação do setor sucroalcooleiro no Brasil? Quais os principais gargalos?

            A situação atual do setor sucroalcooleiro no Brasil é de uma fase em que foram superados vários problemas da crise de 1999 (quando houve superprodução de álcool), repercutindo positivamente na recuperação da rentabilidade agregada, com redução de dívidas de financiamentos e maior ajustamento às regras de mercado. Não se deve esquecer a lição de que a crise teve custos altos, inclusive contribuindo fortemente para o fechamento de muitas unidades industriais, com impactos negativos nos fornecedores de cana e no emprego setorial.
            Com relação ao futuro, gostaria de destacar o seguinte: a flexibilidade de a matéria-prima ser esmagada para produzir açúcar ou álcool, reduzindo ou aumentando o mix da produção em função dos preços relativos de ambos os produtos e de seus substitutos, acrescenta uma importante influência na definição dos preços do açúcar no mercado externo pelo fato de o Brasil ser o principal exportador mundial desse produto. Além do que, por produzir essa mercadoria com o custo/tonelada mais competitivo do mundo, sua permanência no mercado externo favorece, ainda, o estabelecimento de preços de equilíbrio em níveis relativamente baixos frente aos demais competidores, como Austrália e Tailândia.
            Existe uma estreita dependência entre ambos os mercados, com a dinâmica evolutiva do mercado brasileiro de álcool influenciando o comportamento dos preços externos de açúcar. Isso leva a pensar na relevância de torná-lo bem estruturado, com regras transparentes e objetivas para que os demais participantes do mercado percebam sua racionalidade e consigam verificar que, se bem regulado, não provocaria impactos extremados sobre os preços do açúcar, tornando-os ainda mais voláteis do que normalmente o são.
            Para que isso ocorra, a regulação desse mercado precisa ser feita de maneira a criar um fluxo constante de disponiblização da mercadoria. Para tanto, devem utilizar-se os instrumentos de política relativos à mistura do álcool à gasolina, como tem sido feito até agora, assim como, e principalmente, utilizar-se os mecanismos que incentivem a formação de estoques estratégicos.
            Com relação às estratégias de exportação de açúcar, originárias do setor público ou do setor privado, juntamente com as questões relativas à redução de barreiras tarifárias e não-tarifárias conduzidas nos fóruns mundiais de discussão, penso que se deveria refletir sobre o fato do crescimento de nossa participação mundial. É claro que fomos favorecidos pela maior competitividade adquirida internamente, mas também fortemente favorecidos pela ausência de Cuba e pelo crescimento do mercado mundial como um todo (projeção da OCDE 2).
            De fato, não temos, em geral, desenvolvido estratégias de exportação visando conquistar mercados particularizados. Ocorre, mais normalmente, que atendemos à demanda surgida, algumas vezes, até, apenas suprindo reduções conjunturais de oferta de outros produtores. Assim, alternativas como joint-ventures para instalação de usinas, incentivo à exportação de equipamentos de processamento de açúcar e de álcool, utilização de plataformas de exportação com vistas ao mercado asiático, etc., são medidas que deveriam entrar no rol daquelas a serem, pelo menos, discutidas pelo segmento produtivo e pelo governo.

Recentemente foi lançado um veículo multicombustível no Brasil, que pode rodar com álcool, só com gasolina ou qualquer proporção de ambos. Na sua opinião, há futuro para esses veículos?

            Sim. Trata-se de tecnologia que pode, inclusive, viabilizar a recuperação do álcool combustível no mercado interno, independente de qualquer medida intervencionista do governo. Sua grande vantagem é a de transferir o comando do mercado de álcool para o consumidor. Este escolherá a mistura de combustível em função de disponibilidade, preços e qualidade do produto e os produtores/distribuidores de álcool terão que se diferenciar para ganhar market share, adotando estratégias competitivas visando ao mercado de varejo. Acho que é uma grande oportunidade para que o setor sucroalcooleiro e as montadoras de veículos se associem no sentido de estimular a compra desses veículos, pois, na medida em que haja maior demanda, o custo adicional desse acessório poderá reduzir-se.

Muito se tem falado da cana orgânica, que aboliu a queima antes da colheita, voltada para o açúcar orgânico. É um segmento que tende a crescer?

            Convém esclarecer que, para se produzir o açúcar orgânico, é necessário mudar o processo produtivo convencional para outro que, por exemplo, não utilize adubos químicos e agrotóxicos e siga os procedimentos determinados para a produção de produtos orgânicos em geral, com adaptações feitas também no processamento industrial. Penso que o ponto central é que se trata de um produto tipicamente de nicho de mercado, não se devendo esperar que possa ter um mercado consumidor de grande escala. Já existem algumas empresas dedicadas a produzir e divulgar suas marcas, tanto para o mercado interno quanto para o mercado externo. É uma alternativa a ser explorada pelos produtores de açúcar tendo em vista ganhar participação nos mercados, mas é preciso avaliar bem as condições de infra-estrutura, capacitação técnica prévia e de capital financeiro para entrar nessa atividade.

Como está a questão da mecanização da cana-de-açúcar? Há alguma novidade em termos de números e tecnologia, em relação a 2001?

            A continuação da mecanização da colheita da cana, mais precisamente a fase do corte, é um processo irreversível, mesmo mantidas as precárias condições atuais de desenvolvimento da economia brasileira (lembrando que as fases de carregamento e transporte já são totalmente mecanizadas pelo menos na região Centro-Sul do Brasil). Se houver um movimento de crescimento da economia, principalmente na direção de incentivar a construção civil e os ramos industriais mais intensivos em mão-de-obra, é muito possível que se acelere a mecanização do corte ainda mais, pois haverá falta de mão-de-obra. Uma possível expansão de área de cana por força de aumento na produção de álcool também será uma força nessa direção.
            Com respeito à tecnologia propriamente dita, pode dizer-se que a fase atual é de incrementos tecnológicos tanto nas máquinas quanto na adequação do processo produtivo agrícola ao equipamento. Já se superou, de modo geral, aquela fase inicial, de adoção, estando no estágio de difusão da tecnologia. Esse segundo momento se caracteriza, de um lado, por identificar problemas de ajuste fino no equipamento (por exemplo, trabalhando na melhoria do sistema de corte de base e no sistema de limpeza dos colmos) e, de outro lado, buscando estudar novos espaçamentos para evitar problemas de pisoteio nas socas de cana, e/ou adaptar e selecionar variedades com maior desfolha natural.

1 http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=134 , de janeiro de 2002.

2 Veiga Filho, A. O Dilema da 'Escolha de Sofia' nas Exportações de Açúcar pelo Brasil. Informações Econômicas, SP, v.30, n.9, set. 2000.
Organization for Economic Co-Operation and Development - OECD: www.oecd.org , Agricultural Outlook 2003-2008

Data de Publicação: 10/06/2003

Autor(es): Alceu De Arruda Veiga Filho Consulte outros textos deste autor
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