Agenda Rural do Vale do Ribeira

            O Vale do Ribeira, situado ao sul do Estado de São Paulo, caracteriza-se por ser uma região que detém a maior porção do que resta da mata atlântica no Brasil. Ao lado desta exuberância e beleza natural, sua população tem os piores índices de condições de vida do Estado.
            O Vale também se caracteriza historicamente pela presença de inúmeros órgãos governamentais e de projetos de desenvolvimento, que, no entanto, não contribuíram para elevar significativamente os índices.
            Em março de 2000, o governador Mário Covas convocou o Fórum de Desenvolvimento do Vale do Ribeira 'Caminhos do Futuro': uma proposta sustentável. A idéia era converter o Fórum num pacto social entre os participantes na busca do desenvolvimento sustentável, de forma a reverter a ineficácia da intervenção governamental na região, reduzir a pobreza, promover a equidade e diminuir o poder de mecanismos que hoje reiteram e aumentam a exclusão. A agropecuária/pesca, a mineração e o turismo foram considerados prioritários.
            A comunidade local reivindicou maior participação nas diretrizes de desenvolvimento da região, uma vez que o Fórum 'Caminhos do Futuro' se restringiu à participação de órgãos governamentais. Em concordância com a necessidade de integrar as iniciativas governamentais e as da sociedade civil, um grupo de técnicos 1 concebeu a Agenda Rural - Programa de Fortalecimento e Vocação das Comunidades Rurais.

Atividades

            Os objetivos da Agenda Rural são organizar ações que visem ao fortalecimento das comunidades rurais do Vale do Ribeira e sua integração aos diferentes níveis do governo, assim como buscar a viabilização de recursos e o estabelecimento de um forte canal de diálogo entre a sociedade civil e o Poder Público. A Agenda Rural é uma iniciativa conjunta de diversos órgãos governamentais, os quais constituem sua Comissão Gestora, além de ONGs cuja atuação varia em cada sub-região ou município.
            A Comissão Gestora idealizou oficinas de planejamento participativo como mecanismo para atingir os objetivos de integração. Para que estas oficinas tivessem representatividade, realizaram-se reuniões preparatórias com pessoas vinculadas às comunidades, denominadas Agentes Locais. São os agentes de saúde, monitores ambientais, membros do sindicato, técnicos dos órgãos envolvidos, assim como pessoas com espírito de multiplicação e fortalecimento de ações que visem ao benefício comum. Estes tiveram um papel decisivo em todo o processo, mobilizando e informando representantes comunitários, além de serem responsáveis pelo suporte técnico às atividades necessárias para a comunidade acompanhar e participar das oficinas.
            As oficinas contaram com a presença de representantes da Comissão Gestora, Agentes Locais e representantes comunitários. O Vale foi dividido em cinco sub-regiões e a metodologia utilizada nas oficinas de planejamento participativo permitiu diagnosticar as demandas, vocações, desafios e sonhos das comunidades.
            Após a realização das cinco oficinas, surgiram propostas e planos que foram levados ao Encontro Regional realizado no Espaço'Plínio Marcos', na Ilha Comprida, em dezembro de 2001. Estavam presentes dois representantes comunitários de cada município, escolhidos nas oficinas sub-regionais, representando os 23 municípios do Vale do Ribeira, mais as comunidades da Estação Ecológica Juréia-Itatins localizadas no município de Peruibe
            A discussão, realizada pelos representantes comunitários, foi organizada em grupos divididos pelos seguintes temas: Organização, Assistência Técnica, Comercialização, Crédito, Regularização Fundiária e Legislação Ambiental. Uma apresentação sucinta das discussões encontra-se na carta de Ilha Comprida.
            Os resultados, obtidos pela Agenda Rural - 'Programa de Fortalecimento das Vocações das Comunidades Rurais do Vale do Ribeira', estão organizados da seguinte forma:

    • Documento que reúne as informações gerais dos 23 Municípios, tiradas a partir das cinco oficinas sub-regionais.
    • Documentário que apresenta de forma áudio-visual o processo de mobilização e realização das oficinas, contendo debates e entrevistas com pessoas de algumas comunidades e com representantes institucionais. Revelam, também, a realidade das comunidades rurais, dos agricultores familiares em busca de alternativas, dos posseiros lutando pela regularização de suas terras, das comunidades quilombolas afirmando a sua cultura e dos agricultores praticando agrofloresta.
    • Cinco livros, um para cada sub-região, divididos por seus respectivos municípios, contendo: a) o diagnóstico específico de cada comunidade; b) as demandas temáticas de cada comunidade; c) a relação das vias de acesso (estradas vicinais) e sua necessidade de conservação e de melhorias; d) um 'Plano de Ações' contendo, as ações, como e quem procurar, para que as demandas prioritárias sejam solucionadas; e d) as listas dos Agentes Locais, representantes comunitários e das pessoas presentes em cada Oficina.

            Entre os dados levantados nas oficinas, convém destacar que 83 comunidades, dentre as 382 comunidades participantes, demonstraram interesse nas atividades de turismo.
            A partir dos resultados obtidos, a Comissão Gestora criou um plano de trabalho para dar continuidade ao Programa de Fortalecimento e Vocação das Comunidades Rurais, cujas ações estão divididas por temas:

- Organização dos Agricultores Familiares

            Compreende a criação das associações, a estruturação e fortalecimento dos Conselhos Municipais e Regionais de Desenvolvimento Rural (CMDR e CRDR), a integração da Comunidade Ativa e da Agenda Rural, a consolidação da Agenda Rural como fórum permanente e participativo e a integração do Comitê de Bacias Hidrográficas do Vale do Ribeira (CBH-RB) com a Agenda Rural e com a participação da sociedade civil.

- Melhoria da comercialização da produção

            Busca a criação de cooperativas de crédito, da central regional de comercialização e de agroindústrias familiares descentralizadas, a melhoria da comercialização, a instalação de galpões do agronegócio e a elaboração de seminários sobre comercialização de plantas medicinais, agricultura orgânica e artesanato.

- Melhoria do acesso ao crédito

            Através do PRONAF, do Banco do Povo e do Fundo de aval.

- Adequação/conhecimento da legislação ambiental

            Através das seguintes atividades: elaboração de projetos de desenvolvimento sustentável, regulamentação da legislação ambiental para adequá-la à realidade do Vale do Ribeira, assistência técnica ambiental rural, policiamento florestal, ambiental e educativo, estruturação de um núcleo permanente de educação ambiental da Secretaria do Meio Ambiente (SMA) 2, implantação dos comitês de gestão das unidades de conservação, ampliação dos debates do Comitê de Gestão junto as Unidades de Conservação (UC) e articulação dos projetos ambientais da Agenda Rural com esforços e metas do Plano de Bacia Hidrográfica.

- Regularização fundiária

            Concentra-se na titulação de quilombos, demarcação das terras indígenas e demarcação de terras de posseiros.

- Melhoria das ações da extensão rural e assistência técnica

            Através da elaboração do programa de desenvolvimento da agricultura da familiar, da coordenação dos trabalhos das casas da agricultura (CAs) aos princípios da Agenda Rural e da readequação da estrutura e dos quadros técnicos, dos órgãos e das ações do Estado.

- Incentivo ao agro e ecoturismo

            Por meio da melhoria das estradas da região, do fortalecimento da REMAVALE e suas associações de monitores ambientais e da execução do programa de trabalho da Agenda de Ecoturismo do Vale do Ribeira.

- Melhoria da saúde na área rural

            Através da divulgação para as comunidades do papel da equipe de saúde da família, do curso de capacitação dos conselheiros de saúde, da adequação da atuação das equipes da saúde no modelo proposto no Programa de Saúde da Família (PSF), da garantia da participação das comunidades nos conselhos municipais de saúde, do incentivo às comunidades a participar das conferências municipais de saúde, da capacitação das equipes do PSF na utilização de ervas medicinais, da realização de levantamento das necessidades em saneamento básico, da realização do Fórum bienal de saúde do Vale do Ribeira e do curso de capacitação de uso de agrotóxicos.

- Implantação de sistema de informação e comunicação

            Por meio da melhoria do sistema de localização das comunidades rurais e da implantação dos telefones comunitários e da rede de comunicação e informação nas casas da agricultura.

- Educação no meio rural

            Através da implantação da pedagogia de alternância no sistema de educação, da reabertura das escolas rurais Unidade Educacional de Ação Comunitária (UEACs), do melhoramento das escolas rurais (reformas e equipamentos), da capacitação dos professores destas unidades escolares e do incentivo à participação dos representantes de educação dos municípios com debates e melhoria destas unidades escolares, já que quase todas as escolas rurais estão sobre o seu gerenciamento.

Avaliação das Atividades

            Em 2002, a Comissão Gestora iniciou um processo de avaliação da Agenda Rural. A principal constatação foi a de que as atividades resultaram na criação de várias associações e cooperativas nas comunidades rurais, detectando os aspectos positivos e negativos da Agenda Rural (quadro 1).

Quadro 1 – Avaliação da Agenda Rural, 2002
 

Aspectos Positivos
Aspectos Negativos
  • Pessoas e instituições compromissados com os trabalhos da Agenda.
  • Alguns setores governamentais não se envolveram.
  • Vocações e alternativas para o desenvolvimento sustentável e gestão integrada das ações foram mapeados.
  • Falta de informação para as comunidades após o encontro.
  • Os diagnósticos locais foram bons.
  • Intervalo prolongado na continuidade do Programa.
  • Aproximação.das comunidades e os órgãos governamentais. 
  • Falta da participação de verdadeiras lideranças rurais em alguns locais.
  • Participação das comunidades no processo de planejamento.
  • Grande expectativa gerada nas comunidades sem a resposta concreta correspondente.
  • Experiências locais foram compartilhadas.
  • Incerteza na vinda de recursos financeiros para viabilizar a Agenda Rural.
  • Ações das secretarias envolvidas foram avaliadas.
  • Dificuldade de integração com o Programa Comunidade Ativa.
  • Comunidades foram mobilizadas, integradas e valorizadas. 
  • Falta de clareza de objetivos por parte de algumas instituições.
  • Fonte: Comissão Gestora

                A Agenda Rural estabeleceu uma nova dinâmica, pois a Comunidade Ativa já estava desenvolvendo trabalho em 21 municípios da região. Dado que o programa da Comunidade Ativa busca elaborar um plano de ação municipal e um fórum permanente em cada município, a Agenda Rural passou a atuar no sentido de integrar estes planos regionalmente.
                Em 2003, a Agenda Rural vem articulando a oficialização da Comissão Gestora através da resolução conjunta que cria o grupo de trabalho incumbido de implementar o Programa de Fortalecimento das Vocações das Comunidades Rurais. Este, uma vez oficializado, poderá vincular definitivamente o uso de recursos públicos às prioridades estabelecidas em conjunto com as comunidades.

    1 Pertencentes à Fundação Prefeito Faria Lima (CEPAM), ao Instituto de Terras do Estado de São Paulo (ITESP), à Comunidade Solidária – Conselho Nacional de Desenvolvimento Rural Sustentável (CNDRS/MDA) e outros parceiros agregados ao longo do processo

    2 SMA: www.ambiente.sp.gov.br

    Data de Publicação: 30/06/2003

    Autor(es): Devancyr Apparecido Romão (devancyr@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
    Ana Victoria Vieira Martins Monteiro (ana.monteiro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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