Café: Construindo Uma Agenda Positiva(1)

Mercado externo

            O mês de outubro foi altamente pessimista para o mercado de café arábica. O declínio das cotações do contrato C na Bolsa de Nova Iorque, para dezembro, aprofundou o quadro baixista. Considerando a cotação média para o mesmo período, observada em setembro, verifica-se que ocorreu uma redução de 11,43%, atingindo a média de US 59,19 a saca de 60 quilos. Isto significa que, a cada mês que passa, se tem uma nova queda nas cotações, indicando uma tendência que deverá manter-se nos próximos meses (Gráfico 1).

Gráfico 1 – Café arábica, Contrato C na Bolsa de Nova Iorque, cotação para
dezembro de 2001, em outubro de 2001

                        Fonte: Elaborado a partir de dados básicos de Gazeta Mercantil, setembro 2002

            No mercado de Londres, as cotações do café robusta para janeiro atingiram a média de US$ 23,38 a saca de 60 kg em outubro, o menor nível nos últimos dez anos, registrando declínio de 13,88% em relação à cotação média observada em setembro para o mês de novembro (Gráfico 2).

Gráfico 2 – Café robusta, Bolsa de Londres, cotação para Janeiro de 2002

Fonte: Elaborado a partir de dados básicos de Gazeta Mercantil, outubro 2001.

Quem se beneficia com a queda de preços do café?

            Uma maneira de verificar quem perde ou ganha com a queda dos preços do café é, por exemplo, estudar o seu comportamento no nível dos consumidores, na Cidade de São Paulo, e no nível de preços recebidos pelos produtores no Estado de São Paulo. Realizou-se essa comparação, para o período de 1996 a 2001 (média de janeiro a setembro), estabelecendo-se 1996 como base 100. É importante observar que o índice de preços ao consumidor cresce de forma contínua até o ano 2000, caindo em seguida e situando-se no ano 2001 em dez pontos percentuais acima do de 1996. Por sua vez, verifica-se forte alta em 1997 no índice de preços recebidos pelos produtores para em seguida entrar em declínio e cair mais fortemente em 2001, após um período de leve oscilação, atingindo nove pontos a menos que o verificado em 1996 (Gráfico 3).
            A partir de uma posição semelhante em 2000 para ambos, os preços recebidos pelos produtores caíram de forma abrupta, situando-se, no final do período, numa posição 20 pontos percentuais abaixo da dos preços pagos pelos consumidores, o que sugere que, se os industriais não estão sendo beneficiados, pelo menos estão sendo menos prejudicados pela queda de preço no mercado de café verde, uma vez que os preços aos consumidores têm caído mais lentamente.

Gráfico 3 – Índice de Preços de Café Pagos Pelos Consumidores e Recebidos pelos
Produtores no Estado de São Paulo, 1996-2001.

Fonte: Instituto de Economia Agrícola.

Mercado Nacional

            Em decorrência do bom regime de precipitações nas diferentes zonas cafeeiras do País, formou-se no mercado a expectativa de uma grande safra no Brasil (próxima de 35 milhões de sacas) para a temporada 2001/02. Essa perspectiva, associada ao início da comercialização da safra vietnamita, que pode ultrapassar as 15 milhões de sacas de robusta, continuou pressionando negativamente as cotações no mercado internacional, refletindo-se diretamente sobre as cotações praticadas no mercado interno.
            A possibilidade de diminuição da já reduzida taxa de crescimento do consumo nos tradicionais mercados importadores é preocupação partilhada por inúmeros analistas do mercado. Generaliza-se o entendimento de que o aumento da participação de robusta nos blends das torrefadoras internacionais explicaria em parte essa tendência observada.
            Em outubro, o mercado manteve a tendência baixista para as diferentes bebidas, excetuando-se as derivadas de grãos finos de qualidade superior. Essa constatação pode confirmar outra expectativa para o próximo ano, qual seja, a de escassez de produto de qualidade e conseqüentemente o aumento do prêmio para os grão enquadrados nessa categoria. Assim, os cafés finos iniciaram o mês de outubro cotados a R$ 115,00/sc e após esboçarem quedas nas cotações terminaram cotados a R$ 116,50 a saca beneficiada. Os grãos bebida dura também esboçaram valorização, abrindo o mês cotados a R$ 101,00/sc e encerrando-o cotados a R$ 105,50/sc. Os riados, ao contrário, após esboçarem aumento nas cotações, permaneceram estáveis nas semanas seguintes, reforçando a hipótese de escassez de produtos superiores. Os grão riados foram cotados ao longo do mês em média a R$ 87,00/sc. O preparo tipo cereja descascado continua recebendo significativo prêmio com cotações de R$ 120,00/sc a R$ 125,00/sc para os grãos da safra 2000/2001 (Gráfico 4).

Gráfico 4 – Cotações nominais por saca, para os cafés verdes, do tipo 6 para melhor,
safra 01/2002, FOB armazém, com 7 dias para liquidação

Fonte: Escritório Carvalhaes, outubro 2001

Premiando os melhores

            Realizou-se, em 26 de outubro, a terceira edição do Concurso Qualidade Cafés do Brasil, promovido pela Associação Brasileira de Cafés Especiais (BSCA), cujo foco tem sido a promoção do café brasileiro no exterior visando obter maior valorização dos grãos de qualidade aqui produzidos e ampliando assim a presença do país no mercado internacional. No evento, foi divulgada a lista dos 18 melhores lotes de grãos enviados para o concurso, de um total de 375 amostras analisadas. Na primeira fase, exclusivamente composta por provadores brasileiros, selecionaram-se os melhores lotes e, na segunda fase, com a participação de 20 provadores (apenas um brasileiro) premiaram-se os 18 melhores. Nesta versão do concurso, ficou patente a qualidade superior dos cafés tipo cereja descascado, uma vez que apenas um deles não pertencia a essa categoria (tratava-se de um café natural).
            A primeira colocação, obtida por cafeicultor do Sul de Minas, além de apresentar bebida tipo gourmet, tinha também o atributo de ser um café orgânico, juntando dois elementos que certamente serão intensamente disputados no leilão eletrônico programado para 27 de novembro. Há expectativa de preços acima dos US$ 400,00/sc para os primeiros colocados no concurso.

Fazendo a lição de casa

            Como foi sugerido em artigo anterior, as autoridades governamentais acertaram ao liberar do esquema da retenção as 600 mil sacas retidas sem financiamento oficial. Foi um passo adiante na desregulamentação do mercado de café, que ainda demanda inúmeras outras ações. Nessa mesma linha, o poder público também acertou ao estender o prazo de registro para seis meses, o que flexibiliza bastante a estratégia comercial tanto de produtores como de exportadores. Ademais, ao aceitar as cotações da BM&F para registro de exportação (Nova Iorque e Londres eram as únicas referências até então), torna viável a estratégia comercial em que CPR e contrato em Bolsa terão os mesmos índices de majoração, estabelecendo maior segurança nas operações para todos os envolvidos, além de conferir maior densidade à nossa Bolsa no mercado mundial de café, o que pode atrair para cá os eventuais especuladores atuantes em Nova Iorque e Londres.
            O anúncio de que serão destinados R$ 340 milhões para pré-comercialização e estocagem, se efetivado, significará uma garantia de bom fluxo de recursos para o ano safra 2000/2001. Esse fato, associado à renegociação das dívidas (renegociação de cerca de R$ 1,09 bilhão, estabelecendo prazo de 12 anos para liquidação, com 3 de carência a juros do crédito agrícola oficial de 8,75% ao ano e com rebate de 3% para os adimplentes em dia com as parcelas), conferirá aos cafeicultores tranqüilidade para conduzir essa e as futuras safras sem sobressaltos.
            Criou-se forte consenso de que o país precisa avançar na cadeia de valor do café através da agregação de valor ao produto. Os ministros do Desenvolvimento e da Agricultura sintonizaram o discurso e têm procurado diagnosticar os obstáculos para a maior participação do café torrado e/ou moído na pauta de exportações do agronegócio. São muito promissoras as possibilidades nesse segmento, estando algumas já em andamento, como parcerias entre torrefadores nacionais e equipamentos de distribuição situados nos países consumidores. Essas experiências precisam ser monitoradas e, na medida do possível, estimuladas visando tornar o Brasil uma plataforma mundial do negócio café.
            No campo do marketing, a iniciativa privada pretende destinar R$ 300 mil para ações voltadas para o segmento. Segundo Marcelo Vieira, da BSCA, 'serão estimuladas a participação de produtores em feiras e concursos internacionais, a realização de missões estrangeiras no Brasil, a prestação de assessoria técnica e de marketing aos compradores de grãos brasileiros e também no incentivo ao consumo deste tipo de café no mercado interno'. Por sua vez, o Ministério da Agricultura sinaliza com a disponibilidade de R$ 2 milhões para o programa de marketing dos Cafés do Brasil. Ambas as ações são muito importantes, na medida em que, com a crise que assola a cafeicultura mundial, diminuíram-se substancialmente as verbas para propaganda, podendo esse espaço ser plenamente ocupado pelo Brasil através de uma política consistente e bem dirigida.
            Ainda que muito criticada por sua atuação na cadeia de lácteos, deve ser elogiada a iniciativa da Nestlé de realizar investimentos visando à ampliação de sua fábrica de solúvel dentro de uma estratégia de aumentar substancialmente as exportações do produto. Estimativa da empresa indica que, com a ampliação da unidade de Araras/SP, será possível agregar de US$ 80 milhões a US$ 100 milhões ao ano nas exportações de solúvel. Será que os demais competidores desse mercado precisam de melhor exemplo? Ou seja, Melitta, Sara Lee, Bom Dia, etc... não poderiam estar também decididamente buscando as excelentes oportunidades existentes no mercado externo?
 

1 Convênio IEA/APTA-SAA-DESR/ESALQ/USP.

 

Data de Publicação: 09/11/2001

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor