A agricultura brasileira precisa de transgênicos?

            Toda inovação tecnológica na maioria das vezes possibilita aos empreendedores auferir maiores lucros nas atividades produtivas, sobretudo via redução de custo unitário, além de propiciar outros benefícios, tais como conforto e bem estar, no caso de processos e serviços. Acontece que o 'novo' causa espanto: assim foi com o milho híbrido; com o forno de microondas, com os alimentos congelados; com o telefone celular; com o e-commerce e com tantas outras conquistas tecnológicas.
            No Brasil, isto não poderia ser diferente para o caso dos transgênicos, pois ainda persistem muitas dúvidas e desconfianças a respeito da relativamente nova tecnologia. Neste caso, a exemplo de muitos outros, apenas considerar o aspecto econômico-financeiro é muito simplista e não encerra a questão.
            As vantagens e virtudes dos Organismos Geneticamente Modificados (OGMs ) ou transgênicos são sabidamente conhecidas, embora pesem fortes contestações no que diz respeito à saúde - humana e animal - e ao meio ambiente, algumas até mais de fundo ideológico do que técnico-científico. Desavenças de ordem econômica, social, política e ética também acirram o debate, fazendo com que diferentes representantes da sociedade expressem suas convicções e pontos de vista, por se tratar de um assunto polêmico e de abrangência universal.
            O Instituto de Defesa do Consumidor (IDEC )1 e o Greenpeace2, por exemplo, são contra a liberação dos transgênicos, seja para consumo seja para produção, sem que haja a priori a elaboração do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA ). Por outro lado, o Conselho de Informações sobre Biotecnologia (CIB)3, que congrega profissionais de diferentes segmentos, disponibiliza informações de base científica a respeito da biotecnologia e suas diversas aplicações.
            Para efeito de ilustração, em 9 de outubro de 2003 foram encontrados no Google, principal site de busca da Internet, 219 mil resultados relativos ao termo transgênico, atual tema de preocupação e de debate globalizado.
            Em nível mundial, parece que a questão da transgenia representa na realidade uma disputa entre os maiores blocos econômicos – EUA e União Européia -, o que até se agravou com a Guerra do Iraque devido ao forte antagonismo existente, por parte de alguns países europeus, como França e Alemanha, grandes consumidores de alimentos convencionais e com cerradas posições anti – intervencionistas ( leia-se coalizão anglo-americana).
            A propósito, a discordância quanto ao uso de transgênicos na Europa ainda se manifesta , topicamente, conforme tem sido relatado na mídia. Notícia recente apregoa a desaprovação popular aos OGMs no Reino Unido , embora a Real Academia de Ciências tenha manifestado sua aprovação. O governo britânico deverá exigir que sejam feitos os testes de impacto ambiental, a exemplo do que ocorreu nos EUA. Outros países, como Irlanda e Áustria, também têm relutado em aceitar a nova tecnologia.
            No Brasil, a indecisão sobre a autorização de plantio com sementes transgênicas vem se arrastando desde a Administração Federal precedente. E não parece que a solução esteja próxima, apesar da edição da Medida Provisória 131 que permite temporariamente o plantio no Rio Grande do Sul, onde já se estima que 70% das sementes são de OGMs. Na realidade, esta decisão apenas legalizou uma irregularidade que vinha ocorrendo nas últimas safras.
            O fato de o desenvolvimento de organismos geneticamente modificados ter sido iniciado comercialmente via uma empresa multinacional, leia-se Monsanto4, foi um tanto precipitado e não houve cuidado suficiente para preparar os formadores de opinião para o avanço tecnológico que se propunha, fato que provocou esta celeuma toda. Talvez não houvesse tanta restrição, se a iniciativa tivesse partido de uma instituição de pesquisa oficial, que certamente teria todo o cuidado, não só no aspecto científico como também no preparo psicológico dos futuros consumidores.
            A cobrança de royalty também tem sido motivo de discussão: os produtores não estão dispostos a arcar com o pagamento, pois não há comprovação de compra da semente adquirida clandestinamente. Afinal, quem vai pagar este ônus? Mais uma dificuldade a ser enfrentada pelas autoridades constituídas.
            Contudo, cabe lembrar que, mesmo nos países onde a produção e o comércio são de longa data permitidos, sistematicamente ocorrem manifestações de repúdio, pois até nos EUA a aceitação ainda não está generalizada, conforme relata Araújo5, em excelente artigo que discute questões técnicas, ideológicas e políticas decorrentes dessa inovação tecnológica. É um estudo que merece a atenção por quem se interessa pelo tema em análise.
            Se os organismos transgênicos são tidos como a salvação por parte dos geneticistas para amenizar a fome e algumas doenças no mundo, também são tidos como perdição por parte dos ecologistas que temem desequilíbrios irreversíveis no meio ambiente e daí serem esses produtos chamados de ' Frankfood'6.
            A propósito, há um desconhecimento muito acentuado entre a população brasileira sobre o assunto em pauta, já que a maioria das notícias veiculadas sobre o assunto pelos distintos canais de comunicação não atinge todas as camadas, embora esta seja uma situação corriqueira e generalizada, face ao baixo nível educacional presente na maioria das regiões do País.
            Ao se analisar três importantes atividades agrícolas - soja, algodão e milho -, das quais a leguminosa é o principal foco da acirrada discussão que hoje se presencia, verifica-se que as duas primeiras são altamente competitivas no mercado internacional, mesmo sem o uso de sementes provenientes de modificações genéticas. Isto ocorre no caso da soja em importantes estados produtores, como Mato Grosso e Paraná, com produtividades maiores do que no Rio Grande do Sul, onde mesmo com a proibição tem havido plantio de soja transgênica nas últimas safras. O algodão em Goiás e Mato Grosso tem obtido excelentes produtividades, comparadas às maiores do mundo. O milho por sua vez não deslancha em termos de produtividade.
            Além das já sabidas condições edáficas desfavoráveis a esta gramínea, talvez a explicação mais plausível seja a heterogeneidade tecnológica entre os sistemas produtivos em razão da amplitude dos estratos de produção, ao contrário do que ocorre com a soja e com o algodão. Assim, enquanto a soja e o algodão são explorados em regiões especializadas, e em grande escala (plantation), o milho é uma atividade pulverizada por todo o País e, em muitas áreas, explorado como lavoura de subsistência, sem um padrão tecnológico, e com a ocorrência de produtividades regionais bastante díspares.
            Publicação do Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA)7 mostra a grande preocupação com os avanços das agriculturas do Brasil e da Argentina no mercado global. Desde meados dos anos noventas, esses dois países têm obtido ganhos substanciais na produção/produtividade agrícolas, particularmente de soja, inclusive já superando em conjunto a produção dos Estados Unidos e aumentando suas participações no comércio internacional. Um dos defeitos do estudo foi o de não ter dado o devido crédito às inovações tecnológicas que viabilizaram a extraordinária expansão da soja brasileira, principalmente na região Centro-Oeste, na opinião de Homem de Melo8.
            O Brasil, é atualmente o maior exportador mundial de produtos do complexo soja, com 37 milhões de toneladas, à frente dos EUA e da Argentina, segundo o USDA9.
            Para efeito de comparação das produtividades brasileiras, dados do mesmo Departamento indicam que as de soja são as maiores entre os principais produtores e as de algodão só são superadas pela China. A produtividade do milho por sua vez fica muito aquém daquela dos produtores-líderes, pelas razões anteriormente já apontadas.
            Com base nos índices de produtividade dos principais países produtores e da média mundial, pode-se afirmar que a soja e o algodão brasileiros são competitivos mesmo sem utilizar sementes transgênicas em grande escala, mas ao que tudo indica com sua adoção poderia haver maiores lucros para os produtores. Existem contestações também neste ponto, ou seja, se haveria continuidade de ganhos com a aplicação periódica do herbicida seletivo, o que deve acirrar as discussões.
            Não resta dúvida que a agricultura brasileira é competitiva. Contudo, a logística representada pelo complexo transporte/portos/armazenagem deixa a desejar, impedindo que haja maior eficiência na comercialização, tanto interna quanto externamente.
            Tudo leva a crer que no futuro a humanidade acabará aceitando os produtos transgênicos, após testes que comprovem sua eficácia e segurança. O processo evolutivo está apenas começando, pois nesta primeira etapa têm se discutido principalmente as questões econômicas e ambientais. Mas já estão em curso experiências para enriquecimento de alimentos e, em seqüência, virão os produtos-vacinas, processo já iniciado, mas ainda incipiente.
            Isto não significa que deixará de ocorrer discordância entre os próprios cientistas, o que aliás é muito salutar e seguro. Assim, é fundamental que a Ciência seja reconhecida pela sociedade, não só pela geração de conhecimento, mas sobretudo na avaliação das tecnologias que lhe são oferecidas num dinamismo bastante expressivo.
            Portanto, o debate é fundamental para evitar que algumas tecnologias sejam colocadas em prática, apenas visando a interesses mercadológicos. Mas deve haver comedimento: políticos de segunda categoria querem entender mais que pesquisadores premiados, conforme enfatiza Xico Graziano10.
            O Brasil deveria contemplar as explorações convencionais e inovadoras, sejam transgênicas ou orgânicas (diante do nicho de mercado que se apresenta ), de modo a atender todo o mundo e para conseguir um plus nos produtos diferenciados. Embora a soja transgênica no momento seja um produto diferenciado, devido ao gene adicionado, brevemente tornar-se-á uma commodity em razão da velocidade de sua adoção.

1 IDEC: www.idec.org.br
2 Greenpeace: www.greenpeace.com.br
3 CIB: www.cib.org.br
4 Monsanto: www.monsanto.com
5 ARAÚJO, J.C. de. Produtos transgênicos na agricultura – questões técnicas, ideológicas e políticas. Cadernos de Ciência & Tecnologia, Brasília, v.18, n,1, p. 117-145, jan./abr.2001. www.embrapa.br/publicaçoes/index.htm
6 MORAIS, J. Comida frankenstein. SuperInteressante, São Paulo, v.14, n.11, p.48-54. www.superinteressante.com.br
7 SCHNEPF, R.D; DOHLMAN, E.; BOLLING, C. Agriculture in Brazil and Argentine: developments and prospects for major field crops, ERS/USDA: Agriculture and Trade Report, n. WRS13, 85p. www.ers.usda.gov/publications/wrs013
8 HOMEM DE MELO, F. Agricultura. Informações Fipe,São Paulo, abr. 2002, p.9- 10.
9 USDA: www.fas.usda.gov
10 GRAZIANO, X. A discórdia dos transgênicos. O Estado de São Paulo,30/09/2003, p.A-2. www.estado.estadão.com.br/editoriais

Data de Publicação: 16/10/2003

Autor(es): Sebastião Nogueira Junior (senior@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor