O Retorno da Inflação à Pauta de Discussões

            Ao longo de toda década de 801 até a implementação do Plano Real em julho de 1994, a economia brasileira se caracterizou por apresentar níveis de inflação extremamente elevados. Foi algo tão presente na vida dos brasileiros que logo os meios de comunicação passaram a designar tal fenômeno como "dragão da inflação". Para alguns, esse dragão deixa saudades, uma vez que o dinheiro se multiplicava nas aplicações financeiras com liquidez diária. Para outros, no entanto, a inflação corroía o poder de compra, comprimindo, em termos reais, o salário do trabalhador sem acesso aos investimentos financeiros.

            Já o período compreendido entre o final da década de 1990 e os anos 2000 vislumbrou um cenário de relativa calmaria no que diz respeito à evolução dos preços. Com isso, o patamar da discussão passou a ser outro. O susto, na metade de 2008, foi com o risco de uma ultrapassagem do teto da meta de 6,5% - algo muito distante do passado em que a inflação atingia até quatro dígitos. No momento, entretanto, a crise financeira virou o jogo e o medo agora, em vários países, é o de deflação. Por isso, o presente artigo visa a fazer uma breve apresentação do tema evolução de preços. A seguir, serão apresentados os principais indicadores utilizados no nosso país para a mensuração da evolução dos preços, bem como a situação atual em termos de Brasil e de mundo.

            A inflação pode ser entendida como sendo o aumento contínuo e generalizado no nível médio de preços de uma economia. Sua mensuração se dá de duas maneiras: por meio do deflator implícito do PIB ou pelos índices de preços ao consumidor e dos índices gerais de preços.

            Existem dois tipos de índices de preços no Brasil, que são índices de preços ao consumidor e Índices Gerais de Preços. Os primeiros são formados por indicadores calculados por algumas instituições – entre as quais a Fundação Getúlio Vargas (FGV), o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas de Universidade de São Paulo (Fipe-USP) -, cada qual com uma metodologia própria. Antes de qualquer coisa, é importante entender o porquê da necessidade da existência de diferentes indicadores de inflação. Isso se deve ao fato de que um único indicador de inflação seria geral demais para o correto monitoramento da evolução dos preços de diferentes setores da economia. No caso de um empresário do setor automobilístico, por exemplo, o seu interesse está em saber como os preços dos fatores que a sua fábrica utiliza estão se comportando.

            O IBGE divulga dois diferentes índices de preços ao consumidor, a saber: Índice de Preços ao Consumidor Ampliado (IPCA) e Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Enquanto o IPCA é mais abrangente, ao considerar famílias com renda entre 1 e 40 salários mínimos, o INPC considera uma faixa mais estreita da população, formada por famílias com renda mensal entre 1 e 6 salários-mínimos, ou seja, volta-se à análise do comportamento inflacionário sentido pela população de mais baixa renda. Importante ressaltar que o IPCA consiste no índice utilizado oficialmente pelo governo brasileiro para o sistema de metas de inflação2.

            Por sua vez, a FGV é responsável pelo cálculo dos Índices Gerais de Preços no Brasil, sendo o mais antigo deles o Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI), inaugurado em 1944. Tal indicador é formado por uma média ponderada de outros três: o IPA (Índice de Preços no Atacado), o IPC-Br (Índice de Preços ao Consumidor Brasil) e o INCC (Índice Nacional de Custos da Construção), com participação de 60%, 30% e 10%, respectivamente. Importante ressaltar que o IPC-Br considera famílias com renda mensal entre 1 e 33 salários-mínimos. Os demais índices são apenas variações do IGP-DI criadas por necessidades que surgiriam ao longo do tempo, tendo como única diferença a época em que os preços são coletados. Enquanto o IGP-DI é baseado em índices de preços calculados entre os dias 1 e 30 do mês de referência, o IGP-M é calculado com base em coletas realizadas entre o dia 21 do mês anterior e o dia 20 do mês de referência; já o IGP-10 é calculado com base em coletas efetuadas entre os dias 11 do mês anterior e 10 do mês de referência. Assim, a diferença entre os IGPs nas modalidades 10, M e DI é apenas o período de coleta nos mesmos. Em tempos de inflação baixa, como a atual, seus resultados são bem parecidos.

            Por fim, a Fipe-USP é a responsável pelo IPC-Fipe, um índice de preços ao consumidor que considera, em seu cálculo, o consumo de famílias paulistanas com renda mensal entre 1 e 20 salários-mínimos.

            Como dito anteriormente, a inflação no Brasil já teve seus dias de glória na mídia, com variações diárias que ultrapassavam a variação de um ano fiscal inteiro em países europeus. Nessa época, era uma boa política para uma firma multinacional enviar executivos financeiros para uma imersão na economia brasileira: o executivo que fosse bem-sucedido em administrar um fluxo de caixa que variava até 5% ao dia poderia se tornar um verdadeiro ás ao retornar ao marasmo dos 2% anuais suíços. Embora a elevação de preços tenha voltado a ocupar as conversas de negócios, tal repique inflacionário em nada se assemelha à referida época da hiperinflação.

Figura 1 – IPCA, % a.a, 1980 a 2007 e IPCA, % a.m, Janeiro a Novembro de 2008. 

Fonte: Ipeadata e Banco Central do Brasil.

            É surpreendente que, em vários países, a preocupação com a inflação tenha virado uma preocupação com a deflação. A atual crise financeira norte-americana virou o jogo e a preocupação, em muitos países, já é com a fraqueza da atividade econômica, que faz os preços caírem. Riscos de deflação nos EUA e Europa são cada vez mais evidentes. O Banco Central Europeu (ECB), por exemplo, vem desde agosto de 2007 atuando no sentido de prover maior liquidez à economia européia. E com a emergência da turbulência financeira, passou-se a promover uma ação internacionalmente coordenada de cortes de taxa de juros, sendo o Banco Central Europeu e o Federal Reserve (Fed) os mais proeminentes agentes.

            No Brasil, o balanço entre inflação e deflação tem duas forças. De um lado, a economia já vem desacelerando, e a menor demanda pelos bens e serviços contribui para conter a inflação. Nisto, tem ajuda dos preços de commodities, que caem com a crise, e ajudam a manter os preços sob controle. O comportamento do IPCA acumulado entre maio de 2003 e maio de 2004 mostra que o IPCA apresentou uma trajetória de queda sistemática. A figura 2 permite visualizar que, a partir de então, o IPCA passou a apresentar uma trajetória de aumento que permaneceria até abril de 2005, com leves oscilações. Após isso, uma queda (também com oscilações) se verificaria até março de 2007, sendo que daí em diante sua trajetória foi marcada preponderantemente por alta, atingindo o patamar de 6,41% até o mês de outubro deste mesmo ano. Em novembro, uma leve retração levou o índice a 6,39%.

Figura 2 – IPCA Acumulado em 12 meses (%), Janeiro de 2003 a Novembro de 2008.

 

Fonte: Banco Central do Brasil.

            De outro lado, há o câmbio. O real depreciou de cerca de 1,9143 reais por dólar no fim de setembro, para R$/US$2,337 no final de dezembro de 2008. O real mais fraco influencia os preços domésticos porque as matérias-primas importadas ficam mais caras e também porque os produtos importados exercem menor concorrência frente aos nacionais.

            É claro que, visando tais forças, o Comitê de Política Monetária (COPOM), do Banco Central do Brasil, monitora o ritmo da atividade econômica e dos preços, e evita excessos para os dois lados.

            Com tudo isso, pode-se concluir que o balanço de forças deve levar a inflação brasileira para mais próximo da meta, nos próximos anos, sob a vigilância do COPOM. Os tempos de hiperinflação ficaram no passado; mas a vigilância continua sendo estritamente necessária.
______________________________________________________________________________________
1Também denominada de década perdida.

2O sistema de metas de inflação passou a ser utilizado como instrumento de política econômica a partir de 1999 em decorrência da mudança da política cambial, a qual era de câmbio fixo e passou a ser de câmbio flutuante. No caso do último, a política monetária deixa de ser passiva, como na época do câmbio fixo e passa a ser ativa. Em linhas gerais, no sistema de metas de inflação, a autoridade monetária fixa a meta de inflação para determinado período, geralmente, no decorrer do ano civil e utiliza a política monetária para atingi-la. Há, porém, certo raio de manobra por parte do governo em relação às suas respectivas tomadas de decisões, uma vez que é estabelecido não somente o centro da meta, mas também seus respectivos limites inferior e superior.

Palavras-chave: inflação, índices de preços, metas de inflação.

Data de Publicação: 15/01/2009

Autor(es): André Ricardo Noborikawa Paiva (paiva@pezco.com.br ) Consulte outros textos deste autor
Mario Antonio Margarido (mamargarido@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor