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Conflitos e Propostas de Soluções: o comportamento do preço do álcool na entressafra canavieira
                                     
A recorrente forte pressão altista nos preços do etanol, conforme verificada nos 
últimos meses, reflexo do período de entressafra, da capacidade de oferta, de 
estoques insuficientes e da fraca articulação e planejamento público e privado, 
reforçou a necessidade da busca de soluções permanentes para mitigar os 
problemas decorrentes das grandes oscilações de preços e para resgatar a 
confiança do consumidor final.              
O etanol, como produto oriundo da atividade agrícola, tem sua produção sujeita 
aos ciclos de safra e entressafra, além das influências das leis de mercado e de 
oportunidades. No centro-sul, a safra da cana-de-açúcar se estende normalmente 
de maio a dezembro, portanto, com entressafra nos primeiros quatro meses do ano 
seguinte. O fato da duração da safra para o setor de etanol e açúcar ser menor 
que o período de abastecimento do mercado exige um bom planejamento e 
infraestrutura adequada para assegurar um estoque regulador que garanta a 
regularidade na oferta em consonância com o comportamento de mercado. 
             
É natural que nesse período se verifique uma flutuação nos preços, decorrente do 
custo de manutenção de estoques de passagem e da diminuição da oferta devido à 
não operação das usinas no centro-sul do Brasil. Os aumentos de preços, oferta 
apertada e/ou a escassez do produto não podem ser atribuídos, exclusivamente, à 
ocorrência da entressafra.              
A seguir, serão analisados com mais detalhes outros fatores que podem estar 
interferindo no desequilíbrio entre a oferta e demanda e as consequentes 
oscilações nos preços do etanol, como expansão desequilibrada da produção, 
descasamento entre oferta e demanda, expansão da frota, aumento da renda, dentre 
outros.              
Pela figura 1, observa-se que a produção de cana-de-açúcar no Brasil vem 
evoluindo nos últimos anos. Já para a safra 2011/12, há perspectiva de queda 
associada às consequências climáticas das últimas safras e baixa renovação dos 
canaviais.  Figura 1 - 
Produção de cana-de-açúcar no 
Brasil, 2005 a 2011.              
Esse comportamento de expansão da cultura, no entanto, não se distribui de forma 
equilibrada quando se compara a evolução da produção dos dois principais 
produtos do setor canavieiro, açúcar e álcool. Nos últimos cinco anos, enquanto 
houve crescimento da produção de açúcar, o volume de álcool que apresentava 
expansão sustentada até 2008 tem inversão em seu comportamento, reduzindo-se em 
2009 e mantendo-se praticamente estável em 2010 (Figura 2).              Revisitando novamente as argumentações que na 
entressafra de 2006 foram colocadas1, verificou-se mais uma vez que a 
questão não está calcada somente no ciclo natural de produtos agrícolas (de 
safra e entressafra), mas no descasamento entre oferta e demanda, no 
planejamento e coordenação tanto por parte do setor como do governo. E é essa 
persistência que contribuiu para que, nesta entressafra de 2011, novamente o 
preço do etanol no mercado interno tenha atingido níveis recordes, semelhante ao 
ocorrido na safra 2006/07.              
Assim, na safra 2010/11 o preço do etanol hidratado aumentou 57,1% no período de 
junho a dezembro de 2010, e 47,3% entre dezembro de 2010 a março de 2011. Já o 
preço do álcool anidro teve crescimento da ordem de 50,1% para período de junho 
a dezembro de 2010, e 122% para o período dezembro de 2010 a abril de 2011. 
Considerando especificamente os períodos de safra e entressafra, esses 
percentuais para o etanol hidratado são de 45,8% e 28,2%, respectivamente, 
enquanto para o anidro são de 38,7% na safra e 43,1% na entressafra. Esses comportamentos vêm reforçar a tese de que o problema 
não está calcado somente nos ciclos de safra e entressafra. Devido ao fato do 
etanol e da gasolina serem substitutos perfeitos no mercado de combustíveis (em 
decorrência da tecnologia flex), a escalada de preços altos do etanol 
deteriorou a relação favorável de preços que existia e equilibrava os mercados 
desses produtos. Isso levou os proprietários de veículos a abastecerem com 
gasolina, o que resultou em grande crescimento de demanda com consequente 
aumento nos preços e saturação na oferta.              
Destaca-se que a demanda por combustíveis está intimamente ligada ao crescimento 
da economia e da renda. Em 2010, o Brasil registrou, segundo o IBGE, um 
crescimento de 7,5% do PIB. Além disso, as condições favoráveis de 
financiamento, redução no IPI, utilizado como mecanismo anticíclico à crise 
mundial recente, contribuíram para a expansão da frota nacional. Estes sinais 
claros advindos do mercado apontam que haveria desequilíbrio no mercado de 
combustíveis. 'Os agentes do mercado costumam dizer que os mercados se bastam em 
suas sinalizações para seu próprio ajuste e que qualquer interferência 
governamental estraga tudo2.'              
Conforme dados da ANFAVEA3, a produção de autoveículos em 2009 foi de 
3,18 milhões de unidades e o licenciamento ficou em 3,14 milhões. Já em 2010, 
esses números passaram para 3,64 e 3,52 milhões, respectivamente, ou seja, houve 
um aumento de 14,4% na produção e 12,1% nos licenciamentos de 2009 para 
2010. A participação dos veículos bicombustíveis 
(flex) em 2010 foi de 86,4% e apenas 8,4% a gasolina. O registro para os 
três primeiros meses de 2011 mostram que a participação foi de 84,7% e 9,7%, 
respectivamente, sendo que essa alteração na participação dos veículos 
bicombustíveis em 2011 se deve ao aumento das importações de veículos a 
gasolina. E a produção e licenciamento de veículos apresentam expansão no 
primeiro trimestre 2011, em comparação com o primeiro trimestre de 2010, 
respectivamente de 7,9% e de 4,7%.              
Contudo, a despeito dos crescentes investimentos, das fusões e aquisições no 
setor sucroalcooleiro nos últimos anos, a oferta não tem acompanhado o ritmo de 
crescimento da demanda por etanol resultante da evolução na frota de automóveis. 
Um ponto a ser considerado nesse quadro é o fato de que o setor saiu 
recentemente de uma crise de preço, agravada pela crise de 2008, que limitou a 
capacidade de investimentos e resultou em endividamento expressivo de algumas 
usinas.              
Some-se a isso o fato de o mercado de açúcar, produto concorrente pela mesma 
matéria-prima, ter apresentado comportamento de escalada de preço, em função das 
quebras de safras, principalmente na Índia, redução na moagem de matéria-prima 
no Brasil (cana bisada) e dos baixos estoques mundiais. Tendo em vista que ainda 
predominam plantas industriais mistas, a busca de lucratividade com base nos 
preços relativos, favorável ao açúcar, tornou as últimas safras mais 
açucareiras. A previsão é de que, na safra que se inicia, esse comportamento 
ainda se mantenha, com maior destino da matéria-prima para a produção de açúcar 
(Figura 3). De acordo com os dados do Ministério da Agricultura, Pecuária e 
Abastecimento (MAPA)4, em 2009 houve aumento de 4,8% na produção 
nacional de açúcar, que totalizou 33,0 milhões de toneladas, e redução de 7,2% 
na produção de etanol. 
  
  
  
  
  
  
1Previsão de 
safra. 
Fonte: 
Elaborada pelo autor com base em: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E 
ESTATÍSTICA - IBGE. Banco de dados. Rio de Janeiro: IBGE, 2011. 
Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: abr. 
2011.
  
  
Figura 2 - Produção de Açúcar e Álcool no Brasil, 2005–2010. 
Fonte: Elaborada pelo autor com base em: 
MINISTÉRIO DA AGRICULTURA, PECUÁRIA E ABASTECIMENTO- MAPA. Estatística: 
produção. Brasília: MAPA, 2010. Disponível em: 
<http://www.agricultura.gov.br>. Acesso em: abr. 2011.
  
  
  
  
  
  
  
Fonte: Elaborada pelo autor com base em: INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA - IEA. Banco de dados: bioenergia. São Paulo: IEA, 2011. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br>. Acesso em abr. 2011 e BRASIL. Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Banco de dados: sistema Aliceweb. Brasília: MDIC, 2011. Disponível em: <http://aliceweb.mdic.gov.br>. Acesso em abr. 2011.
            
O exposto corrobora que a explicação de fragilidade 
na coordenação do mercado sucroalcooleiro no Brasil é verdadeira tanto da parte 
do setor como das ações de governo. Isto é, há problemas, como citado 
anteriormente, no equilíbrio da cesta de produtos ofertada pelo setor 
sucroalcooleiro, que se repetem e se agravam a cada safra/entressafra e que 
precisam ser equacionados, sem o que poderá haver comprometimento na matriz 
brasileira de combustíveis automotivos. 
  
            
Os desequilíbrios entre oferta e demanda observados nas últimas safras não devem 
ser interessantes para nenhuma das partes. As incertezas de abastecimento e 
grandes oscilações nos preços corroem as estruturas que nos últimos anos vêm 
sendo construídas, com o intuito de tornar o etanol consolidado e forte tanto 
internamente como no mercado externo. 
  
            
Há de se considerar também que ainda persistem na memória do consumidor 
brasileiro episódios não muito distantes de desabastecimento e que as oscilações 
de preço do etanol criam uma imagem negativa para o produto. 
  
            
Como pilar básico para a redução nas flutuações de mercado, quer em volume 
quanto em preço, a estocagem é uma opção, visto ser estratégica para garantir 
maior rentabilidade, não apenas no curto prazo, em função da sazonalidade, como 
também no longo prazo, pois cria reputação no cumprimento dos contratos e 
garantia de abastecimento tanto ao consumidor brasileiro como das necessidades 
de exportação5. 
  
            
É inegável que o setor está mudando e se fortalecendo, com grandes investimentos 
em tecnologia no campo e na indústria, como também forte investimento em capital 
humano e gestão. Mas é preciso avançar ainda mais. Há várias conquistas e 
avanços na busca da sustentabilidade e na abertura de novos mercados e 
consolidação do setor como produtor de energia. 
  
            
Assim, são necessárias medidas urgentes e eficientes para sanar os problemas 
existentes com medidas arrojadas e inovadoras e com um olhar no futuro dando a 
devida importância para os benefícios oriundos do combustível verde. 
  
            
Para a construção de um marco regulador eficiente, propõe-se um acordo nos 
moldes do protocolo agroambiental paulista, no qual seria firmado um protocolo 
de intenções entre o setor sucroenergético, setor automobilístico, governo 
federal e os governos dos Estados onde há expressão na produção de 
cana-de-açúcar. Na pauta do acordo estariam temas como política de regulação, 
unificação do ICMS do álcool, estoque, garantia de abastecimento, linhas de 
financiamento, entre outros temas. O grupo executivo responsável de estudar, 
analisar e propor o teor deste protocolo seria composto por representantes do 
governo federal, dos Estados produtores e do setor. 
  
            
Essa proposta visa buscar uma nova gestão entre o setor e o governo com o 
intuito de mitigar os conflitos de interesses que são aflorados ou aprofundados 
na entressafra da cana-de-açúcar, devido ao aumento dos preços do etanol. 
  
            
A aproximação positiva entre o setor e o governo deverá trazer benefícios mais 
concretos para todos os lados, diminuindo as incertezas, melhorando as 
informações, gerando confiança e aprimorando as relações entre as partes. A 
experiência do protocolo agroambiental em São Paulo é um exemplo de que é 
possível criar uma sinergia positiva com interesses comuns entre o setor público 
e o privado. 
  
            
Essa forma de gestão que busca soluções compartilhadas entre as partes poderá 
resolver algumas das principais causas de incertezas e escassez do produto, 
principalmente na entressafra. O desequilíbrio entre oferta e demanda, as 
estratégias de produção, os investimentos e expansão podem ser discutidos e 
minimizados sem a necessidade de enfrentamentos. 
  
            
Em resumo, os principais fundamentos das incertezas e oscilações ainda 
permanecem como baixa perspectiva de aumento da expansão da oferta de etanol no 
curto prazo, dificuldade no atendimento de demanda em expansão, preços 
favoráveis no mercado internacional do açúcar, safra 2011/12 novamente mais 
açucareira, ausência de política consolidada de regulação no setor e canaviais 
mais envelhecidos. Esses problemas não resolvidos conduzem à postergação da 
situação por tempo indeterminado gerando incerteza tanto no mercado produtor 
quanto no consumidor. Assim, o momento não é de apontar culpados e nem de ações 
extremas, mas sim de buscar soluções sensatas em prol do Brasil e a favor de uma 
matriz energética cada vez mais limpa. 
  
____________________________________________
1TORQUATO, S. A. Alta do preço do álcool: poder de oligopólio assusta consumidor. Análise e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 1. n. 1, jan. 2006. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br>. Acesso em: abr. 2011.
2FRONZAGLIA. T; TORQUATO, S. A. Mercado de Álcool: desajustes e excesso de expectativas. Análise e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 2, n. 8, ago. 2007. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br>. Acesso em: abr. 2011.
3ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS FABRICANTES DE VEÍCULOS AUTOMOTORES - ANFAVEA. Estatísticas. São Paulo: ANFAVEA, 2011. Disponível em: <http://www.anfavea.com.br>. Acesso em abr. 2011.
4BRASIL. Ministério de Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. Banco de dados: sistema Aliceweb. Brasília: MDIC, 2011. Disponível em: <http://aliceweb.mdic.gov.br>. Acesso em: abr. 2011.
5FRONZAGLIA. T; TORQUATO, S. A. Álcool: preço gera lucros extraordinários. Análise e Indicadores do Agronegócio. São Paulo, v. 1. n. 3, mar. 2006. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br>. Acesso em: abr. 2011.
Palavras-chave: etanol, regulação, exportação, açúcar.
Data de Publicação: 27/05/2011
Autor(es): Sérgio Alves Torquato (storquato@apta.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
 
                    







 
                    
                        
