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Poder de Compra do Salário-mínimo em Termos das Carnes Bovina, Suína e de Frango, no Período de 1970 a 2010
                                   
Nos últimos meses, tem sido muito comentada a elevação dos preços das carnes, 
especialmente a bovina, e sua influência na inflação e no custo de vida dos 
brasileiros. Neste artigo discute-se como, num horizonte histórico mais amplo, o 
preço das carnes bovina, suína e de frango afetou o custo de vida do trabalhador 
que ganha salário-mínimo.              
Como se sabe, durante a maior parte dos últimos 40 anos, a economia brasileira 
esteve às voltas com elevados níveis de inflação que corroíam o poder de compra 
dos salários e, muitas vezes, corroíam também a renda dos produtores. Ao longo 
desse período, houve políticas mais ou menos eficientes de reajuste salarial, 
assim como políticas voltadas para o setor agrícola, mais ou menos eficientes no 
sentido de garantir a produção agropecuária em volume suficiente para o 
abastecimento e de sustentar a renda dos produtores.              
Nesse período houve também políticas de investimentos em ciência e tecnologia e 
extensão rural que resultaram em mudanças na produtividade da agropecuária, 
viabilizando a redução dos custos de produção unitários e dos preços reais da 
grande maioria dos alimentos que compõem a cesta básica do trabalhador 
brasileiro1,2,3. Embora os ganhos de produtividade tenham sido 
diferenciados para os três tipos de carne, o que se verificou foi o repasse de 
pelo menos uma parte deles para os consumidores, por meio da redução dos 
preços.              
O quociente entre o salário-mínimo e o preço de um produto agropecuário no 
varejo, ou o poder de compra desse produto pelo salário-mínimo, mostra, ao longo 
do tempo, a resultante dos três tipos de política mencionados nos parágrafos 
anteriores. O poder de compra do salário-mínimo em termos das carnes é um bom 
indicador da capacidade de compra de alimentos pelos assalariados pior 
remunerados do mercado formal de trabalho, uma vez que as carnes são os 
alimentos mais caros que compõem a cesta básica do trabalhador 
brasileiro.              
A figura 1 mostra a evolução do poder de compra médio anual do 
salário-mínimo4 em quilogramas das principais carnes.
  
  
  
  
 
 
  
  
Figura 1 - Poder de Compra do Salário-mínimo em kg de Carne de Boi, Porco e Frango, Cidade de São Paulo, 1970 a 2010

Fonte: Dados da pesquisa.
            
Uma primeira observação é a de que o comportamento do poder de compra do salário 
varia de uma carne para outra, mas há semelhanças no sentido das variações. 
Pode-se observar que, do início da série até 1990-1991, há uma tendência de 
redução do poder de compra dos salários, mais evidente no caso das carnes de boi 
e de suíno, pois no caso da carne de frango as oscilações para cima são mais 
acentuadas. Em 1990 observou-se o menor poder de compra do salário em relação a 
todas as carnes e, a partir daí, verificou-se tendência crescente do poder de 
compra em relação a todas elas, embora haja algumas reduções compensadas nos 
anos subsequentes. 
  
            
Salta aos olhos o fato de que o poder de compra do salário em termos de frango, 
que no início do período era igual ao relativo à carne de boi, apresentou 
crescimento muito superior ao observado para as outras carnes ao longo de todo o 
período. Outro fato interessante é que o poder de compra do salário em termos da 
carne bovina, que foi nitidamente superior ao verificado em relação à carne 
suína no início do período, tornou-se semelhante a partir dos anos 1980 e, a 
partir do ano 2000, tornou-se inferior ao poder de compra do salário em termos 
da carne suína, ou seja, a carne de boi tornou-se mais cara que a suína. Esses 
fatos decorrem da alteração significativa que houve nos preços relativos das 
carnes, pois a carne de frango ficou muito mais barata que as outras e, nos anos 
2000, a carne suína tornou-se mais barata que a bovina. 
  
Mas as variações do poder de compra do salário observadas na figura 1 resultaram de variações do salário real ou do preço real das carnes, ou de ambos os fatores? A figura 2 esclarece essa questão.
Figura 2 - Evolução do Salário-mínimo e 
dos Preços do kg das Carnes, Médias Anuais de 1970 a 
2011. 
  
  
Fonte: 
Dados da pesquisa. 
  
  
            
Como se pode ver, o salário-mínimo apresentou seu valor real5 máximo 
no início da série analisada (R$766,00 em moeda de outubro de 2010), e foi 
caindo, com pequenas recuperações passageiras, até 1991 e 1992, quando atingiu 
seu menor valor, equivalente a R$294,00. A partir daí, o salário-mínimo 
apresentou tendência de recuperação, sendo que o seu crescimento foi mais 
intenso a partir de 2004. Porém, o salário inicial da série ainda não foi 
recuperado. 
  
            
Já os preços das carnes, apesar de variações cíclicas, apresentaram tendência de 
queda ao longo de todo o período, atingindo os valores mínimos em 2006 e 2007, a 
partir de quando tiveram alguma recuperação, mais significativa no caso da carne 
bovina. 
  
            
Para concluir essas considerações, apresenta-se a seguir uma avaliação numérica 
da variação de preços das carnes, salários e poder de compra, entre o início e o 
fim da série analisada. Para atenuar o efeito de fenômenos conjunturais sobre a 
comparação, foram usadas as médias dos três primeiros e dos três últimos anos. 
Verifica-se então que, apesar da redução de 29% ocorrida no valor real médio do 
salário-mínimo, o seu poder de compra no final do período analisado é, em 
termos: 
  
  
a) da carne de frango: 2,5 vezes maior que o verificado no início;b) da carne suína: 1,5 vezes o verificado no início; e
c) da carne bovina: 0,92 vezes o verificado no início da série.
            
Ou seja, a perda ocorrida no salário-mínimo real foi amplamente compensada pela 
queda observada no preço das carnes, de modo que, no final do período analisado, 
com um salário-mínimo 29% menor, pôde-se comprar quase tanta carne bovina quanto 
no seu início e comprar muito mais carne de frango e de porco. 
  
            
Isso foi possível porque, no período analisado, houve progresso técnico e 
consequente redução no custo de produção e preço de todas as carnes; porém, cada 
uma delas apresenta peculiaridades. No caso da carne de frango, o aumento da 
oferta em reação a preços maiores é muito rápido devido à grande capacidade 
reprodutiva das aves, que chega a 300 ovos férteis por ano por matriz e ao curto 
período de incubação de ovos de cria e engorda dos frangos, que somam cerca de 
65 dias, sendo 21 dias de incubação do ovo e 45 dias de cria e engorda. A 
produção brasileira de carne de frango cresceu muito mais que as outras, como se 
pode ver na tabela 1. 
  
Tabela 1 - Confronto dos Resultados dos Dados Estruturais dos Censos Agropecuários Brasil, 1970/2006
| 1970 | 1975 | 1980 | 1985 | 1995-1996 | 2006 | |
| Índice de evolução do rebanho bovino | 100 | 129 | 150 | 163 | 195 | 218 | 
| Mil cabeças de bovinos | 78.562 | 101.674 | 118.086 | 128.042 | 153.058 | 171.613 | 
| Índice de evol. do rebanho de suínos | 100 | 112 | 104 | 97 | 88 | 99 | 
| Mil cabeças de suínos | 31.524 | 35.152 | 32.629 | 30.481 | 27.811 | 31.189 | 
| Índice de evolução rebanho de aves | 100 | 134 | 193 | 204 | 336 | 656 | 
| Mil cabeças de galináceos | 213.623 | 286.810 | 413.180 | 436.809 | 718.538 | 1.401.341 | 
Fonte: INSTITUTO BRASILEIRO 
DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Censo agropecuário 1970-2006. Rio de Janeiro: 
IBGE. Disponível em: <http://www.ibge.gov.br>. Acesso em: 18 mar. 
2011. 
  
  
            
No caso da carne bovina, porém, uma matriz produz apenas um bezerro por ano, 
pois o período de gestação do bezerro é de 310 dias e o período de cria e 
engorda de um boi é de pelo menos 720 dias. Assim sendo, o plantel de galinhas 
matrizes é rapidamente recomposto ou ampliado e a produção comercial de frangos 
para abate pode aumentar muito em pouco tempo, o que não acontece com o plantel 
de vacas matrizes, que leva pelo menos 1.000 dias, e muito menos com a 
recomposição e ampliação da produção de bois para abate. Devido a esse horizonte 
temporal longo da reação da oferta de carne bovina a choques de preço, de pelo 
menos três anos, ocorre o fenômeno conhecido como ciclo pecuário que, em grande 
parte, é responsável pelo fato do poder de compra em carne bovina no final do 
período analisado estar relativamente baixo6. Nos últimos anos, a 
oferta relativamente baixa de carne bovina ainda reflete o descarte de matrizes 
ocorrido especialmente de 2005 a 2008, quando os preços reais da carne bovina 
atingiram os níveis mais baixos dos últimos 40 anos (Figura 2). 
  
___________________________________________ 
1MARTINS, S. S. Cadeias produtivas do 
frango e do ovo: avanços tecnológicos e sua apropriação. 112 p. 1996. Tese 
(Doutorado) – Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, 1996. 
2RAMOS, F. S. V. et al. A indústria de carne no Brasil: dinâmica econômica e tecnológica, Brasília: SENAI.DN, 2006. 90 p. (Série Estudos Setoriais, v. 6).
3MARTINS, S. S. et al. Cadeia produtiva da pecuária de corte: ciclos pecuários e rentabilidade. In: CONGRESSO DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE ECONOMIA, ADMINISTRAÇÃO E SOCIOLOGIA RURAL. 47., 2009, Porto Alegre. Anais... Brasília: SOBER, 2009.
4Média do poder de compra mensal obtida dividindo-se o valor nominal do salário-mínimo vigente pelo preço nominal do quilograma das carnes no varejo da cidade de São Paulo, levantado pelo Instituto de Economia Agrícola.
5Os valores monetários foram atualizados para dezembro de 2010 pelo IGP-DI.
6Op. cit. nota 3. 
  
  
Palavras-chave: consumo de carnes, poder de compra do salário-mínimo em carnes, preço das carnes, salário-mínimo.
Data de Publicação: 08/06/2011
                Autor(es): 
                Sônia Santana Martins (soniasm@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Abel Ciro Minniti Igreja (abelciro@iz.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Danton Leonel de Camargo Bini (danton.camargo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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Marina Brasil Rocha (mabrasil@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor              
 
                    







 
                    
                        
