Agricultura e Meio Ambiente: o capital natural como fator de produção

 

Introdução

 

            Dentre os princípios da economia, há o que estabelece que essa ciência estuda a utilização de recursos escassos, na forma mais eficiente possível, para a produção de bens e serviços. Com a crença na capacidade de superação dos limites da natureza e na perfeita substituição dos fatores de produção, os recursos naturais são vistos apenas como uma restrição temporária e superável pelo progresso técnico1. Entretanto, quando a produção é vista como uma parte de um sistema maior (o meio ambiente), e que a substituição dos fatores nem sempre é eficiente, passa-se a reconhecer que os recursos naturais podem impor limitações ao crescimento constante.
 

            Este trabalho faz uma revisão teórica da abordagem que trata da introdução do fator capital natural na função de produção, de acordo com o legado de Georgescu-Roegen2, cujas interpretações de sistema econômico e suas interações com energia e meio ambiente constituem-se nas mais importantes contribuições para a redefinição de processos produtivos. Deve ser ressaltado que se trata de revisão simplificada da contribuição do precursor, assim como das demais referências para o desenvolvimento do arcabouço sobre as relações entre crescimento econômico e limites biofísicos da natureza.
 

            O economista romeno questionou a possibilidade de crescimento constante porque processos produtivos dependem de matéria e energia, e os recursos que proporcionam a energia útil são escassos e decrescem constantemente. As atividades econômicas exigem a energia de baixa entropia (útil, obtida a partir do petróleo e carvão, por exemplo), e a transforma em energia de alta entropia (inútil, formas de calor difusas). Dessa forma, segundo Roegen, ainda que possa explorar outras formas de energia, a humanidade terá que conviver com o decréscimo no produto no futuro3.
 

            O processo produtivo convencional4,5 tem por princípio a perfeita substituição dos fatores que compõem a função de produção Q = f(L, K, T, M), onde Q é a quantidade, L o trabalho, K o capital, M matérias-primas e T a terra. É definida como uma lista de combinações de fatores, por meio das quais uma quantidade de produto pode ser obtida6 sob eficiência técnica que proporcione a máxima produção possível7.
 

            A substituição dos fatores de produção se apoia na hipótese da técnica e do capital serem substitutos perfeitos. No entanto, apesar do progresso técnico, ele por si só não é suficiente para impedir que a natureza imponha limites ao sistema econômico no longo prazo8. Isso porque os fatores de produção não são substitutos perfeitos, posto que as inovações tecnológicas não podem evitar o uso dos recursos naturais9.
 

            Roegen define, então, duas categorias de fatores. Os fatores de fundo, denominados agentes do processo produtivo que compreendem o espaço físico (terra), o capital e a força de trabalho, com a função de transformar insumos em produtos. Os fatores de fluxo são os insumos fornecidos pela natureza, como a energia solar, o sistema de chuvas e o controle climático, os materiais, denominados insumos produzidos em outros processos, e a manutenção dos equipamentos (Quadro 1).

 

Quadro 1 – Fatores de Produção, de Acordo com Georgescu-Roegen

Fator Categorias Função
Fundo Terra - espaço físico
Capital - equipamentos, etc.
Força de trabalho
Transformam insumos em produtos 
Fluxo (energia e matéria) Insumos da natureza (R) - ex.: energia solar,
sistemas de chuvas, controle climático, etc. Insumos correntes - produzidos (I) Manutenção (M) 
Componentes que o processo produtivo transforma em produto
Fonte: Elaborado pelos autores a partir de ROMEIRO, A. R. Desenvolvimento sustentável e mudança institucional: notas preliminares. Texto para Discussão, Campinas: IE/Unicamp, n. 68, abr. 1999 e de MUELLER, C. C. O debate dos economistas sobre a sustentabilidade: uma avaliação sob a ótica da análise do processo produtivo de Georgescu-Roegen. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 35, n. 4, p. 687-713, out./dez. 2005.
 
 

            Dessa forma, há a distinção dos fatores que compõem a função de produção. O capital, o trabalho e a terra passam a ser fundos que prestam serviços para a transformação do fluxo de energia e matéria em produtos10. A função de produção é então expressa Q = F(N, K, L), onde N é o capital natural e os fatores de produção deixam de ser substitutos perfeitos, uma vez que exercem papéis diferentes no processo produtivo11.
 

            Mesmo a moderna agricultura permanece como a atividade que mais relaciona o homem com a natureza, em virtude de nossa dependência em relação a fontes de energia necessárias à vida12.
 
 

Efeitos da Agricultura sobre os Recursos Naturais
 

            A simplificação ou homogeneização do ambiente natural é necessária à produção em larga escala, com uso cada vez maior de insumos, assim como da resistência e pragas e doenças13. Essa forma de produção tende a ser instável no longo prazo, por constituir sistemas ecológicos ultrassimplificados e passíveis de desequilíbrio14. Controle biológico, polinização natural, plantio intercalado e sistemas agrosilvopastoris são exemplos de práticas agrícolas que preservam a biodiversidade15.
 

            O processo de arenização no sudoeste do Rio Grande do Sul constitui exemplo de degradação do solo. Apesar da origem do problema estar associada às causas naturais, a participação humana é decisiva pelos cultivos em ecossistemas frágeis16.
 

            Quando se trata da utilização da água, a agricultura é a atividade que se destaca pelo volume extraído desse recurso. Cerca de 70% de toda água retirada dos rios e do subsolo é para irrigação, enquanto 20% é destinada aos usos industriais, e apenas 10% aos residenciais. A maior parte da água captada não retorna aos mananciais e o uso agrícola altera a concentração de substâncias17. Somam-se a esses efeitos o rebaixamento de lençóis freáticos e a salinização de solos, comum em regiões áridas18.
 

            No cerrado, bioma que concentra a agricultura de maior escala no Brasil, a água e solo apresentam contaminação por agrotóxicos, como é o caso dos municípios de Sorriso, Lucas do Rio Verde e Rondonópolis em Mato Grosso; em Dourados e Alcinópolis em Mato Grosso do Sul; Rio Verde e Jataí em Goiás, e em Barreiras e Luiz Eduardo Magalhães, no oeste da Bahia19.
 

 

Considerações Finais
 

            A produção não mais se restringe à combinação de fatores originais da proposta convencional do pensamento econômico, mas passa a incorporar uma relação de dependência com o ambiente externo, que rompe com a ideia do meio ambiente como mera fonte de recursos e depósito de resíduos necessários ao crescimento ilimitado do sistema econômico. O processo produtivo a partir da dinâmica de transformações, por meio de fluxos de recursos fabricados pelo homem e aqueles originados da natureza e finitos, ocorre em um sistema superior ao econômico, o meio ambiente.
 

            A interpretação da função de produção a partir da introdução do capital natural reconhece as limitações de plena substituição dos fatores em face da impossibilidade de substituição dos elementos estruturais e funcionais dos ecossistemas que prestam serviços à obtenção da produção.
 

            O capital natural é tão importante quanto os demais fatores que compõem a expressão que representa a alocação eficiente para a obtenção de bens e serviços. Na produção agrícola, esse aspecto ganha conotação especial em virtude da dependência em relação aos serviços prestados pelos recursos naturais, os quais, por enquanto, ainda não foram plenamente substituídos pela técnica nem pelo capital.
 

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1ROMEIRO, A. R. Desenvolvimento sustentável e mudança institucional: notas preliminares. Texto para Discussão, Campinas: IE/Unicamp, n. 68, abr. 1999.

2GEORGESCU-ROEGEN, N. Energia e mitos econômicos. Economia-Ensaios, Uberlândia, v. 19, n. 2, p.7-51, jul./ 2005.

3VEIGA, J. E. Desenvolvimento sustentável: o desafio do século XXI. Rio de Janeiro: Garamond, 2010. 220 p.

4Trata-se da economia neoclássica. Para maiores detalhes, ver nota 3.

5CECHIN, A. D. Georgescu-Roegen e o desenvolvimento sustentável: diálogo ou anátema? 2008. 208 p. Dissertação (Mestrado em Ciência Ambiental) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2008.

6MUELLER, C. C. O debate dos economistas sobre a sustentabilidade: uma avaliação sob a ótica da análise do processo produtivo de Georgescu-Roegen. Estudos Econômicos, São Paulo, v. 35, n. 4, p. 687-713, out./dez. 2005.

7VASCONCELOS, M. A. S. Economia: micro e macro. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2002.

8Op. cit. nota 1.

9Op. cit. nota 5.

10Op. cit. nota 5.

11DALY, H. E.; FARLEY, J. Ecological economics: principles and applications. Washington: Island Press, 2004. 455 p.

12BEZERRA, M. C. L.; VEIGA, J. E. (Coords.). Agricultura sustentável. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, 2000. 190 p. Disponível em: <http://www.camaradecultura.org/agricultura.pdf>. Acesso em: jul. 2009.

13ABRAMOVAY, R. Moratória para os cerrados: elementos para uma estratégia de agricultura sustentável. São Paulo: USP, 1999. Disponível em: <http://www.econ.fea.usp.br/abramovay/outros_trabalhos/1999/Moratoria_para_os_cerrados.pdf>. Acesso em: abr. 2009.

14ROMEIRO, A. R. Ciência e tecnologia na agricultura: algumas lições da história. Cadernos de Difusão de Tecnologias, Brasília, v. 4, n. 1, p. 59-95, jan./abr. 1987.

15FOOD AND AGRICULTURE ORGANIZATION - FAO. Agricultural diversity. Rome: FAO, 2008. Disponível em: <ftp://ftp.fao.org/docrep/fao/010/i0112e/i0112e.pdf>. Acesso em: ago. 2009.

16FREITAS, C. A.; GOULART, D. D.; ALVES, F. D. O processo de arenização no sudoeste do Rio Grande do Sul: uma alternativa para o seu desenvolvimento sócio-econômico. Porto Alegre, 2002. Disponível em: <http://www.fee.rs.gov.br/sitefee/download/eeg/1/mesa_11_freitas_goulart_alves.pdf>. Acesso em: ago. 2009.

17RODRIGUES, G. S.; IRIAS, L. J. M. Considerações sobre os impactos ambientais da agricultura irrigada. Jaguariúna: Embrapa/CNPMA, jul. 2004. 7 p. (Circular técnica 7).

18RICKLEFS, R. E. A economia da natureza. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2009.

19SOARES, W. L.; PORTO, M. F. Atividade agrícola e externalidade ambiental. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 12, n. 1, p. 131-143, 2007.
 
 

Palavras-chave: agricultura, recursos naturais, função de produção.

Data de Publicação: 04/07/2012

Autor(es): Marisa Zeferino (marisa.zeferino@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Vagner Azarias Martins (vagnermartins@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor