Panorama da Vitivinicultura Paulista em Meio à Pandemia da Covid-19: principais impactos e sugestão de medidas emergenciais


 

INTRODUÇÃO

As Câmaras Setoriais constituem modalidade de governança coletiva importante para a formatação de agendas de ações públicas e privadas voltadas para o desenvolvimento de setores e territórios. Esse instrumento foi colocado em prática na década de 1990 e passou por reestruturação em 1997, mas continuou sua trajetória de difusão para várias cadeias produtivas da agroindústria paulista. Totaliza atualmente mais de 30 câmaras setoriais, dentre elas, a da Uva e do Vinho. Criada em 2008, esta câmara tem proporcionado um canal de interlocução entre a cadeia produtiva da vitivinicultura paulista e o governo do Estado de São Paulo, por meio da Secretaria de Agricultura e Abastecimento (SAA).

O atual contexto desafiador, proposto pela pandemia covid-19, reforçou o papel da Câmara como canal de interveniência entre a gestão pública estadual e os representantes da cadeia de produção do vinho paulista. A consulta realizada pela SAA à presidente da Câmara Setorial cumpre o propósito original que norteou a concepção dessa modalidade de governança setorial.

O fato da consulta pode ser considerado um aspecto positivo dessa pandemia, ou seja, reforço da modalidade de concertação coletiva do setor vitivinícola. Contudo, surge a velha preocupação com outro lado: os agentes estão preparados para responder a essa demanda da gestão pública? Apesar da necessidade de maior conscientização dos agentes setoriais, a abordagem histórica de vigência da Câmara demonstra um processo de amadurecimento nesse sentido. Atualmente, vale a pena destacar essa evolução, permitida pela maior habilidade social e política da atual gestão, associada às novas ferramentas de comunicação e informação, principalmente WhatsApp e plataformas de diálogos online.

As novas ferramentas permitem maior aproximação entre os membros da Câmara e trocas de informações de forma mais ágil, possibilitando respostas imediatas às demandas governamentais. Dessa forma, a atuação da Câmara se aproxima do seu objetivo como modalidade de governança coletiva do segmento vitivinícola paulista.

Assim, o levantamento da situação, análise e proposição de políticas em período menor de uma quinzena é, sem dúvidas, uma descoberta de novas possibilidades e conquistas, um fato novo e positivo, em plena pandemia.

A cadeia vitivinícola paulista é composta por agentes com perfis bastante heterogêneos, abrangendo três setores da economia: agricultura, mediante participação dos produtores de uva para mesa e de processamento; agroindústria, incorporando os agentes centrais da cadeia, os vinicultores; e o setor de serviços, abrangendo os agentes que praticam o enoturismo. Essas atividades por si só propõem heterogeneidade, que é potencializada pelas diferenças de níveis tecnológicos dentro de um mesmo segmento produtivo.

Apesar dessa heterogeneidade, muitos são os vetores comuns em prol da vitivinicultura paulista, a busca pela qualidade, pela maior competitividade dos territórios e aglomerações produtivas e a prática do enoturismo como forma de exposição das conquistas enológicas individuais e regionais.

O objetivo desse artigo é a caracterização do panorama vitivinícola paulista no contexto de isolamento social e de restrições produtivas, imposto pela necessidade de mitigação dos fatores de expansão do vírus. Além da caracterização, o artigo se propõe a levantar algumas proposições de políticas públicas para o segmento nesse contexto.

 

METODOLOGIA

A fim de consolidar dados importantes do setor diante da pandemia de covid-19, em maio e junho de 2020 foi desenvolvido e aplicado um questionário com perguntas fechadas e abertas, mediante formulário da ferramenta Google Forms, relacionadas especialmente às medidas higiênico-sanitárias adotadas pelas agroindústrias do setor, principais canais de escoamento das produções de uva e de vinho, impactos nas vendas de uva e vinho e nos preços praticados, proposição de medidas alternativas para escoamento de produção e sugestões de medidas governamentais.

Ao considerar o universo da Câmara Setorial de aproximadamente 40 agroindústrias, a pesquisa contou com o retorno de 27 questionários, sendo que a maioria dos produtores que participou utiliza a uva para processamento. As respostas vieram de 15 diferentes municípios paulistas: São Roque, Jundiaí, Piracicaba, São Bento do Sapucaí, Indaiatuba, Espírito Santo do Pinhal, Valinhos, São Miguel Arcanjo, Penápolis, Louveira, Vinhedo, Amparo, Jarinu, Franca e Ribeirão Preto.

CARACTERIZAÇÃO DO PANORAMA

A adoção das medidas propostas pelo governo com o fechamento temporário de todos os locais de circulação de pessoas, além da adoção de medidas higiênico-sanitárias para os funcionários em atividade, especialmente na cultura da uva e nas vinícolas, mostrou que o setor está bastante comprometido com a quebra na cadeia de transmissão do covid-19. Obviamente, essas medidas geraram implicações econômicas.

A pesquisa realizada pela Câmara Setorial mostra um retrato de como setor se encontra nessa crise. As dificuldades são muitas, mas algumas prioridades podem ser indicadas a partir dessa análise.

Em relação às vendas, 92,6% dos produtores que responderam ao questionário afirmaram que o volume total sofreu redução, sendo que 25,9% dos produtores destacaram que a pandemia também acarretou redução dos preços de seus produtos.

Quanto aos canais de escoamento de uva, dentre os que fazem a comercialização in natura, o principal canal de escoamento é a venda direta, seguida pela venda em entrepostos e supermercados (Figura 1). A comercialização direta está extremamente prejudicada pela baixa mobilidade das pessoas na pandemia.

 

Em relação aos viticultores que comercializam uvas in natura, foram relatadas perdas entre 20 e 80% da produção, com média de cerca de 40%. No que diz respeito aos principais canais de escoamento da produção de vinho, observa-se na figura 2 que a totalidade das vinícolas tem praticado a comercialização nas próprias unidades de produção, nas respectivas propriedades.

 

Essa constatação reforça a dependência que a comercialização de vinhos estabeleceu com as práticas do enoturismo e turismo rural. Todos as agroindústrias de vinho que responderam ao questionário, agentes de diferentes perfis produtivos e tecnológicos, desenvolvem atividades relacionadas às experiências turísticas e, em diferentes proporções, somam atrativos aos seus respectivos espaços, contribuindo assim para o desenvolvimento territorial. Nessa perspectiva, pode-se inferir sobre o importante papel que o turismo exerce no desenvolvimento setorial e territorial da vitivinicultura paulista. Essa integração entre as vinícolas e o turismo é ratificada pela informação de que 96,3% dos entrevistados relataram a necessidade de cancelamento ou adiamento de eventos ou atividades turísticas em função da pandemia.

Em relação ao desempenho desse canal no período de pandemia, as respostas indicaram que as vendas realizadas na própria vinícola e as relacionadas às atividades turísticas diminuíram, em média, 79%, sendo que muitas vinícolas tiveram 100% de redução nas vendas. Já os outros canais de escoamento, principalmente lojas, supermercados e distribuidores, apresentaram queda média de 72% no volume de vendas.

Ao se considerar a totalidade dos canais de comercialização de vinhos, de acordo com os participantes da pesquisa, o único canal que se manteve ou apresentou aumento nas vendas foi o e-commerce; porém, em todos os relatos não há volume satisfatório de vendas por esse canal.

A pesquisa revelou também que vários produtores, tanto da área vitícola quanto da vinícola, já experimentaram novos canais de venda, em especial delivery de uva in natura e de vinho; sistema de drive-thru; venda por aplicativos e campanhas promocionais em redes sociais. Contudo, a maioria relatou resultados insatisfatórios para essas alternativas.

Além do diagnóstico das perturbações do setor decorrentes da pandemia, a pesquisa também proporcionou a prospecção de políticas públicas. Assim, as agroindústrias de vinho participantes sugeriram medidas para mitigação dos impactos gerados. Tais medidas podem ser classificadas em dois grupos: as emergenciais, mais conjunturais, que devem ser tomadas no curto prazo, e as pós-pandêmicas, mais estruturais, e que podem ser tomadas no médio e longo prazo.

Quanto às medidas mais urgentes, os produtores destacaram: inclusão de frutas e sucos de uva nas cestas entregues às famílias em situação de vulnerabilidade social e nas compras institucionais; contribuição à divulgação dos novos canais de comercialização como e-commerce e delivery; ampliação das linhas de crédito emergencial para coberturas dos custos imediatos dos empreendimentos rurais, agroindustriais e serviços de enoturismo e turismo rural; retomada da atividade de canais de venda direta, mediante o respeito aos protocolos sanitários, de higiene e distanciamento físico.

Já as medidas mais estruturais, a serem tomadas no período pós-pandemia, os vitivinicultores sugeriram: aporte de recursos para maior abrangência dos programas como o Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista (FEAP), sobretudo para o acompanhamento técnico do pequeno produtor, modernização dos empreendimentos, processamento de excedentes de produção vitícola das cooperativas e fomento aos serviços do enoturismo; redução da carga tributária incidente sobre os vinhos; integração entre as ações da Secretaria da Agricultura e Abastecimento (SAA/SP), da Secretaria do Turismo (SETUR/SP) e da Secretaria de Desenvolvimento Econômico, Ciência, Tecnologia e Inovação (SDECTI); apoio à criação de um fundo setorial com base na comercialização de vinho realizada no Estado de São Paulo, visando o fortalecimento da pesquisa e do marketing do vinho paulista; e operacionalização de programa de qualificação tecnológica para o setor e oferta de curso de capacitação voltado à nova realidade da viticultura paulista.

 

CONCLUSÕES

Essa pesquisa revela a descoberta de novas possibilidades e conquistas, fatos novos e positivos, em plena pandemia. Isso por dois motivos: a própria demanda da SAA, reforçando o papel original da Câmara como mediadora entre setor produtivo e gestão pública, e o maior engajamento dos membros da Câmara, incentivado pela maior conscientização e melhor capacidade conectiva destes. Vale ressaltar a rapidez de retorno por parte dos vitivinicultores, fato que enseja muitas possibilidades futuras, com grande potencial para exposição/atendimento dos interesses setoriais.

A partir da constatação da heterogeneidade do setor, a pesquisa revelou a importância do canal de comercialização na propriedade, das atividades ligadas ao enoturismo. Todas as vinícolas praticam essa modalidade de comercialização, contribuindo para o incremento dos atrativos e desenvolvimento de seus respectivos territórios.

Contudo, a maior riqueza da pesquisa é a proposição de medidas para a mitigação dos impactos do isolamento social, no curto prazo, sem perder de vista o horizonte de maiores conquistas, como a constituição do fundo vitivinícola paulista.

 Com certeza, a pandemia trouxe desafios, mas também apresentou novos aprendizados e boas perspectivas!

 

 

Palavras-chave: covid-19, vitivinicultura, Câmara Setorial, impactos, políticas.

 


 



 

COMO CITAR ESTE ARTIGO

 

VERDI, A.; SGARIONI, A.; ALVAREZ, I. Panorama da Vitivinicultura Paulista em Meio à Pandemia da Covid-19: principais impactos e sugestão de medidas emergenciais. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 16, n. 3, mar. 2021, p. 1-6. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.

Data de Publicação: 05/03/2021

Autor(es): Adriana Renata Verdi (averdi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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