A influenza aviária e as exportações brasileiras de frango

            A chegada da influenza aviária na União Européia (UE) e na África nas últimas semanas mudou o cenário das exportações brasileiras de frango. Isto ocorre depois de dois anos de boas vendas no mercado externo, com o Brasil assumindo a liderança do mercado internacional, e da perspectiva positiva para 2006 de colocação do frango brasileiro no exterior, mesmo com uma queda das exportações no final de 2005.
            A alteração deste quadro está diretamente ligada à rápida queda do consumo de carne de frango nos países europeus, que não deve ser retomada tão logo visto que os consumidores europeus são extremamente exigentes e, por isso mesmo, cautelosos.
            O Brasil assumiu, desde 2004, a liderança das exportações mundiais de carne de frango, ultrapassando os Estados Unidos, com a venda de 2,47 milhões de toneladas (crescimento de 26% em relação a 2003) e uma receita de US$ 2,59 milhões (mais 44%) (tabela 1). Em 2005, o Brasil continuou à frente, obtendo 35% a mais da receita em relação a 2004 e um aumento de 15% do volume exportado1, um saldo inferior às expectativas do setor devido ao embargo russo às carnes do Mato Grosso do Sul e do Paraná e à greve dos fiscais sanitários.

Tabela 1 - Volume e valor das exportações brasileiras de frango, 2003 a 2005
 

Produto
2003
2004
2005
ton. mil US$ ton. mil US$ ton. mil US$
Frango
1.959.976
1.799.236
2.469.960
2.595.426
2.845.194
3.509.073

Fonte: Conab, a partir dos dados da Secretaria de Comércio Exterior (SECEX/MDIC)

            A principal justificativa para a expansão dos últimos anos, além da competitividade brasileira, ficou por conta das questões sanitárias que afetaram vários países desde 2004. A influenza aviária nos países asiáticos, principalmente, possibilitou a entrada do Brasil em novos mercados e abriu a probabilidade de ampliação destes, em 2006.
            O embargo russo, em 2005, chegou a afetar as exportações avícolas do Brasil, já que o Paraná, maior produtor nacional, é um dos principais exportadores brasileiros. O Estado respondeu por 28,31% das vendas externas de carne de frango in natura, de janeiro a novembro de 2004, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior do Ministério do Desenvolvimento (SECEX/MDIC)2, e a Rússia é o terceiro maior comprador em receita e volume.
            Em setembro de 2005, o Departamento de Agricultura dos Estados Unidos (USDA) publicou, em seu estudo anual sobre as perspectivas da avicultura de corte brasileira, as projeções para 2006, de aumento de cerca de 5% da produção de carne de frango em relação à prevista para 2005 3 (tabela 2).
            Para as exportações, o USDA previa um aumento de 7% no volume embarcado pelo Brasil, justificado pela contínua abertura de novos mercados incentivados pela promoção da ABEF/APEX, por acordos sanitários e pelo impacto positivo para o Brasil dos surtos de influenza aviária, que estavam ocorrendo principalmente na Ásia.

Tabela 2 – USDA - Balanço da carne de frango no Brasil, em mil toneladas
 

Mercado
2004
2005(1)
2006(2)
Produção
8.408
9.080
9.530
Exportação(3)
2.470
2.840
3.040
Oferta interna
5938
6.240
6.490

Fonte: FAS/USDA, elaborado por AviSite, 2005
(1) Estimativa;
(2) Primeira projeção;
(3) Inclui industrializados de frango.

            As expectativas iniciais eram de que haveria expansão das vendas externas, principalmente para China, Japão e Rússia, apesar da manutenção do embargo russo às carnes de Mato Grosso do Sul e Paraná. Em suas últimas projeções até 2015 4, o USDA indicava o Brasil abrindo cada vez mais mercados e se distanciando dos outros quatro principais exportadores do mundo (EUA, UE, Tailândia e China), o que consolida a sua posição de principal exportador mundial.
            A previsão era de que o Brasil, que respondeu em 2005 por 30% das exportações realizadas pelos cinco principais países exportadores, deveria chegar a 2015 com 38% do volume total, um aumento de 45%.
            Paralelamente, a perspectiva era de que a UE manteria suas exportações estáveis. Em 2005, este mercado absorveu cerca de um quarto das vendas brasileiras, alcançando volume de 2,846 milhões de toneladas, um incremento de 15,23% em relação a 2004.
            O cenário atual provocou mudanças no comércio mundial e mudou as perspectivas brasileiras. Os dois mercados mais importantes para o Brasil – Ásia e Oriente Médio, que respondem, respectivamente, por 26% e 30% - devem manter os volumes importados, apesar da queda observada nos países orientais de 19% em relação a janeiro de 2005. Esta situação deve se manter devido principalmente ao crescimento das compras por parte dos japoneses, maiores clientes do país, tanto em receita quanto em volume.
            A Rússia, mesmo com a manutenção das restrições às carnes de algumas regiões do Brasil, aumentou suas importações do mercado no ano de 2005. O embargo por parte dos russos aos cortes de aves da Europa, em função da influenza aviária, criou a expectativa de que a avicultura brasileira se possa beneficiar e aumentar as exportações para este país.
            Apesar de o governo russo ter informado que não voltará a comprar do Brasil até pelo menos junho, o fato recente de ter sido detectado o vírus H5N1 no sul da Rússia pode significar uma mudança de posição, dependendo também do comportamento dos consumidores.
            A França, primeiro exportador de aves da UE com 715 mil toneladas, e único país a ter uma criação comercial contaminada, vem sentindo as conseqüências da crise da influenza aviária, pois mais de 40 países restringiram as compras de aves francesas. Estes fatos poderão trazer algum benefício aos exportadores brasileiros se não ocorrerem mudanças significativas no consumo mundial e se os EUA não ficarem com uma parte dessa demanda.
            A queda pela procura da carne de frango na União Européia tem levado várias empresas e cooperativas brasileiras a diminuir a produção, já que o mercado interno não conseguirá absorver todo frango produzido, mesmo com o aumento do consumo, que já vem ocorrendo por conta da queda dos preços.
            Grandes empresas, que estão num processo de expansão, diminuíram a produção. Como estratégia estão procurando aumentar a venda de outros produtos fora da linha de aves, como suínos e massas. O mesmo já vem ocorrendo com cooperativas do Sul do país, que já iniciaram demissões. Estas avaliam que o consumo de aves já diminuiu 30% na Europa, enquanto as agroindústrias têm em estoque o dobro do volume normal para esta época.
            Como conseqüência, alguns frigoríficos já vêm sentindo dificuldades na renovação de contratos de venda de longo prazo com clientes europeus, pois os estoques da Europa estão altos.
           A Associação Brasileira de Produtores e Exportadores de Frango (ABEF)5, vem sugerindo cautela ao setor. A retração do consumo, que já resultou no aumento do estoque e na queda da demanda pelo produto importado de países como o Brasil, pode levar a uma necessidade de colocar o produto no mercado, a preços menores, com a finalidade de desovar os estoques. A taxa de câmbio também tem influenciado, pois a queda do dólar diminuiu a rentabilidade e a competitividade das exportações. A recomendação da associação é que haja uma diminuição em torno de 15% na produção.
            Por outro lado, o Grupo de Acompanhamento das Tendências da Cadeia Produtiva do Frango, da União Brasileira de Avicultura (UBA)6, em reunião no início de fevereiro, concluiu que a produção nacional de pintos de corte deve sofrer um corte de mais de 25% da produção de janeiro de 2005, limitando-se a 300 milhões de cabeças para tentar amenizar as conseqüências dos cortes de contratos e excesso de estoque do produto.
            Segundo a ABEF, houve um recuo de 13% nos embarques de janeiro, em relação a dezembro de 2005, e uma queda de 22% na receita 7. No porto de Itajaí, um dos pólos exportadores da região Sul, já se percebe uma diminuição dos embarques. Em janeiro, houve queda de 2% e espera-se que seja maior ainda em fevereiro.
            A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO)8 manifestou preocupação com a doença, prevendo que deverá haver uma retração mundial no consumo da ordem três milhões de toneladas. Com isso, prevê-se uma queda nos preços, o que diminuirá a rentabilidade da indústria avícola em nível mundial e afetará os meios de subsistência e as oportunidades de emprego no meio rural de países em desenvolvimento. Outro mercado a ser afetado será o de rações, devendo sobrar milho e soja, principais componentes da dieta das aves.
            A FAO acredita que a busca por alimentos alternativos ao frango deverá reduzir o comércio avícola, gerando uma queda nas exportações da ordem de 500 mil toneladas em relação às 8,6 milhões de toneladas estimadas. Em função disso, a FAO reviu suas previsões para consumo, importação e exportação (tabela 3).

Tabela 3 – Balanço das carnes avícolas. Revisão das projeções de consumo, importação e exportação, FAO, 2006
 

Continente
Consumo (mil ton.)
Exportação (mil ton.)
Importação (mil ton.)
2006

P(1)

2006

R(2)

%
2006

P(1)

2006

R(2)

%
2006

P(1)

2006

R(2)

%
África
4.269
4.067
-4,73
17
16
-5,88
756
726
-3,97
Am. Norte
17.447
17.291
-0,89
2.940
2.890
-1,70
198
198
0,00
Am. Central
4.548
4.548
0,00
16
16
0,00
901
901
0,00
Am. Sul
11.507
11.227
-2,43
3.477
3.254
6,33
263
263
0,00
Ásia
29.513
28.896
-2,09
1.238
1.211
-2,18
3.373
3.228
-4,30
Europa
12.067
10.727
-11,10
878
678
-22,78
1.101
777
-29,43
Oceania
991
991
0,00
27
27
0,00
44
44
0,00
CEI*
4.291
4.068
-5,20
33
33
0,00
1.958
1.888
-3,58
TOTAL
84.633
81.815
-3,33
8.626
8.128
-5,77
8.594
8.025
-6,62
Fonte: FAO,2006
*CEI = Comunidade de Estados Independentes (Rússia e outros países integrantes da extinta URSS)
(1) Projeção inicial;
(2) Revista em função da influenza aviária.

            O consumo mundial deverá cair 3,33%. A maior concentração da redução deve ocorrer na Europa (11,10%) e na Comunidade de Estados Independentes (CEI) do leste europeu (5,2%). Pode se perceber que na Ásia, grande consumidora, a queda deverá ser da ordem de 2%.
            No que se refere às exportações, a previsão é de que caiam 5,77%, em relação à estimativa anterior. A maior redução deverá ocorrer na Europa (22,78%), seguida da América do Sul (6,33%). Já as importações deverão apresentar uma diminuição de 6,62% em relação à projeção inicial. Novamente, a Europa se destaca com -29,43%, seguida da Ásia (-4,30%) onde estão os primeiros países afetados pela doença.
            Assim, a previsão é de que na Europa ocorra a maior queda nos três itens, afetando bastante o mercado, apesar de não ser a maior região consumidora de aves. Na verdade, a ocorrência destes fatos vai depender da postura do consumidor europeu em aceitar carne de países não infestados com a doença. Neste caso, o Brasil poderia beneficiar-se.
            Um outro setor afetado pela influenza é o de importação de penas para travesseiros e edredons, que já vem sofrendo com o bloqueio das importações há dois anos. O Brasil teve de cortar o comércio de produtos de aves com vários países como China e Itália, grandes fornecedores do país. Este fato poderá levar à quebra destas indústrias, que têm uma fatia de consumidor mais exigente e não aceita substituições.
            Por enquanto, a preocupação do setor é com a manutenção do mercado externo e com as ações necessárias para se prevenir contra a possível entrada da influenza aviária no Brasil. Ninguém pode prever ao certo se esta chegará e quando.
            O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA)9 demorou muito para tomar providências, a despeito da urgência da questão, e apenas no final de fevereiro publicou o Plano de Controle e Prevenção da Doença de New Castle e Influenza Aviária. Este só poderá entrar em vigor após 30 dias da consulta pública. Como há discordância sobre o conteúdo, provavelmente haverá sugestões a serem incorporadas ao texto. A demora prejudica o setor avícola que quer garantir a sanidade de seus animais o quanto antes.
            Em relação ao mercado interno, o Estado de São Paulo, que é o maior consumidor, será bastante prejudicado. O crescimento das suas vendas ao exterior, que vinha ocorrendo ainda de forma incipiente, não conseguirá se manter, devendo sofrer diminuição. Além disso, toda a produção do Estado que encalhar deverá ser desviada para o mercado paulista e, conseqüentemente, os preços cairão, como aliás já vem ocorrendo em prejuízo do produtor.
            Por enquanto, não há como ter certeza do que vai acontecer, já que diariamente se informa sobre um novo surto em um novo país. Por isso, é difícil os próximos meses e anos no mercado avícola, já que há muitas condicionantes que podem influenciá-lo: comportamento do consumidor, migração das aves, eficiência no controle sanitário, vacinas, etc.
            Desta forma, cabe ressaltar a importância cada vez mais clara da necessidade de um eficaz serviço de inspeção sanitária e de uma defesa agropecuária atuante, bem como da rastreabilidade como fator de eficiência e garantia de controle e qualidade.10

____________________
1 Indicadores Agropecuários - Balança Comercial do Agronegócio, disponível em: http://www.conab.gov.br, acesso em 22 fev. 2006.
2 SECEX: www.desenvolvimento.gov.br
3 AviSite, 'Em 2006. Brasil produzirá mais de 9,5 milhões/t de frango, diz USDA', disponível em: http://www.avisite.com.br/notícias, acesso em 19 set. 2005.
4 Avisite, 'Carne de frango: tendências da exportação mundial até 2015', disponível em: http://www.avisite.com.br/noticias, acesso em 22 fev. 2006.
5 ABEF: www.abef.com.br
6 UBA: www.uba.org.br
7 Avisite, RS: Gripe aviária afeta exportações', disponível em http://www.avisite.com.br/noticias, acesso em 22 fev. 2006.
8 Avisite, 'Gripe aviária ameaça avicultura mundial, alerta FAO', disponível em http://www.avisite.com.br/noticias, acesso em 02 mar. 2006.
9 MAPA: www.agricultura.gov.br
10 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-25/2006.

Data de Publicação: 17/03/2006

Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor