Qual taxa de câmbio?

            A taxa de câmbio é um dos preços mais importantes de uma economia, pois intermedeia as relações comerciais e financeiras de um país com o resto do mundo. Para os exportadores interessa uma taxa de câmbio o mais alta possível, pois assim aumentam as receitas em reais das exportações em dólares. Para os importadores, por outro lado, é interessante que o preço do dólar seja o menor possível, pois assim suas despesas ficam menores.
            Este evidente conflito de interesses pode suscitar duas indagações: qual é a taxa de câmbio 'justa', no sentido de não privilegiar nem prejudicar excessivamente nenhum dos grupos diretamente interessados (exportadores e importadores)?; e, quem determina a taxa de câmbio, no sentido de que teria o poder discricionário de arbitrar, ou não, uma taxa de câmbio 'justa'?.
            Este pequeno texto pretende colaborar no sentido de fornecer elementos para o melhor entendimento do conteúdo da primeira indagação. Quanto à segunda, para não passar em branco, pode-se dizer que depende do regime cambial, que é a regra, ou conjunto de regras, que o país adota para determinar a taxa de câmbio, ou o preço das moedas estrangeiras. O Brasil, desde o início de 1999, adota o regime de câmbio flutuante, no qual o preço da moeda estrangeira é determinado no mercado de compradores e vendedores de divisas. Ou seja, no regime de câmbio flutuante o governo não arbitra o valor do dólar e das outras moedas.
            Voltando à primeira questão, pode-se iniciar a discussão observando que um determinado bem tende a ter o mesmo preço em mercados que não têm barreiras à circulação de mercadorias. Isto acontece pelo processo de arbitragem, que consiste, muito resumidamente, em comprar onde é mais barato e vender onde é mais caro. É a diferença de preços que estimula esta atividade. Enquanto esta diferença for grande o bastante para cobrir custos de transporte e transações, haverá um fluxo do bem do mercado onde o preço é menor para o mercado onde o preço é maior.
            Este argumento considera, implicitamente, que os dois mercados operam com a mesma moeda, ou seja, duas regiões dentro de um mesmo país. É possível estender este raciocínio para o caso de dois ou mais países? A resposta é sim, mas com a dificuldade inerente ao fato de se lidar com duas ou mais moedas diferentes. Na prática, este problema é resolvido com a taxa de câmbio, que pode ser entendida como a taxa de conversão de uma moeda em outra. Se for assim, considerando P o preço de um bem no mercado doméstico, em moeda nacional, e P* o preço do mesmo bem no mercado externo, em dólares, a taxa de câmbio E fica determinada como:

 (1)

            Mas não é sensato imaginar que a taxa de câmbio seria determinada mercadoria a mercadoria, mas sim para o conjunto de bens e serviços que os países produzem. Neste caso, em vez dos preços, pode-se pensar que P e P* representam índices de preços domésticos e do resto do mundo, respectivamente.
            Os preços mudam ao longo do tempo, e esta mudança é medida pelos índices de preços. Se os preços domésticos e do resto do mundo evoluírem no mesmo sentido e proporção, a taxa de câmbio poderia ficar fixa. Mas, de um lado, isto nunca acontece, e de outro, a evolução da taxa de câmbio não respeita a razão (1) acima. O que se está dizendo é que a taxa de câmbio, como todo preço, é volátil. Agora pode-se retornar à indagação inicial: como saber se a trajetória da taxa de câmbio é 'justa'?
            Para encaminhar esta resposta, que não é simples, convém apresentar alguns conceitos relacionados à taxa de câmbio. O primeiro é taxa de câmbio nominal, que é simplesmente o preço do dólar em reais, que aparece nas páginas de economia dos jornais. Assim, por exemplo, a taxa de câmbio em 31/05/2006 era R$ 2,324. O segundo é o de taxa de câmbio real, que procura refletir poder de compra da moeda nacional.
            Para desenvolver este raciocínio, imagine-se que a taxa de câmbio nominal é R$1 num dado período t0, significando que os preços domésticos e estrangeiros são iguais. Usando a terminologia apropriada, neste período os índices de preços são iguais a 100. Em t1 os preços domésticos subiram 20% e os estrangeiros 10%. Para manter a igualdade (1) , a taxa de câmbio deveria ser:

 (2)

            Todavia, supondo-se que a taxa de câmbio nominal permaneceu em R$ 1, o que aconteceu com a taxa de câmbio real? A resposta pode ser obtida dividindo-se a taxa de câmbio nominal pela razão dos índices de preços:

 (3)

ou seja, em t1 o real de t0 vale R$ 0,92 (noventa e dois centavos). Em termos práticos, o exportador recebe, em termos reais, R$ 0,92 por dólar exportado, e o importador paga a mesma quantia por dólar gasto em importações. A implicação econômica é que a queda do dólar real estimula as importações e desestimula as exportações.

            Formalmente, a taxa de câmbio real e pode ser expressa como:

 (4)

            Até o momento, a discussão está num plano bastante genérico, sobretudo no que se refere a importadores, exportadores, índices de preços, resto do mundo, etc. Mas a realidade palpável é diferente, e complexa. O Brasil exporta uma gama bastante diversificada de bens: produtos agrícolas com diferentes graus de processamento, matérias-primas minerais, manufaturas, produtos químicos, mecânicos, etc. e tem diversos parceiros comerciais importantes, como Estados Unidos, União Européia, Mercosul e países asiáticos. Como fazer, então, calcular a taxa real de câmbio? Em outras palavras, que índice de preços doméstico usar, que parceiros comerciais levar em conta e que taxa de câmbio?
            A resposta está no conceito de taxa efetiva real de câmbio, erque leva em conta o peso relativo de cada parceiro no comércio e a respectiva taxa de câmbio, que pode ser calculada pela fórmula:

 (5)

            Algumas instituições brasileiras, como o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA)1, estimam a taxa efetiva real de câmbio considerando os Índices de Preços por Atacado (IPA) dos 16 parceiros comerciais mais importantes do Brasil ponderados pela participação de cada parceiro na pauta de exportações brasileiras em 2001. Como índices de preços domésticos empregam o Índice de Preços por Atacado – Oferta Global – Indústria de Transformação. Conseqüentemente, esta taxa de câmbio reflete o comportamento da indústria. Também usa, em outro cálculo, o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC). Como estes índices evoluem distintamente, o mesmo ocorre com a taxa efetiva real de câmbio.
            Para que se tenha idéia de como as taxas de câmbio reais podem apresentar valores diferentes, estimou-se três taxas usando como índices de preços o Índice Nacional de Preços ao Consumidor (INPC), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o Índice de Preços no Atacado, Oferta Global (IPA-OG), da Fundação Getúlio Vargas (FGV), e o Índice de Preços Pagos Pelos Agricultores (IPP) do Instituto de Economia Agrícola (IEA). Os preços dos parceiros comerciais são do IPEA, usados para estimar o índice da taxa de câmbio efetiva real – INPC. O Período escolhido foi de janeiro de 2002 a abril de 2006. Como base considerou-se a taxa de câmbio nominal de julho de 1994, data de implementação do Plano Real.
            Pode-se notar que a taxa de câmbio nominal esteve consistentemente abaixo das taxas de câmbio efetivas reais. Entre estas, apesar de manterem trajetórias bem semelhantes, a taxa de câmbio efetiva real – INPC ( e_inpc) esteve sempre abaixo das taxas de câmbio efetiva reais IPA-OG (e_ipa) e IPP (e_ipp) (figura 1).
 

           Em termos numéricos, em abril de 2006 a taxa de câmbio nominal média foi R$ 2,1285, enquanto a taxa de câmbio efetiva real INPC foi R$ 4,441 e as taxas de câmbio efetiva reais IPA-OG e IPP foram R$ 5,7017 e R$ 5,6905, respectivamente.            Estes números dão fôlego ao argumento de que o Real está apreciado, mas também mostram que não é uma tarefa trivial determinar uma taxa de câmbio que satisfaça todos os agentes que mantêm relações econômicas com o resto do mundo.2

_______________________
1 IPEA:www.ipea.gov.br
2 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-66/2006, publicado em Junho/2006.

Data de Publicação: 26/06/2006

Autor(es): Cesar Roberto Leite da Silva (crlsilva@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor