Se banana rende mais por hectare que cana, por que os canaviais não viram bananais?

            Nas discussões sobre alternativas econômicas regionais e na busca de explicações do avanço canavieiro quase sempre surgem as comparações simplistas com base nas quais se conclui invariavelmente que "a cana rende mais que as outras lavouras e a pecuária". Por vezes aparecem análises realizadas com base em comparações de custos e preços, todas de conteúdo estritamente microeconômico, que redundam na afirmação de que determinada atividade agropecuária se mostra mais adequada que outra.

            Típicas desse recorte microeconômico restrito consistem as pesquisas que comparam diversas oleaginosas para a produção de biodiesel, com as quais se propugna que uma dada cultura se mostra mais indicada que outra, dados o teor de óleo e a maior capacidade de gerar renda por unidade de área, sempre em comparação com outras cujos indicadores apresentados têm o mesmo conteúdo. A fragilidade dessa abordagem consiste no fato de que a visão microeconômica de comparação de custos e preços por unidade de área não dá conta de explicar esse processo na sua plenitude.

            Há que ir além dessa visão restrita para explicar as transformações da agricultura brasileira, em especial a paulista. Num aprofundamento do axioma econômico de que o capitalista busca maximizar a reprodução de seu capital, há que se demonstrar que as alternativas, numa situação de reconversão encadeada em decorrência da inviabilidade da lavoura canavieira, nem sempre garantem o mesmo patamar de renda. Há que sempre ter a dimensão do que está sendo substituído. Por exemplo, se existem em torno de 1 milhão de hectares de cana que, em função da declividade maior que 12%, não permitem a mecanização da colheita, não há como plantar tudo em frutas de mesa sem ampliar mercado, pois toda fruticultura paulista não tem essa dimensão, incluindo a laranja.

            Destaque-se que essa decisão não decorre do maior ou menor lucro unitário que dada lavoura possa oferecer, mas da massa de lucros que a mesma propicie, amplificando a reprodução de seu capital. Tomem-se dois exemplos, a banana e a cana, utilizando-se, para isso, os dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA) para os últimos três anos (2004-2006). Tem-se que a produção de banana que gera uma renda bruta (produção vezes preços) por hectare em torno de R$8.500,00. Enquanto que, para o mesmo período, a produção de cana para indústria produziu uma renda bruta por hectare no patamar de R$3.000,00 (Tabela 1). Em função disso, banana tem renda bruta média por unidade de área de lavoura muito superior (2,8 vezes) à obtida com a cana. Na lógica das análises da capacidade de gerar renda bruta por unidade de área, os canaviais deveriam ser substituídos por bananais.

            A explicação do porquê os infindáveis canaviais não se transformam em imensos bananais está exatamente no tamanho e no perfil da demanda. Retomando o axioma econômico de que os capitalistas orientam a aplicação de seu dinheiro para obter a maximização de lucros, os investimentos nos canaviais permitem obter uma massa de renda muito superior à propiciada pelos bananais. Afinal, nos dados do IEA, na média do triênio 2004-2006, tem-se 56,4 mil hectares plantados com banana e 3,8 milhões de hectares com cana. Em função disso, a renda bruta gerada pela cana atinge R$11,3 bilhões e a da banana R$481,9 milhões, ou seja, a cana propicia uma geração de renda 23,5 vezes maior que a da banana. Portanto, a busca de maximizar a massa de lucros - e não o lucro unitário - conduz os capitalistas a investirem em cana, deixando de lado a banana.

Tabela 1 - Área Cultivada, Valor da Produção1 e Valor da Produção por Hectare1 de Banana e Cana para Indústria, Estado de São Paulo, 2004-2006

Lavoura
2004
2005
2006
Média
Área cultivada (hectares)
Banana
57.169
54.462
57.679
56.437
Cana
3.415.881
3.673.275
4.258.370
3.782.509
Valor da produção (R$)
Banana
489.034.410
500.327.080
456.235.086
481.865.525
Cana
7.735.200.620
11.453.697.653
14.815.670.381
11.334.856.218
Valor da produção por hectare (R$/hectare)
Banana
8.554
9.187
7.910
8.538
Cana
2.264
3.118
3.479
2.997

1Em valores nominais.

Fonte: Elaborada a partir dos dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA).

            O que se quer demonstrar aqui consiste no fato de que, em termos de produção de massa de lucros, não há atualmente na agricultura brasileira, outra atividade agropecuária que se rivalize com a cana. Essa discrepância de capacidade de reproduzir capital é que move a decisão de produtores de cana para ampliar sua territorialidade. Isso fez com que, nos últimos três anos pelos dados do IEA, a cana tenha avançado 842 mil hectares e a banana apenas 510 hectares, ainda que a fruta tropical renda por unidade de área 2,8 vezes mais que a cana. E não se trata de uma decisão econômica que se origina de uma decisão unilateral do capitalista de investir em cana. Ele investe porque o tamanho e o perfil da demanda dos produtos da cana são imensos não encontrando atividade agropecuária rival.

            Se é o tamanho e o perfil da demanda que move a decisão capitalista de investir em cana, e a demanda decorre de uma decisão autônoma do consumidor, isso quer dizer em termos de teoria econômica que é a decisão do consumidor de usufruir produtos da cana que gera a monocultura canavieira. Para o investidor capitalista se o consumidor demandasse prioritariamente outros produtos, para esses produtos é que seriam carreados os investimentos.

            Nessa análise, quando se aprofunda para caracterizar as dinâmicas regionais, as constatações ganham contornos que também vão muito longe do senso comum. Desde logo, há que se abominar o fato de que a diversificação produtiva seja uma alternativa para as agriculturas regionais paulistas e para os próprios agropecuaristas. Em função do padrão agrário da 2ª Revolução Industrial, que levou e está levando à criação das cadeias de produção, se verifica uma elevada concentração regional, formando não agropecuárias diversificadas - que é uma concepção arcaica que teve sua validade no passado longínquo da agropecuária paulista - mas agropecuária especializada em cada região. O que pode ocorrer é a associação de mais de uma atividade com a integração por complementaridade entre uma atividade principal (cana) com outra secundária (amendoim). Mas, também para a lavoura complementar, no caso, vale o pressuposto da especialização, pois há que se estruturar a logística e toda a cadeia de produção compatível.

            Isso fica nítido quando se aprofunda na análise comparativa entre a cana e a banana, dando contornos regionais ao conteúdo. A cana prevalece na região de Ribeirão Preto e a banana na região de Registro. Os indicadores de desenvolvimento humano, tomando o Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS) da Fundação SEADE para as duas regiões mostram que, seja em riqueza, longevidade e escolaridade, a região de Registro - que abrange a maior parte do Vale do Ribeira Paulista - apresenta condições de desenvolvimento humano inferiores, em relação a Ribeirão Preto, e também em relação à média do Estado de São Paulo (Tabela 2). E em ambas as regiões, a principal atividade econômica consiste na agricultura e as respectivas agropecuárias são atividades relevantes da ótica de ocupação do espaço.

            Na agropecuária de Registro, segundo dados do IEA para a média do período 2004-2006, a banana gerando R$345,1 milhões, responde por 83,3% do valor da produção regional que alcançou R$414,1 milhões. Em termos de ocupação do solo, os 34,2 mil hectares de bananais correspondem a 33,5% dos 102,3 mil hectares da área agropecuária, sendo a pastagem a principal atividade agropecuária regional da ótica da ocupação do solo, com 58,2 mil hectares (56,9%). Em função disso, a renda bruta da banana por unidade de área (R$10,0 mil/hectare) representa mais que o dobro da média regional (R$4,0 mil/hectare) (Tabela 3). A banana rende mais, mas ainda assim não têm a supremacia da ocupação do espaço que é pasto.

Tabela 2 - Evolução dos Indicadores do Índice Paulista de Responsabilidade Social (IPRS) nas Regiões Administrativas de Ribeirão Preto, de Registro e no Estado de São Paulo, 2000 a 2004
 

Dimensão 
2000
2002
2004
RA de Ribeirão Preto
Riqueza
56
45
47
Longevidade
70
73
75
Escolaridade
44
53
54
RA de Registro
Riqueza
39
31
32
Longevidade
61
65
68
Escolaridade
29
44
47
Estado de São Paulo
Riqueza
61
50
52
Longevidade
65
67
70
Escolaridade
44
52
54

Fonte: Fundação SEADE.

Tabela 3 - Indicadores Econômicos1 da Agropecuária da Região de Atuação do Escritório de Desenvolvimento Rural (EDR) de Registro, Estado de São Paulo, 2004-2006
 

Indicador
2004
2005
2006
Média
Valor da produção banana(R$)
339.962.643
366.450.943
328.913.928
345.109.171
Valor da produção regional (R$)
411.945.287
436.376.188
393.958.319
414.093.265
% Do valor da banana
82,53
83,98
83,49
83,34
Área cultivada de banana (ha)
33.596
34.258
35.018
34.291
Área agropecuária regional (ha)
100.081
99.232
107.536
102.283
% Da área da banana
33,57
34,52
32,56
33,53
VPA/ha de banana (R$/ha)
10.119
10.697
9.393
10.064
VPA/ha regional (R$/ha)
4.116
4.398
3.663
4.048
Área de pastagem regional (ha)
55.397
55.032
64.160
58.196
% Área de pastagem
55,35
55,46
59,66
56,90

1Valores da produção agropecuária (VPAs) e VPAs/hectare em valores nominais, 2004-06.

Fonte: Elaborada a partir dos dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA).

            Na lógica da maior renda bruta por unidade de área, a contribuição para a riqueza regional seria muito mais efetiva se a banana avançasse multiplicando sua maior capacidade de gerar renda por hectare. Entretanto, no espaço econômico onde os bananais dominam a lógica econômica, na área agropecuária predominam as pastagens, ainda que com menor impacto sobre o valor da produção regional. Por certo questões estruturais explicam o fato de que, mesmo onde exercem o predomínio econômico, não ocorre a expansão vertiginosa dos bananais. Para a renda do Vale do Ribeira, reduzindo a dramaticidade dos indicadores de desenvolvimento humano, esse avanço seria fundamental.

            Na agropecuária de Ribeirão Preto, segundo dados do IEA para a média do período 2004-2006, a cana gerando R$1,0 bilhão, responde por 78,0% do valor da produção regional que alcançou R$1,3 bilhão. Em termos de ocupação do solo, os 320,8 mil hectares de canaviais correspondem a 75,4% dos 425,3 mil hectares da área agropecuária, sendo a principal atividade agropecuária regional na ocupação do solo. A intensificação do uso do solo faz com que as pastagens (com 48,4 mil hectares) sejam minoritárias na área agropecuária (11,4%). Em função disso, a renda bruta da cana por unidade de área (R$3,2 mil/hectare) está muito próxima da média regional (R$3,0 mil/hectare) (Tabela 4). A cana ocupa, dessa forma, a posição de supremacia econômica e territorial.

Tabela 4 - Indicadores Econômicos1da Agropecuária da Região de Atuação do Escritório de Desenvolvimento Rural (EDR) de Ribeirão Preto, Estado de São Paulo, 2004-2006
 

Indicador
2004
2005
2006
Média
Valor da produção de cana
787.732.930
1.020.349.717
1.229.561.320
1.012.547.989
Valor da produção regional
1.104.593.312
1.296.061.395
1.493.321.891
1.297.992.199
% Do valor da cana
71,31
78,73
82,34
78,01
Área cultiva de cana
318.263
315.413
328.713
320.796
Área agropecuária regional
427.875
419.672
428.467
425.338
% Da área da cana
74,38
75,16
76,72
75,42
VPA/ha de cana (R$/ha)
2.475
3.235
3.741
3.156
VPA/ha regional (R$/ha)
2.582
3.088
3.485
3.052
Área de pastagem regional (ha)
48.739
48.971
47.440
48.383
% Área de pastagem
11,39
11,67
11,07
11,38

1Valores da produção agropecuária (VPAs) e VPAs/hectare em valores nominais, 2004-06.

Fonte: Elaborada a partir de dados do Instituto de Economia Agrícola (IEA).

            As comparações apresentadas mostram ainda que a renda bruta por unidade de área (valor da produção por hectare) da região de Registro (R$4,0 mil/ha) mostra-se 25% maior que a de Ribeirão Preto (R$3,0 mil/ha). E ainda assim, constituiu um dos piores indicadores de desenvolvimento humano e de geração de riqueza do território paulista. Conclui-se pela fragilidade do valor da produção por hectare como indicador de renda para análises estruturais e definição de políticas públicas. Isso porque, sendo uma medida de posição numa realidade marcada pela alta disparidade, apresenta elevada dispersão. Além disso, não permite uma leitura adequada das dimensões estruturais da realidade. Tanto assim que a banana, gerando mais renda por hectare que a cana, não avança quanto a cana no inegável e persistente dinamismo territorial.

            Em síntese, numa realidade de agricultura desenvolvida como a paulista, com agropecuária especializada regionalmente - e na qual a arcaica visão de diversificação produtiva faz parte do passado - as razões para o avanço das atividades não estão na supremacia em termos de geração de renda por unidade de área. A dimensão da demanda efetiva, que deriva do tamanho e do perfil do consumo consiste no parâmetro para esse processo. Ademais, na cana tem-se a prevalência da lógica agroindustrial e na banana da agropecuária. Em função disso, na agricultura da cana, a agroindústria multiplica a renda agropecuária pela transformação agroindustrial, enquanto que na banana do Vale do Ribeira, há praticamente a transposição da produção agropecuária para os centros consumidores, com reduzida multiplicação pela agregação de valor.

            Nesse sentido, são as agroindústrias de Ribeirão Preto que ampliam a área de cana, enquanto que em Registro, não encontram-se desenvolvidas as estruturas econômicas dos demais elos da cadeia de produção de banana que impulsionem dinamismo. A cana vincula-se a enormes grupos empresariais que transforma a matéria-prima, enquanto que a banana ainda segue o antigo fluxo produção/consumo onde se mostra hegemônico o capital comercial. Se a agroindústria canavieira constrói sua territorialidade e por isso dinamiza o desenvolvimento regional, para o Vale do Ribeira de pouco valem medidas de ampliar as alternativas de atividades com estímulo ao incremento dos búfalos, da pupunha, dos hortícolas e mesmo da banana e de outras atividades. Há que se estabelecer as bases estruturais da agricultura de frutas e olerícolas para mesa compatível com o padrão agrário da 2ª Revolução Industrial. Essa se mostra na prioridade das políticas para agricultura regional. Essa lógica vale para qualquer atividade que se pretenda contrapor ao avanço avassalador da cana. Enquanto isso não ocorre, os bananais não terão chance de adquirir o estupendo dinamismo dos canaviais.
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Palavras-chave: cana para indústria, banana, renda agropecuária bruta, expansão territorial.

Data de Publicação: 05/10/2007

Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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