Governo do Estado de São Paulo cria agência de desenvolvimento para realizar políticas públicas convergentes nos planos setoriais e regionais

            Desde a extinção do antigo Banco de Desenvolvimento do Estado de São Paulo, o então conhecido BADESP, incorporado à então instituição bancária pública Banco do Estado de São Paulo (BANESPA), são frágeis os instrumentos governamentais estaduais de realizar políticas de desenvolvimento articuladas e orgânicas enquanto objetivos convergentes, tanto nos planos setoriais como nos regionais. Nos anos recentes, com a federalização seguida da privatização do BANESPA, esse vácuo instrumental tem sido objeto da preocupação dos formuladores e executores de políticas públicas.

            Não que não estejam disponíveis instrumentos para políticas de fomento do desenvolvimento, mas sim que inexistem agência apropriada para garantir a necessária complementaridade das ações governamentais dispersas num enorme conjunto de instituições e fundos de investimento com recorte setorial e/ou regional. Por certo, a fragmentação dos recursos e sua gestão de forma dispersa e desarticulada têm ensejado ineficiências, ineficácias e inefetividade de toda ordem. Sequer um diagnóstico profundo e transparente dos resultados das ações desenvolvidas com avaliação dos impactos na realidade está disponível. Muitos fundos não dispõem do mínimo correspondente à estrutura administrativa e planejamento, acompanhamentos e avaliações consistentes do que foi executado. Noutras palavras, não há mesmo o que criticar porque não há um corpo organizado dessas políticas de fomento, com relatórios circunstanciados de execução e impactos.

            Em função desse vácuo foi editada a Lei n° 10.853, de 16 de julho de 2001, que 'autoriza o Poder Executivo a alienar ações de propriedade da Fazenda do Estado no capital social do Banco Nossa Caixa S.A. e a proceder à sua reorganização societária, bem como a criar a Agência de Fomento do Estado de São Paulo, e dá outras providências'. Uma leitura da íntegra da referida Lei, já aprovada pelo Colendo Legislativo Paulista, mostra que no Artigo 9º e parágrafos está consignado: 'Fica o Poder Executivo autorizado a criar, com personalidade jurídica própria e sob controle permanente da Fazenda do Estado, observada regulamentação pertinente, a Agência de Fomento do Estado de São Paulo, com sede e foro na Capital de São Paulo, utilizando, para a consecução de seus objetivos sociais, a rede de agências do Banco Nossa Caixa S.A., mediante instrumento próprio e remuneração compatível aos valores de mercado vigentes.

§1º - A administração dos Fundos Especiais de Financiamento e Investimentos será transferida para a Agência de Fomento do Estado de São Paulo, após a sua criação.

§2º - As contas correntes dos Fundos Especiais de Financiamento e Investimentos criados pela Fazenda do Estado deverão ficar concentradas no Banco Nossa Caixa S.A., que funcionará como Agente Financeiro'.

            A concretização da implantação da referida Agência de Fomento do Estado de São Paulo, enquanto instituição financeira, exigia aprovação do Banco Central do Brasil. E isso prosperou, tanto que, em recente medida visando concretizar a convergência da estratégia das políticas de desenvolvimento do Governo do Estado de São Paulo, foi editado o Decreto nº 52.142, de 6 de setembro de 2007, que 'dispõe sobre a constituição e o funcionamento da Agência de Fomento do Estado de São Paulo - AFESP, e dá providências correlatas'. Essa determinação governamental de implantar a referida agência está expressa no Artigo 1º que preceitua que 'a Secretaria da Fazenda, em articulação com as de Economia e Planejamento e de Desenvolvimento, bem como com a Procuradoria Geral do Estado, adotará, nos termos do que dispõe este decreto e facultada a expedição de normas complementares, as providências necessárias à constituição da Agência de Fomento do Estado de São Paulo - AFESP, observadas: I - as diretrizes constantes da Resolução n. 2.828, de 30 de março de 2001, do Banco Central do Brasil; II - a fixação de sede e foro na Capital do Estado; III - a vinculação tutelar à Secretaria da Fazenda'.

            Em seguida deixa claro os objetivos do Decreto ao aduzir no artigo 2º que 'a AFESP terá por objeto precípuo a promoção do desenvolvimento econômico no Estado de São Paulo, podendo, para tanto, conceber e implantar ações de fomento sob as diferentes modalidades a que alude a resolução referida no inciso I, do artigo 1º deste decreto, incluída a administração, na forma do seu estatuto social, dos Fundos Especiais de Financiamento e Investimento do Estado'. E em seguida adota providências, ao colocar no artigo 3º que 'a assunção pela AFESP da administração dos Fundos Especiais de Financiamento e Investimento, nos termos do artigo 9º, §1º, da Lei n. 10.853, de 16 de julho de 2001, será precedida de levantamento, a ser concluído no prazo de até 60 (sessenta) dias a contar da edição deste decreto, da atual situação jurídica, administrativa e financeira dos referidos fundos, e da definição de modelo de relacionamento entre seus conselhos de orientação ou órgão deliberativo equivalente, a AFESP e o agente financeiro'. E o Parágrafo único diz que 'o levantamento previsto no ‘caput’ deste artigo será realizado pelas Secretarias da Fazenda, de Economia e Planejamento e de Desenvolvimento e seus resultados aprovados por resolução conjunta dos titulares das três pastas, definindo-se quais fundos serão administrados pela AFESP'.

            E o que isso impacta a atual política da Secretaria de Agricultura e Abastecimento? A resposta se mostra nítida: está incluída na medida governamental o Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista (FEAP), que representa um dos principais fundos de investimentos setoriais na forma definida pela legislação da agência ora criada. Não há dúvidas quanto a isso, tanto que o artigo 4º do Decreto ao fixar como diretrizes a serem obedecidas na constituição da AFESP a participação direta da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, ao estabelecer no inciso VI o ' Conselho de Administração com a participação obrigatória de representantes das Secretarias de Fazenda, de Desenvolvimento, de Economia e Planejamento, de Agricultura e Abastecimento e do Emprego e Relações do Trabalho'.

            Destaque-se que, da ótica jurídica, existem pelo menos duas modalidades de fundos na Administração Pública Paulista:

a - Uma modalidade ligada à captação e aplicação de receitas próprias das instituições, que são os denominados Fundos Especiais de Despesas, criados sob a égide do Decreto-lei Complementar n. 16, de 2 de abril de 1970, é exatamente sua vinculação a dada unidade de gestão e execução, com a realização descentralizada da dinâmica interna desses gastos, desde que sejam seguidos os preceitos estabelecidos nas leis orçamentárias e na legislação de execução orçamentária. Esses fundos não estão abrangidos pela Agência de Fomento do Estado de São Paulo;

b - Outra modalidade corresponde a fundos cujas relações se dão com o setor privado, representados pelos fundos de investimento e de financiamento, criados com base no Decreto-lei Complementar n. 18, de 2 de abril de 1970 , para os quais se aplicam as determinações afetas à Agência de Fomento do Estado de São Paulo.

            O FEAP, até então um fundo de investimento criado há várias décadas (criado pela Lei n. 5.444, de 17 de novembro de 1959, e ratificado pela Lei n. 7001, de 27 de dezembro de 1990), mas quase esquecido no organograma da Secretaria de Agricultura e Abastecimento, ganhou notável dinamismo com as decisões governamentais posteriores a 1995 após modificações dinamizadoras (Lei n. 7964, de 16 de julho de 1992, e outras que a complementaram). Isso pela prioridade dada ao desenvolvimento do agronegócio familiar não apenas com mais consistente atendimento técnico, mas, principalmente, na estruturação pioneira de instrumentos de acesso a financiamentos para custeio e investimento, seja pela execução de projetos de crédito para linhas selecionadas pelo Fundo de Expansão da Agropecuária e da Pesca (FEAP), transformado no Banco do Agronegócio Familiar, como pela criação de mecanismos pioneiros como o aval das operações com recursos do FEAP e, mais recentemente, a consolidação de uma estratégia de socialização do acesso ao seguro, tendo como premissa a subvenção do prêmio. Essas ações basilares que, tendo sido criadas em São Paulo como formulações pioneiras, têm sido internalizadas nas políticas federais ampliando a abrangência a partir da demonstração de sua aplicabilidade na realidade paulista.

            Entretanto, já se tinha presente nas análises internas a necessidade de avançar na estruturação do FEAP, buscando institucionalizar avanços pioneiros realizados pelo Governo do Estado nos anos recentes, de forma com que as transformações não se tornem decepções. As preocupações estavam assentadas na:

I) Realização de um diagnóstico detalhado das ações do FEAP, destacando como linha condutora:

a - os distintos comportamentos na relação público-privada relacionados à diferença de clientela. O FEAP atende ao agronegócio familiar envolvendo proprietários familiares e assentados. Os resultados são diferentes, tanto em termos de efetivação dos projetos como da contribuição para o nível de inadimplência;

b - avaliação, por meio de pesquisa de campo, da efetividade da ação de financiamento realizada, uma vez que se tem a situação anterior ao financiamento comparada com a situação atual, permite verificar a efetividade da concretização dos objetivos da ação pública;

c - verificação da aderência regional da distribuição dos recursos do FEAP, com base em levantamento do número de contratos e dos valores aplicados em cada programa;

          d - definição do perfil dos atendidos e os impactos regionais e estruturais da ação ensejada;

e - avaliação programa a programa dos resultados obtidos, verificando a magnitude da contribuição de cada ação, visando encaminhar a decisão da continuidade ou não da mesma;

II) Construção de um mecanismo institucional para o FEAP, dada a fragilidade da atual operação com base numa Secretaria Executiva que a:

a - estrutura se mostra incompatível com a realização de funções de ordenamento de despesas orçamentárias, sequer tendo condições de manter processo contínuo de investimento em pessoal qualificado, sem quadro estruturado, com enorme rotatividade de pessoal técnico perdendo até mesmo a 'memória' das ações institucionais;

b - fragilidade também se reflete na ausência de 'massa crítica' capaz de avaliar e aprimorar procedimentos, típica do perfil de servidores sem perspectiva de carreira, além de acabar levando a enormes ineficiências operacionais, desestimulando tomadores de recursos pela demora nos procedimentos e tramitação entre a apresentação da proposta e a formalização do contrato e acesso aos recursos;

c - relação contratual com o agente financeiro não está lastreada em medidas de eficiência, com o que não existe preocupação desse agente em divulgar o FEAP como ação relevante e, sequer esse trabalho se insere como um produto nas decisões administrativas internas, levando muitas agências na prática a ignorarem a existência do FEAP.

            Positivamente as deficiências de execução tendem a ser minoradas pois, de certa forma, a questão da estrutura administrativa está em vias de solução com a implantação da Agência de Fomento do Estado de São Paulo (AFESP), que passará a administrar o FEAP enquanto fundo de investimento. Mais ainda, promoverá ganhos com a ação convergente e articulada com outros fundos estaduais. Contudo, ainda persiste a necessidade de realizar o profundo diagnóstico do que foi realizado com os recursos do FEAP e a mensuração dos resultados obtidos. Ressalte-se ainda que há que se levantar uma preocupação: o cuidado na construção da absorção do FEAP pela AFESP para que a Secretaria de Agricultura e Abastecimento não seja esvaziada na sua capacidade de executar políticas públicas no campo da inclusão de agentes produtivos no processo de desenvolvimento setorial, em especial nos espaços de agricultura deprimida.

            Atualmente, a exclusão tecnológica decorre na sua essência de exclusão financeira. Desse modo, o instrumento fundamental de inclusão a ser operado pela assistência técnica e extensão rural públicas não está na oferta de insumos, mas na oferta de acesso ao financiamento. E para tal a solução está na multiplicação - para pequenos e médios produtores - de mecanismos de acesso ao crédito, como no caso paulista se configura o Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista (FEAP), cuja reestruturação chegou a conteúdo de recriação em bases conceituais apropriadas de um instrumento quase moribundo então existente no organograma da SAA. Isso deu-se durante o Governo Mario Covas, com a participação de especialistas em economia aplicada à agricultura da Pasta nessa reengenharia de reconstrução.

            O FEAP, também conhecido como 'Banco do Agronegócio Familiar', foi estruturado em bases institucionais consistentes permitindo-lhe operar na equalização de juros para financiamentos rurais e agroindustriais, na concessão de recursos na forma de empréstimos para impulsionar projetos estratégicos e na subvenção ao prêmio do seguro rural. O Governo do Estado de São Paulo foi, portanto, pioneiro na construção de mecanismos adequados tanto para ajustar os instrumentos de financiamento para incorporar os agropecuaristas excluídos da modernização por restrições de acesso ao crédito rural, como na estruturação de política ativa de subvenção ao prêmio do seguro rural, a primeira idealizada de forma consistente na agricultura brasileira (Lei n. 11.244, de 21 de outubro de 2002).

            O desafio que se apresenta nos termos definidos pelo Decreto n. 52.142, de 6 de setembro de 2007, está na 'da definição de modelo de relacionamento entre seus conselhos de orientação ou órgão deliberativo equivalente, a AFESP e o agente financeiro'. Ajustes na legislação do FEAP certamente serão realizados. Entretanto, tudo indica que haverá manutenção das linhas de prioridades e de definição das diretrizes programáticas pela Secretaria de Agricultura e Abastecimento, uma vez que se mantêm em vigor as atribuições, a composição do Conselho de Orientação, presidido pelo titular da Pasta, e sua competência em designar servidor para atuar como Secretário Executivo desse Conselho. A administração do FEAP será profissionalizada pela nova Agência. Contudo, como isso se dará será definido na transição, em que há que se garantir a adequada articulação institucional para sustentar a continuidade desses avanços nos instrumentos de execução de políticas públicas estaduais para a agricultura.

Palavras-chave: capitalismo, desenvolvimento, legislação, transformações produtivas.

Data de Publicação: 29/11/2007

Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor