Nanotecnologia e inovação no agronegócio

            A nanotecnologia envolve o domínio das manipulações em nanoescala, ou seja, da milhonésima parte de um milímetro até a dimensão molecular. As aplicações comerciais das inovações provenientes da nanotecnologia repercutem sobre todos os campos da realidade humana, não se configurando como exceção os agronegócios. Suas aplicações contêm, ainda que potencialmente, a capacidade de tornar obsoleta a biotecnologia, trazer uma via tecnológica alternativa com padrão concorrente ou, ainda, convergir na nanobiotecnologia.
            A análise econômica schumpeteriana do processo de inovação e desenvolvimento econômico focaliza, entre outros assuntos, as repercussões sobre potenciais usuários, as falhas nas redes de comunicação, as informações imperfeitas, a propensão ao risco, a incerteza, os fatores sociais e culturais de resistência à mudança, os aspectos não racionais da inovação e o papel carismático do empreendedor. Por sua vez, a escola evolucionista do desenvolvimento econômico avança além dos processos interativos na invenção-inovação-difusão e dos retornos dos promotores da inovação. Considera, também, a interação complexa entre os diversos componentes desse processo (organizações e indivíduos) e suas instituições (normas formais e informais, cultura, valores) que delineiam suas ações. As redes de interação formam um meio de arbitragem dentro dos processos inovativos, nos quais firmas e produtos são selecionados.
            Caracteriza-se um ciclo de inovação, desde o processo de concepção lógica inicial até o produto comercial da invenção e sua incorporação material no processo produtivo. Durante esse ciclo, há não apenas investimentos para alcançar discretos incrementos do conhecimento técnico com a finalidade de viabilizar a nova tecnologia, como também investimentos promocionais de convencimento de um novo modo de alocação de recursos, interação e contrato que são aspectos cruciais do ciclo inovativo. Diversas estratégias de apropriação tecnológica e difusão são determinantes para o sucesso das firmas patrocinadoras da nova tecnologia. No entanto, as estratégias das organizações para a introdução de uma nova tecnologia são condicionadas pela trajetória de inovação, à qual estão incondicionalmente subordinadas1.
            O novo processo inovativo em curso tem vantagens competitivas em relação ao paradigma biotecnológico vigente, pois a nanotecnologia molecular permite aplicações conceitualmente mais genéricas, a ponto de causarem reações, tanto da sociedade cívil quanto de governos, muito menos conflituosas, em comparação com aquelas que têm ocorrido com as denominadas 'indústrias da vida'. Outra vantagem marcante é a ausência de uma regulação específica para desenvolvimentos em química fina e física em nanoescala, em comparação com a CNTBio que estabeleceu balizamento do processo inovativo em biotecnologia.
            Na trajetória da inovação biotecnológica, além das mencionadas contestações da sociedade organizada e de regulações específicas, existe o problema de definição difusa dos direitos de propriedade intelectual que conduziu as empresas de biotecnologia ao litígio com produtores, quando os direitos de royalties de patentes não foram exercidos a baixo custo. Ademais, as possíveis externalidades negativas ocasionadas pela contaminação genética são problemas de direitos de propriedade vagamente definidos, uma vez que tal poluição transferiria os direitos residuais dos produtores às empresas detentoras das patentes. Atualmente, nem mesmo empresas de produção de sementes tradicionais estão livres dessa contaminação2. Diante desse contexto, o mercado de capitais questiona os investimentos das empresas líderes nessa tecnologia3.
            No caso da nanotecnologia, surgiram, inicialmente, os primeiros equipamentos para sua pesquisa (microscopia de varredura por sonda) e, recentemente, já foram obtidos os primeiros resultados para a sua aplicação comercial, inclusive agrícola, especialmente na química fina de defensivos. Dentre os desafios para essas empresas entrarem na nanotecnologia molecular, está o legado do ciclo anterior, o qual torna necessário um esforço adicional para convencer investidores a efetuar novo ciclo de investimentos em inovação, considerando potencial tão ou mais revolucionário no sistema agroalimentar que o engendramento dos gens, sem que as inversões efetuadas no paradigma científico/tecnológico anterior tenham produzido resultados satisfatórios. Ademais, o atraso em participar do novo paradigma se traduz em barreiras à entrada criadas pelos seus concorrentes que já desenvolveram aplicações comerciais para a nanotecnologia4.
            Portanto, a viabilização comercial da nanotecnologia por essas empresas no ramo dos agroquímicos5 desafia as estratégias e os investimentos em biotecnologia das firmas líderes da 'indústria da vida' voltada para agricultura, pois possui uma via institucional mais pavimentada.
            Vários ciclos de inovação foram impostos à agricultura em sua história, tais como os da revolução da mecanização e da quimificação e, atualmente, da biotecnologia e da reelaboração dos sistemas de produção tradicionais. O surgimento da nanotecnologia molecular trouxe a possibilidade de início de um novo ciclo de inovação no sistema econômico, trazendo, intrinsecamente, indagações dentro dos diversos aspectos da matriz complexa de eficiência6 e de estratégias competitivas. Esse novo paradigma tecnológico relativiza os debates sobre a biotecnologia e a biossegurança, pois, por um lado, a manipulação da matéria em nanoescala não tem regulação específica e, por outro, as mudanças nas propriedades dos materiais em nível de nanopartículas ainda não são totalmente dominadas.

Cenários alternativos

            Diante dessas considerações, pode-se desenhar cenários alternativos para o processo inovativo da nanotecnologia molecular aplicada à agricultura: 1) será disruptiva; 2) complementar/convergente; ou 3) concorrente. Em termos mais precisos, o agronegócio realmente estaria entrando em um novo paradigma tecnológico na agricultura; apenas reforçando o padrão consolidado de aprofundamento do paradigma biotecnológico; ou ambas tecnologias permanecerão concorrendo alternativamente em mercados distintos.
            Caso a nantecnologia suplante a biotecnologia na solução econômica de problemas do sistema produtivo (cenário 1), caracteriza-se o processo de inovação com ruptura tecnológica. Sendo assim, empresas com menores custos relacionados a comprometimentos e vínculos ao seu passado em biotecnologia, dispondo de uma base de conhecimento em nanotecnologia já consolidada, poderão ter maiores chances de despontar como líderes nessa nova tecnologia.
            No cenário convergente (cenário 2) da biotecnologia com a nanotecnologia molecular, há vantagens para as corporações que não conseguiram a garantia total dos seus direitos de propriedade intelectual sobre a patente. Mesmo que não amortizem por completo esses investimentos, seus produtos químicos condicionados ao uso da semente modificada ainda propiciam receita considerável, que se estima corresponder a 70% do seu faturamento e 30% dos lucros. Mais importante ainda para a convergência serão vantagens competitivas ex-ante dessas empresas. Por exemplo, seu conhecimento acumulado em pesquisa e desenvolvimento, biotecnologia, canais de comercialização, acesso ao capital de risco, entre outras competências dinâmicas difíceis de imitar. 7
            No último cenário em que essas duas tecnologias co-existam, nenhuma delas supera a outra no longo prazo, sendo que ambas trariam benefícios com padrões de manipulação e criação de produtos comerciais por diferentes vias. Esse cenário implicaria na contínua comparação entre os custos dessas alternativas tecnológicas, assim como entre padrões da tecnologia tradicional, dada a demanda de nichos de mercado por implicações ambientais e sociais de diferentes sistemas de produção, além da qualidade intrínseca do produto.
            Face aos três cenários estabelecidos, espera-se que, no curto prazo, as aplicações da nanotecnologia ainda não sejam capazes nem de suplantar nem tampouco de criar vias de convergência com a biotecnologia. Desta forma, o terceiro cenário parece ter a maior probabilidade de vigir nos próximos anos, pois o desenvolvimento nanotecnológico não logrou imbricações factíveis nos domínios da vida, assim como ainda não é suficientemente sofisticado para suplantar os padrões tecnológicos estabelecidos contemporaneamente.8

1 Essa perspectiva deriva das abordagens de Nathan Rosemberg. Exploring the Black Box: Technology, Economics, and History. Cambridge, U.K: Cambridge University Press, 1994 p.284, professor da Universidade de Stanford nos Estados Unidos e no Brasil, de David Kupfer, professor da UFRJ.
2 Monsanto vs. U.S. Farmers. Center for Food Safety. 2005. 79p. Disponível na Internet: <http://www.centerforfoodsafety.org/pubs/lowresCFSMonsantovsFarmersReport1.13.2005.pdf> Acessado em: janeiro de 2005.
3 Marc Brammer; David MacDonald. Monsanto and Genetic Engineering: Risks for Investors. Analysis of company performance on intangible investment risk factors and value drivers. Monsanto Investor Risk Report. Innovest Strategic Value Advisors, Polaris Institute, As You Sow Foundation, and The Center for Food Safety. January 2005. 81p. Disponível na Internet: <
http://www.innovestgroup.com/publications.htm> Acessado em: janeiro de 2005.
4 Ver DULLEY, Richard Domingues. Nanotecnologia no agronegócio: explorando o futuro. Instituto de Economia Agrícola. Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio. Dezembro de 2004. Disponível na Internet <
http://www.iea.sp.gov.br/out/verTexto.php?codTexto=1640> e ECT. Dow on farm, 2004 Disponível na Internet. < http://www.ectgroup.org/documents/NR_Dowonfarm_final.pdf> Acessado em: janeiro de 2005.
5 Ver relatório do ECT(nota 4).
6 Eficiência técnica, econômica, ambiental e social.
7 O mercado de sementes geneticamente modificadas é oligopolizado por duas grandes firmas, sendo que apenas uma delas concentra aproximandamente 90% (647) das culturas geneticamentes modificadas. (Ver relatótrio do Center For Food Safety – Nota 2).
8 Artigo registrado no CCTC-IEA sob o número HP-04/2005


Data de Publicação: 03/02/2005

Autor(es): Thomaz Fronzaglia (thomazfronzaglia@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor