Entraves e desafios à caprinocultura no Sudoeste Paulista

            A ovinocaprinocultura como agronegócio cresce nos últimos anos no Estado de São Paulo, seja pelo aumento no efetivo dos rebanhos, seja pelo aumento no número de propriedades envolvidas nessa atividade e suas especializações. Isto também é evidenciado pela demanda por matrizes e reprodutores e pela expressiva expansão da procura por carne, pele e leite. Esses produtos poderão ainda se multiplicar por inúmeros subprodutos com grande agregação de valor. 1
            Algumas características dos pequenos produtores acabam por interferir negativamente nas atividades agropecuárias, como é o caso da caprinocultura da região Sudoeste do Estado de São Paulo2. Além disso, o baixo grau de instrução predominante entre os integrantes do grupo de criadores dessa região, aliado à desinformação generalizada diante de mecanismos básicos de assistência e fomento, é ponto de estrangulamento importante no processo de tomada de decisão.
            Essa falta de informação também dificulta o acesso a eventuais programas setoriais de apoio, persistindo assim um grande isolamento do produtor, uma baixa capacidade de auferir renda e de se capitalizar. Como um círculo vicioso, impede que os produtores obtenham financiamentos – seja para a produção, investimento ou comercialização – pela falta de bens a oferecer como garantias reais exigidas, pois, ainda que sua definição seja pública, a implementação depende de agentes privados.
            Acrescente-se a isso o fato de que os pequenos produtores, além de não ter recursos, dispõem de escassas informações sobre o correto manejo de doenças. Sua capacidade de resposta frente às situações de emergência como surtos ou epidemias é limitada. Exames sanitários de rotina, quarentena dos animais adquiridos e controle de saúde das pessoas envolvidas na atividade apresentam baixos índices de realização.
            As criações de caprinos na região sofrem perdas diretas e indiretas e, conseqüentemente, de renda para os criadores, em função de aspectos sanitários e zootécnicos limitantes ao setor, como as verminoses e outras doenças parasitárias e infecciosas, deficiências nutricionais e a inadequação de manejo e instalações. O fraco desenvolvimento ponderal das crias, perda de peso e de condição corporal das matrizes, óbitos, gasto com vermífugos e outros insumos, que levam a um produto final de qualidade comprometida, são algumas das conseqüências, que podem ser motivo para o não-retorno financeiro ao final do ciclo produtivo, desestimulando assim a permanência do produtor na atividade.
            A alimentação dos animais representa um custo elevado nos sistemas de produção. O uso de ingredientes alternativos pode baratear o custo de produção, permitindo o aproveitamento de subprodutos disponíveis na pequena propriedade ou na região. Tendo o manejo alimentar grande influência na produtividade animal, sua manipulação é recomendada para incrementar a rentabilidade desse agronegócio. As práticas zoo-sanitárias, instaladas hoje pelos pequenos criadores, devem se adequar à adoção de novas tecnologias, antecipando-se à organização do mercado de leite, carne, de animais e de outros produtos.
            De modo geral, faltam aos caprinocultores da região a percepção e o controle efetivos das várias fases que compõem a cadeia produtiva da atividade, que começa na produção e inclui o acesso do produtor à pesquisa e à informação tecnológica e vai até a distribuição, passando pela organização dos produtores, essencial para garantir a sua sustentabilidade no mercado. A ausência de uma postura empresarial por parte dos caprinocultores do Sudoeste paulista gera insatisfação com os resultados econômicos obtidos, fato que ficou evidente nos resultados obtidos em pesquisa recente. Porém, se percebeu por parte desses criadores uma grande expectativa por melhorias, o que se deve constituir no foco principal a ser trabalhado através das ações de políticas públicas para alavancar a atividade.

Mercado e aptidão regional

            A região Sudeste do Brasil, caracterizada por sua alta densidade populacional, é considerada mercado consumidor de elevada potencialidade, com demanda altíssima por produtos alimentícios das mais diversas origens. Em contraste com os índices produtivos ainda constatados no Brasil, verifica-se um crescimento acentuado da demanda pelos produtos da ovinocaprinocultura de corte.
            Entretanto, a demanda encontra-se reprimida em função da falta dos produtos e também por uma certa lentidão no crescimento do segmento produtor, que não vislumbra uma estrutura comercial mais consolidada. Parte de considerável fatia desse mercado ávido, porém latente, é suprida pela matéria-prima importada de países do Mercosul e de outros continentes. Existe um amplo mercado nacional a ser conquistado, o que dependerá fundamentalmente da organização do setor.
            A região Sudoeste paulista apresenta aspectos propícios para a efetiva consolidação da caprinocultura: boas condições edafoclimáticas; produção constante de alimentos para uso animal; tradição e aptidão na bovinocultura de leite e corte, que permitem a criação consorciada de espécie; interesse dos produtores familiares; mercados consumidores próximos; articulação de instituições públicas e privadas presentes na região; e linhas de crédito específicas para o setor.
            Aliam-se a isso as características da espécie caprina (docilidade, porte pequeno e relativa rusticidade), que permitem a sua exploração utilizando a mão-de-obra exclusivamente familiar – abundante na região –, e instalações simples e de baixo custo. Dessa maneira, a atividade apresenta-se como alternativa a ser considerada na política de viabilização sócio-econômica da propriedade rural familiar, seja propiciando um incremento na renda per capta, seja pela melhoria no nível nutricional da família do pequeno produtor, pela disponibilidade de proteína animal de alto valor biológico, além de promover a fixação do homem ao meio rural.

Desafios ao agronegócio

            Para que a atividade caprina se transforme num negócio economicamente sustentável, gerando excedentes para os sub-sistemas de produção, de processamento e de distribuição, são indispensáveis que sejam implementados programas em cada região do Estado, voltados à adoção de tecnologias economicamente viáveis e adaptadas, com vistas à superação dos principais entraves para o desenvolvimento da cadeia produtiva em toda sua extensão.
            É preciso dimensionar, definir, incentivar e consolidar sistemas adequados de produção de caprinos de carne e leite, envolvendo técnicas de alimentação, manejo, sanidade, reprodução e gerenciamento, de forma a se buscar o melhor enquadramento dentro das características da propriedade familiar. Permite-se, assim, a inserção dos agricultores familiares em cadeias produtivas dimensionadas e fortalecidas através do incentivo e apoio de organizações sociais locais, facilitando o acesso a linhas oficiais de crédito para fomento do setor.
            Os desafios são também aumentar a oferta regional de proteína de origem animal a baixo custo, criando alternativas de melhoria do nível nutricional das populações da área rural; gerar empregos diretos e indiretos a partir da implantação e crescimento de agroindústrias; padronizar e certificar os produtos com denominação de origem e identificação geográfica protegida; e aumentar a oferta de produtos de caprinos no Estado de São Paulo, eliminando a sua dependência dos mercados externos.
            Para fortalecer a caprinocultura, a região Sudoeste pode contar com a Unidade de Pesquisa e Desenvolvimento (UPD) de Itapetininga, onde estão instaladas unidades produtivas e demonstrativas de sistemas de pastejo rotacionado para ovinos e caprinos; rebanho experimental e didático; mini-usina para beneficiamento de leite de cabra com capacidade de pasteurizar 150 litros de leite/hora, devidamente registrada no Serviço de Inspeção do Estado de São Paulo (SISP), dentre outros. Isso permite desenvolver e transferir tecnologias e insumos e apoiar a assistência técnica, focando o agronegócio de pequenos ruminantes domésticos.
            Outro importante instrumento para inserção de novos empreendedores e apoio aos produtores familiares já instalados são os programas oficiais já implementados. São eles o PRONAF (Programa Nacional da Agricultura Familiar), criado em 1995 como instrumento de transformação do ambiente institucional brasileiro; o FEAP (Fundo de Expansão do Agronegócio Paulista), programa estadual, reorganizado em 1992 para atender a pequenos produtores descapitalizados; e, mais recentemente, o FEAP–Ovinos e o FEAP-Caprinos que foram suplementados com recursos para a inserção e/ou consolidação de caprinovinocultores3.
            As características da pequena produção, antes de se constituírem em entraves para o setor caprinocultor, devem ser desafios a serem suplantados por meio de políticas públicas direcionadas e alicerçadas pela pesquisa tecnológica e oferta de crédito específico, que atenderão aos anseios e demandas do segmento, visando ao desenvolvimento regional sustentável e à viabilidade econômica da atividade familiar.

Organização e globalização

            A agricultura familiar no Brasil possui características peculiares bastante distintas do modelo patronal, uma vez que não separa trabalho de gestão no que tange à produção e aspectos econômicos.
            Trata-se de um segmento da agropecuária cujo papel, no século XX, mostrou-se relevante em todos os países capitalistas desenvolvidos (VEIGA, 1995)4. Dentre outros, destaca-se por garantir maior estabilidade da produção e da oferta de alimentos básicos; por funcionar como um 'amortecedor' das crises econômicas face à sua capacidade de absorção de mão-de-obra, já que trabalha com sistemas de produção mais intensivos deste fator e mais diversificados, permitindo a manutenção de postos de trabalho; por se prestar a um trabalho mais delicado, mais arriscado e exigente em precisão em muitas das atividades agrícolas; por sua lógica de reprodução movida pela garantia de sobrevivência; e por favorecer, quando há segurança de posse da terra, melhor preservação do meio ambiente e de ocupação mais ordenada do espaço rural.
            Apesar dessas potencialidades, a agricultura familiar no país encontra-se ainda limitada por problemas e dificuldades, tais como tecnologias agropecuárias inadequadas às circunstâncias do agricultor familiar; relação desfavorável insumo/produto; falta de conscientização por parte desses produtores da capacidade de que dispõem para melhorar as condições de produção e bem-estar familiar; deficiente ou nenhum nível de organização, dentre outros (EMBRAPA, 1998)5.
            No atual cenário da economia brasileira, a pequena produção agropecuária tem sido alijada do mercado diante da globalização, em decorrência de seus frágeis mecanismos de defesa e incapacidade de pronta reação às mudanças. Uma das principais tendências da agropecuária vem sendo a de produzir em maior escala por estabelecimento, por área, por animal, etc, resultando, no cômputo geral, numa relação de oferta crescente versus número de produtores decrescente. Isso significa que a chance de sobrevivência no setor é menor para aqueles produtores menos capitalizados, com áreas reduzidas e/ou com baixa utilização de tecnologia na condução de suas atividades.
            Embora a decisão de produção individualizada não seja característica exclusiva da pequena produção, a organização em associações ou cooperativas é significativamente restrita nesse grupo. Também as decisões de comercialização são pulverizadas e, na sua maioria, as vendas são realizadas diretamente ao consumidor, individualmente, deixando de lado a reconhecida importância da ação coletiva nas negociações e a eliminação dos intermediários.
            Para isso é necessário criar um ambiente de modernidade e de justiça social, focalizado nas potencialidades da produção familiar de geração de emprego, renda e qualidade de vida, por meio do agronegócio.6

1As considerações deste artigo tomaram por base resultados do projeto 'Caprinocultura: pesquisas aplicadas ao desenvolvimento rural familiar da região de Itapetininga, Estado de São Paulo, Brasil', de Políticas Públicas/FAPESP (abr., 2003-Mimeo).
2 Região de base econômica agropecuária e historicamente demandante de programas de desenvolvimento, concentra parcela considerável da agricultura familiar do Estado de São Paulo.
3 Os produtores rurais interessados podem obter os recursos necessários para sua inserção nos agronegócios ovinos & caprinos através dessas linhas de crédito oficiais, como o PRONAF Caprinovinocultura (teto de R$ 27.000,00; 4% de juros ao ano, 2 anos de carência e 5 anos para pagamento), contando ainda com o FEAP-Agroindústrias que contempla associações de produtores e cooperativas com até R$ 100.000,00, com condições também diferenciadas.
4 VEIGA, José E. S. Segmentando a agricultura familiar, São Paulo - SP. 1995, não publicado. 20p.
5 EMBRAPA. Pesquisa e desenvolvimento: subsídios para o desenvolvimento da agricultura familiar brasileira 1. Brasília-DF. Embrapa-SPI/Petrolina-CPATSA, 1998. 40p.
6 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-59/2005.

Data de Publicação: 13/07/2005

Autor(es): Nilda Tereza Cardoso De Mello (nilmello@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Elizabeth Alves e Nogueira (enogueira@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Carlos Frederico de Carvalho Rodrigues (frediz@fmvz.unesp.br) Consulte outros textos deste autor