Café: política internacional e riscos de novas intervenções mágicas

            A II Conferência Mundial de Café, realizada no final de setembro em Salvador (BA), foi palco de inúmeras análises e sugestões dos países produtores e consumidores. Entre os países produtores, as preocupações referiram-se à crise que arruinou os cafeicultores do mundo todo nos últimos anos. E não faltou a proposta de intervenção nos mercados visando ao controle da oferta e à garantia de preços 'socialmente justos, que garantam pelo menos o piso de US 1,00 por libra peso para o café verde'.
            Soluções deste tipo são reivindicadas por vários países, em especial pelo presidente da Colômbia. E indicam como essas nações, e algumas vezes até mesmo o Brasil - vide a política de retenção implementada em 2001 e 2002 com enormes perdas de receita cambial e participação no mercado -, objetivam a criação de desfechos mágicos para resolver os ciclos de excesso de oferta.
            Assim, palavras do presidente da Organização Internacional do Café (OIC)1 - do tipo 'não se trata de regular o mercado com mecanismos de intervenção, mas formular políticas que possam influir nas variáveis que o determinam' - podem ser vistas sobre vários ângulos. De um lado, as políticas de intervenção de quotas de produção e preço mínimo - que ocorreram no passado e são sempre reivindicadas pelas ‘viúvas’ do antigo Instituto Brasileiro do Café (IBC). De outro, a implementação de políticas públicas que ampliem e diversifiquem o consumo, instrumentos eficientes de transferência de estoques ao longo do tempo e a eliminação das barreiras tarifárias e de outras tributações por parte dos países importadores, tanto do café verde quanto do torrado e moído e do solúvel, que impedem a entrada de produtos com maior valor agregado nos diferentes mercados, especialmente dos países desenvolvidos.
            O Brasil ainda tem muito que avançar, apesar das últimas evoluções nas políticas públicas para o setor, como foi o caso do lançamento dos contratos de opções. É a necessidade de aumento da participação do café torrado e moído nas exportações; do crescimento das exportações de solúvel; do incremento do consumo interno (esse último felizmente já é uma realidade); da melhoria das condições do financiamento ao setor agrícola e industrial; e do maior esforço na geração de inovações e no desenvolvimento de novas tecnologias.
            Concomitantemente, é condição fundamental para o fortalecimento da indústria do café medidas que vão desde a redução da tributação do produto no mercado interno até a regulamentação da importação de matérias-primas para a indústria de solúvel e torrado e moído, visando à reexportação. Dessa forma, se concederia à indústria brasileira de café as mesmas condições de competição dos países importadores nos produtos de maior valor agregado.

Mercado

            Pode-se afirmar que o mês de setembro foi sombrio para o café. Com a crise do petróleo, houve uma corrida dos fundos de investimentos para vender posições do café e aplicar em petróleo, o que provocou pesadas perdas nas cotações do produto no mercado internacional. Ademais, o bom desenvolvimento da florada dos cafezais brasileiros indica que o próximo ano será de safra elevada, o que contribuiu para baixar ainda mais as cotações do café no mês de setembro.
            Na Bolsa de Nova Iorque, as cotações do arábica caíram 8,71%, em relação à cotação média de agosto (Contrato C, segunda posição). Na Bolsa de Londres, o robusta registrou queda ainda maior, de 13,90% para a segunda posição, o dobro da redução observada no mês anterior. No mercado de futuros da BM&F, o preço do arábica caiu 8,93% também para a segunda posição. O indicador OIC-Composto diário apresentou recuo de 7,67% em relação à média do índice de agosto.
            Em setembro, as cotações do café arábica nos diferentes mercados retornaram ao seu nível médio de novembro de 2004, perdendo todo o ganho acumulado até então. As expectativas atuais estão associadas às compras que as indústrias do Hemisfério Norte começam a realizar visando ao abastecimento no final de outono e inverno, época que mais se consome café, e eventualmente conferindo suporte aos preços (gráfico 1).

Gráfico 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados de futuros (segunda posição) e do OIC-Composto diário, 2003 a 2005

               Fonte: Gazeta Mercantil

            Dada a menor oferta brasileira para o próximo ano cafeeiro, o diferencial entre as cotações observadas na BM&F e em Nova Iorque reduziu-se para US$ 10,71 a saca, cerca de 6% inferior à média do mês anterior, mantendo tendência que se observa desde junho. Pode-se inferir também que tem havido progressivo reconhecimento da melhoria da qualidade do produto brasileiro, fato que temcontribuído para o contínuo estreitamento do diferencial praticado.
            As cotações do arábica, contrato C, segunda posição, na Bolsa de Nova Iorque, exibiram tendência de queda com expressiva instabilidade ao longo do mês, em função das expectativas da próxima safra brasileira e do deslocamento dos recursos dos fundos para aplicação em petróleo (gráfico 2).

Gráfico 2 - Cotações diárias em setembro de 2005 na Bolsa de Nova Iorque, para café arábica, Contrato C, segunda posição

                   Fonte: Gazeta Mercantil

            O mesmo ocorreu no mercado de robusta na Bolsa de Londres, com tendência mais definida de queda nas cotações durante todo o mês de setembro. A cotação média mensal, que vinha crescendo no ano, iniciou trajetória de queda a partir de julho, aprofundando-se em setembro quando caiu cerca de 13,90% em relação ao mês anterior. O comportamento das cotações no mercado de Londres em setembro, segunda posição, pode ser verificado no gráfico 3.

Gráfico 3 - Cotações diárias para o café robusta, segunda posição, na Bolsa de Londres, no mês de setembro de 2005

                Fonte: Gazeta Mercantil

            Na BM&F, a evolução dos preços do arábica, segunda posição, cotados em dólar por saca em setembro, indica variação de 29,56% nos últimos doze meses. Em 2005, alcançou variação negativa acumulada de 4,14%. No mercado de Nova Iorque, os preços do arábica, contrato C, segunda posição, cresceram 21,43% nos últimos doze meses, mas caíram 6,40% em 2005.
            Por fim, as cotações do robusta no mercado de Londres, segunda posição, tiveram variação acumulada de 37,33%, nos últimos doze meses, e de 19,29% em 2005. A estimativa do OIC-Composto apresentou crescimento acumulado de 27,47%, em doze meses, e de apenas 2,05% em 2005, fortemente influenciado pelos atuais preços praticados para o robusta.
            Na cafeicultura paulista, as cotações médias em setembro recuaram 8,56% em relação à média de agosto, em função da queda nas cotações internacionais e da forte redução de 5,99% na taxa de câmbio, no mês. Mas a trajetória dos preços de café recebidos pelos produtores, em reais, nos últimos doze meses, aponta para alta acumulada de 12,42%. No ano de 2005, perdeu-se todo o ganho nospreços que já apresentam redução de 8,78% (gráfico 4).

Gráfico 4 - Preços médios mensais recebidos pelos produtores de café arábica, Estado de São Paulo, 2002 a 2005

               Fonte: Instituto de Economia Agrícola

Exportações Mundiais

            Entre janeiro e agosto de 2005, as exportações globais de café alcançaram discreta alta frente a igual período de 2004, contabilizando apenas 0,26% de incremento, segundo dados da OIC. Entretanto, as exportações brasileiras tiveram importante crescimento de 9,75% frente ao mesmo período de 2004. As exportações de outros suaves e de robustas foram as que mais declinaram no período, com redução, respectivamente, de 5,16% e de 4,35%.
            Para os próximos meses, espera-se tendência de desaceleração dos embarques brasileiros, uma vez que passarão a ser comercializados os cafés colhidos nesta safra de oferta estreita. Por outro lado, espera-se incremento dos embarques colombianos e centro-americanos, pois nessas duas regiões inicia-se o período de maior volume de colheita dos suaves.

Tabela 1 - Exportações Mundiais de Café, por tipo, setembro de 2003 a agosto de 2005

Tipo
Set./03 a ago./04
Set./04 a ago./05
Variação (%)
Colombiano
11 755 758
11 960 363
1,74
Outros suaves
20 990 942
19 907 190
-5,16
Naturais brasileiros
25 278 853
27 743 644
9,75
Robusta
31 028 326
29 677 236
-4,35
Total
89 053 879
89 288 433
0,26
Fonte: Elaborado a partir de dados básicos da OIC

            No caso dos embarques do café robusta, permanecem os efeitos provocados pelos distúrbios climáticos sobre os cinturões vietnamitas. No período de janeiro a agosto, houve redução de 4,35% nos embarques frente a igual período do ano anterior.

Tabela 2 - Exportações de Café, todos os tipos, agosto 2004 e agosto 2005

Tipo
ago./ 2004
ago./ 2005
Variação (%)
Colombiano
7.323.939
6.783.384
-7,97
Outros suaves
1.783.793
1.482.339
-20,33
Naturais brasileiros
2.301.644
2.256.804
-1,99
Robusta
2.451.837
2.238.349
-9,54
Total
7.323.939
6.783.384
-7,97
Fonte: Elaborado a partir de dados básicos da OIC

            Confirmando a assertiva acima formulada, em agosto último o produto brasileiro já aparece com queda nos embarques de aproximadamente 2%. As outras origens concorrentes do Brasil no abastecimento mundial deverão reverter, ainda que apenas parcialmente, a tendência de redução das transações. A regularização das precipitações no Vietnã deve favorecer o incremento da produção e, conseqüentemente, das vendas ao exterior.

Trajetória das exportações brasileiras

            Dados preliminares do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CECAFE)2, para o período janeiro a setembro, apontam exportação de 19,3 milhões de sacas de café, das quais 16,8 milhões de arábica e 2,5 milhões em equivalente verde de solúvel. Esse volume de embarques supera em 4,4% o observado no mesmo período do ano anterior.
            Entretanto, o resultado mais favorável é revelado pela receita cambial, capturada pelas transações que totalizaram US$ 1,91 bilhão até agosto, representando crescimento de 58,7% frente a igual período de 2004. Vigorosos têm sido os embarques de café solúvel, robustecendo ainda mais os resultados favoráveis do segmento. Estima-se que a meta de receita, de cerca de US$ 3 bilhões para o ano fiscal de 2005, seja bastante factível (tabela 3).

TABELA 3 - Exportações brasileiras de café, todos os tipos, janeiro a setembro de 2005

(em sc de 60 kg)

Mês
Conillon
Arábica
Torrado
Verde
Solúvel
Total
Jan.
16.512 
1.969.856 
3.887 
1.990.255 
265.038 
2.255.293 
Fev.
31.376 
1.527.251 
3.642 
1.562.269 
248.243 
1.810.512 
Mar.
45.539 
2.442.926 
4.912 
2.493.377 
315.361 
2.808.738 
Abr.
43.184 
1.720.512 
3.894 
1.767.590 
267.173 
2.034.763 
Mai.
95.422 
1.793.941 
5.528 
1.894.891 
362.515 
2.257.406 
Jun.
162.060 
1.618.377 
4.582 
1.785.019 
255.218 
2.040.237 
Jul.
212.131 
1.425.949 
6.451 
1.644.531 
311.142 
1.955.673 
Ago.
152.908 
1.837.078 
2.201 
1.992.187 
267.579 
2.259.766 
Set.
72.067 
1.495.869 
3.530 
1.571.466 
211.613 
1.783.079
Total
867.054 
15.859.525 
39.186 
16.765.765 
2.533.471 
19.299.236 
Fonte: Elaborado a partir de dados do CECAFE

            A evolução das receitas cambiais obtidas com as exportações de café alcançou, no acumulado do ano até setembro, US$ 2,127 bilhões, representando valor 54,2% maior que o obtido no mesmo período do ano anterior. Com a possibilidade de arrefecimento nos embarques, a expectativa de alcançar o saldo cambial de US$ 3 bilhões para as transações com café somente tem alguma chance de concretização caso os preços exibam vigoroso crescimento nesse último trimestre, hipótese essa pouco provável.

Tabela 4 - Exportações brasileiras de café, todos os tipos, janeiro a setembro de 2005

(em US$ 1.000)

Mês
Conillon
Arábica
Torrado
Verde
Solúvel
Total
Jan.
871 
180.480 
747 
182.098
24.475
206.573 
Fev.
1.758 
148.846 
716 
151.320
24.943
176.263 
Mar.
2.670 
267.908 
959 
271.537
31.274
302.811
Abr.
2.627 
208.624 
630 
211.881
27.340 
239.221 
Mai.
6.052 
217.696 
1.570 
225.317
36.745 
262.062 
Jun.
10.969 
196.663 
868 
208.500
29.173 
237.673 
Jul.
15.197 
175.494 
1.307 
191.998 
36.375 
228.373 
Ago.
13.147 
223.766 
570 
237.484 
30.043 
267.527 
Set.
4.765 
176.132 
695 
181.592 
24.884 
206.476 
Total
58.056 
1.795.609 
8.063 
1.861.728 
265.252 
2.126.980 
Fonte: Elaborado a partir de dados do CECAFE

_________________________
1 OIC:
www.ico.org
2 CECAFE:
www.cecafe.com.br
3 Artigo registrado na CCTC-IEA sob número HP-93/2005

Data de Publicação: 10/10/2005

Autor(es): Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor