Produtos lácteos: algumas considerações nutricionais e econômicas

            O segmento de produtos lácteos está entre os diversos setores que passaram por intenso processo de reformulação, decorrente das profundas transformações estruturais da economia brasileira ao longo da década de 90. Em linhas gerais, três fatores foram essenciais para explicar essas mudanças. O primeiro deles foi o processo de abertura econômica ainda no decorrer do Governo Collor. O segundo foi à implementação do Plano Real em julho de 1994. Finalmente, o terceiro fator relevante foi à constituição em 1991, e sua respectiva efetivação em 1994, do Mercado Comum do Cone Sul (MERCOSUL).
            A abertura econômica agiu no sentido de induzir os produtores domésticos brasileiros a modernizarem seus respectivos processos produtivos, melhorando a qualidade dos seus produtos sob pena de perderem mercado para os produtos importados.
            A busca de maior eficiência produtiva, aliada à melhoria da qualidade dos produtos finais, foi acentuada com a implementação do Mercosul. O bloco,pelo fato de ser uma União Aduaneira, reduziu e/ou eliminou as tarifas de importação de diversos produtos entre seus países-membros, tendo como resultante o acirramento da disputa entre empresas por parcelas do mercado brasileiro.
            A derrocada do crônico processo inflacionário, desencadeada pela implementação do Plano Real, também teve papel preponderante na reformulação tanto no âmbito da produção quanto da demanda. A estabilização econômica proporcionou maior transparência, em termos de custos de produção e planejamento de investimentos voltados para o longo prazo, visando à ampliação da capacidade produtiva, além de alavancar o nível de renda, pelo menos na primeira fase do Plano Real, que se estendeu de 1994 a 1998.
            Em função da elevada importância do segmento lácteo, não somente econômica como também em termos nutricionais, procurou-seanalisar alguns aspectos nutricionais e também relacionados à participação desses produtos na cesta de mercado levantada mensalmente pelo Instituto de Economia Agrícola (IEA) para a cidade de São Paulo.

Aspectos nutricionais e importância do leite para alimentação humana

            A presença do leite na dieta alimentar ocorre, principalmente, pelo fato de que este produto é fonte de proteínas e de minerais essenciais à promoção do crescimento e manutenção da vida para o ser humano. Em três períodos da vida, o papel do leite é fundamental: na infância, participa na formação e no desenvolvimento do organismo como fonte de proteína, sais minerais e gordura; na adolescência, oferece condições para o crescimento rápido com boa constituição muscular, óssea e endócrina; e para pessoas idosas é fonte de cálcio essencial na manutenção da integridade dos ossos1.
            As taxas de crescimento no primeiro ano de vida e na adolescência são as maiores de todo o período de vida de uma pessoa e a quantidade diária recomendada de leite para adolescentes com idade entre 11 e 18 anos é de 1 litro/dia.
            A composição média do leite em termos percentuais é a seguinte: água, 85,8; lactose, 4,9; gordura, 3,9; proteínas, 3,5; e sais, 0,9. Assim, infere-se que 1 litro de leite fornece 35 gramasde proteína, 39 g. de gorduras, 49 g. de lactose e 9 g. de sais. Some-se a estes números a importância que cada componente representa nas necessidades diárias do organismo2.
            A lactose, componente exclusivo do leite, é responsável pela melhor absorção do Cálcio e Fósforo, reduzindo a necessidade de ingestão de vitamina D, presente em outros alimentos e/ou na forma sintética, além de contribuir para a firmeza da musculatura infantil.
            As gorduras contêm ácidos graxos, essenciais ao organismo e atuam na absorção das vitaminas lipossolúveis.
            Um dos componentes mais nobres do leite - a proteína - é de reconhecido valor nutricional tanto pelo alto teor de aminoácidos essenciais quanto pela sua alta digestibilidade. O papel das proteínas na alimentação é importante tanto no crescimento quanto na manutenção do corpo humano; é material básico de todas as células e chega a constituir ¾ da matéria viva animal3. Das 57,5 g./dia de proteína, em média, necessárias para uma pessoa adulta, dois copos de leite de vaca (equivalentes a 500 ml/dia) suprem 30,43% da quantidade recomendada, sem considerar os demais nutrientes fornecidos4.
            O Cálcio, como principal constituinte da massa óssea, tem papel fundamental na saúde pública, pois tem inúmeras funções no corpo humano tais como a formação da estrutura óssea e dentária. Também está presente na constituição do fluido extracelular, sangue e tecido muscular, contribuindo nos processos de contração muscular, transmissão dos impulsos nervosos, regulação do ritmo cardíaco e pressão arterial, coagulação sanguínea, estímulo à secreção hormonal e ativação de sistemas enzimáticos5.
            A qualidade do Cálcio disponível no leite é a melhor encontrada na natureza, pois é o mais facilmente absorvido pelo organismo. A quantidade necessária ao dia deste elemento varia de acordo com a idade: até os 25 anos, de 1.200 a 1.500 miligramas (equivalentes a cinco copos de leite); de 25 aos 50 anos, 1.000 miligramas (4 copos); e acima dos 65 anos, 1.500 miligramas6.
            Um litro de leite in natura fornece apenas 20% das necessidades diárias de vitamina A de um indivíduo adulto. O beneficiamento do leite através da introdução de produtos sintéticos permite elevar para até 60% a disponibilidade de vitamina A para o ser humano.
            A possibilidade de reunir em um só produto proteína de alta qualidade, vitaminas A, D e B12, riboflavina, minerais e oligoelementos, especialmente cálcio, fósforo, magnésio, potássio e zinco, aliada a sua potencialidade como veículo de complementação nutricional e sua disponibilidade, torna este produto um dos melhores alimentos consumidos pelo ser humano5.

A importância do leite e seus derivados na cesta de mercado

            O IEA calcula e publica7 mensalmente o dispêndio de uma família de tamanho médio8, na cidade de São Paulo, na aquisição de uma cesta de mercado de produtos alimentícios consumidos dentro do próprio domicílio com base na Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (FIPE) para o período 1981/82.
            A participação percentual do leite e seus derivados10 no dispêndio total da cesta de mercado eqüivale a 15% (figura 1).

Figura 1.- Participação percentual do grupo de produtos lácteos no dispêndio total familiar, Cidade de São Paulo, jul./02 a jun./03

                 Fonte: Dados básicos da pesquisa mensal de preços no varejo do IEA

            O valor médio gasto em Reais por uma família paulistana com os produtos lácteos, no período de julho de 2002 a junho de 2003, correspondeu a R$ 39,59, dos quais R$ 29,56 (75%) referem-se ao consumo de leite fluído9 (figura 2). Portanto, a maior parte do consumo de produtos lácteos refere-se ao próprio leite.

Figura 2.- Valor médio em R$ gasto com produtos lácteos no dispêndio familiar, cidade de São Paulo, julho de 2002 a junho de 2003

                Fonte: Dados básicos da pesquisa mensal de preços no varejo do IEA.

            No grupo de produtos de origem animal11, o dispêndio com produtos lácteos representou, em média, 42,0% do total. Os 58,0% restantes corresponderam a carnes e seus derivados e ovos (figura 3).

Figura 3.- Participação percentual do grupo de produtos lácteos no dispêndio familiar com produtos de origem animal, cidade de São Paulo, jul./02 a jun./03

                Fonte: Dados básicos da pesquisa mensal de preços no varejo do IEA.

            Fica evidente que o segmento lácteo reveste-se de suma importância para a economia brasileira não somente em termos econômicos como também nutricionais. Em função desse fato, estudos que analisem as transformações relativas ao setor são fundamentais para delinear futuras tendências desse segmento, tanto pelo lado da oferta quanto da demanda. Posteriormente, pretende-se divulgar outros artigos sobre a cadeia de lácteos no Brasil abordando questões relacionadas a produção, consumo e comércio exterior a partir da década de 90.

1 Adolescência: Necessidades Nutricionais. Disponível em www.dietnet.com.br (acesso em 06/01/2004)
2 LEITE E QUALIDADE DE VIDA. Disponível em: <http://www.dta.uvf.br/minasiac/artigos/qual leite.htm>. Acesso em 2003.
3 Disponível em
www.dta.ufv.br/minasiac – acesso em 29/12/2003.
4 ESCODA, Maria do S.Q. et al. Segurança Básica e Planejamento. Disponível em <
http://www.dipemar.com.br/leite/72/...>. Acesso em 2003.
5 MACHADO, F. M. S. Estratégias de concorrência da indústria alimentícia e seus desdobramentos na dimensão nutricional, 2003. 200 p. Tese (Doutorado em Nutrição Humana Aplicada – PRONUT) - Faculdade de Ciências Farmacêuticas, Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade, Faculdade de Saúde Pública, Universidade de São Paulo.
6 Alerta/osteoporose. Disponível em
www.saudebrasilnet.com.br acesso em 06/01/2004.
7 Essa pesquisa é divulgada mensalmente na revista Informações Econômicas e no site do IEA.
8 Refere-se em média a uma família com 3,8 pessoas conforme pesquisa levantada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Sócio Econômicos (DIEESE). É parte integrante da Pesquisa de Orçamento Familiar de 1994/95 segundo DIEESE (2003).
9 Leites tipo B e C.
10 Leites tipo B e C, em pó, queijo tipo minas e prato e manteiga.
11 Especificamente, o grupo de produtos de origem animal descontados os produtos lácteos, contém os seguintes produtos: carne bovina, suína, frango limpo, lingüiça, banha, toucinho e ovos.

Data de Publicação: 25/08/2004

Autor(es): Mario Antonio Margarido (mamargarido@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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Vagner Azarias Martins (vagnermartins@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor