Leite: evolução da produção no Brasil Pós-Plano Real

            O setor de lácteos no Brasil vem passando por diversas alterações, seja no âmbito do consumo seja no campo da produção, devido ao processo de abertura da economia brasileira iniciado em 1990 e intensificado pelo Plano Real, em conjunto com a redução da intervenção governamental neste segmento do agronegócio.
            O processo de desregulamentação do setor de lácteos iniciou-se a partir de 1989, quando 'a coordenação comandada pelo Estado no sistema leite foi sendo paulatinamente transferida para o setor privado. Primeiro, com a eliminação dos controles quantitativos das importações, seguido pela redução tarifária. Depois veio a liberação de preços ao produtor e consumidor. A fiscalização higiênico-sanitária sai de dentro das usinas e passa a ser exercida apenas no produto final, conferindo uma enorme responsabilidade aos órgãos de defesa do consumidor'1.
            Assim, analisam-se alguns aspectos relacionados com a evolução da produção de leite no Brasil, com ênfase no período pós-Plano Real.
            No período que antecedeu ao Plano Real, a produção nacional de leite, na média, foi da ordem de 15,2 bilhões de litros entre 1990 e 1993. Na primeira fase do Plano Real, mais especificamente de 1995 a 1998, a produção média brasileira de leite chegou a 19,2 milhões de litros de leite. No período de 1999 a 2002, a produção média de leite, no Brasil, foi de 20,2 bilhões de litros (tabela 1) .2

TABELA 1 - Produção de leite, Brasil, 1995-2002

Ano
Litros (1.000 l)
1995
17.188.529
1996
19.027.177
1997
20.353.753
1998
20.087.171
1999
19.070.035
2000
19.767.207
2001
20.825.125
2002
20.976.338
Fonte: Elaborada a partir de dados básicos do ANUALPEC (1999, 2001 e 2003)3.

            Verifica-se que a produção brasileira de leite evoluiu significativamente no período 1995-1998, apresentando taxa de crescimento4 igual a 5,50% ao ano. Já no período 1999-2002 essa evolução foi menos acentuada: de 3,44% ao ano; e, quando se considera todo o período, a produção brasileira de leite cresceu 2,10% ao ano (tabela 2).
            O país apresenta diversos sistemas de produção e este fato também contribuiu para que, mesmo com o aumento na concorrência entre os elos da cadeia, houvesse um aumento ainda que discreto na produção leiteira.5 No entanto, ocorreu concentração da produção com o crescimento das propriedades com maior escala, que se adaptaram às novas condições, ou seja, à menor dependência de insumos caros e ao manejo do gado, preferencialmente a campo, tornando a atividade competitiva. Em resumo, houve uma redução no número de produtores que passaram a se adaptar às novas condições para produzir e competir em um ambiente de abertura econômica.

TABELA 2 - Taxas de crescimento, produção de leite, Brasil, 1995/2002.

Período
Taxa de crescimento (%)
1995-2002
2,10
1995-1998
5,50
1999-2002
3,44
Fonte: Elaborada pelos autores a partir de dados básicos do ANUALPEC(1999, 2001 e 2003)3.

            O mercado brasileiro de lácteos expandiu-se significativamente a partir do Plano Real. Esse fato levou ao 'acirramento da concorrência que se verifica pelo lançamento freqüente de novos produtos e pela busca incessante por consolidação de marcas. O domínio de novos processos tecnológicos, o uso de plantas industriais com capacidade de produção mais elevada e o investimento significativo em marketing têm sido exigências para a sobrevivência das firmas que atuam nessa área' 6.
            Também o setor normativo, na figura do Ministério da Agricultura Pecuária e Abastecimento (MAPA)7, paralelamente a estas mudanças no setor lácteo, está implementando modificações significativas nas normas de produção do leite in natura8. A Instrução Normativa nº 519, do Departamento de Inspeção de Produtos de Origem Animal (DIPOA) – SDA/MAPA, publicada em 18/09/2002, determina novas condições de produção do leite fluido, que eliminam a recepção do leite a temperatura ambiente. Institui como única forma de captação o leite resfriado a temperatura de até 7º C a ser implantado nas regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste, até janeiro de 2005, e nas demais regiões até janeiro de 2007.
            Alterações como esta induzem a uma melhora significativa na qualidade do produto e à maior tecnificação dos produtores para acompanhar as novas normas.
            A abertura econômica obrigou os produtores brasileiros a procurarem ganhos de eficiência produtiva, com a conseqüente redução de custos10, para fazer frente à concorrência proporcionada pela facilidade de importação de produtos lácteos não somente em função da valorização cambial, como também pela redução (e/o eliminação) de barreiras ocasionada pela implementação do Mercosul. Em conseqüência, muitos produtores deixaram a atividade leiteira, liquidando seus plantéis, pois, com sistemas de produção semelhantes aos dos países desenvolvidos, porém sem os subsídios destes, não foi possível acompanhar a nova realidade do mercado.
            Torna-se necessário destacar a capacidade potencial produtiva da pecuária leiteira nacional, que nas condições atuais, com todas as adversidades e sem qualquer subsídio, produz praticamente o suficiente para atender à demanda interna de lácteos.
            O Brasil poderia passar de deficitário a superavitário em pouco tempo na produção de lácteos, caso as políticas públicas fossem coordenadas visando implementar efetivamente alguns pontos já conhecidos e insistentemente discutidos por todo o segmento da cadeia do leite - tais como aumento de produtividade dos principais fatores de produção, eficiência econômica, qualidade da matéria-prima e melhoria gerencial das empresas em todos os níveis e segmentos11.
            Por fim, cabe lembrar que alguns dos nossos produtos, a exemplo do leite em pó e do leite condensado, já abriram um canal para exportação com boa aceitação. Deve-se, assim, estabelecer um novo caminho para a pecuária leiteira nacional, que é talvez o de grande exportador de lácteos, caso os ajustes necessários sejam implementados.

1FARINA, E.M.M.Q.; AZEVEDO, Paulo F.; SAES, Maria S.M. Competitividade: mercado, estado e organizações. São Paulo: Singular. 1997. 286p, citando FARINA, E.M.M.Q. Cadeia de produção e negociação de preços. In: SEMINÁRIO AS COOPERATIVAS E A PRODUÇÃO DE LEITE ANO 2.000, 1995. Belo Horizonte. [Anais...] Belo Horizonte, 1995.
2 CALEGAR, Geraldo M. Competitividade dos produtos lácteos de Goiás. In: Cadeias produtivas no Brasil. Análise da competitividade / editores-técnicos Rita de Cássia Milagres Teixeira Vieira; Antônio Raphael Teixeira Filho; Antônio Jorge Oliveira ...[et al.]. – Brasília: Embrapa Comunicação para Transferência de Tecnologia / Embrapa. Secretaria de Administração Estratégia, 2001. 469p. Citando GOMES, S.T.; VILELA,D.; CALEGAR,G.M. Transformações da cadeia produtiva do leite no Brasil. Viçosa, MG: UFV/Departamento de Economia Rural, 1997. 20p.
3 ANUÁRIO DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ANUALPEC 99. São Paulo: FNP & Consultoria, 1999. p. 281. ANUÁRIO DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ANUALPEC 2001. São Paulo: FNP & Consultoria, 2001. p. 223. ANUÁRIO DA PECUÁRIA BRASILEIRA - ANUALPEC 2003. São Paulo: FNP & Consultoria, 2003. p. 240.
4 As taxas de crescimento foram calculadas conforme metodologia apresentada em MATOS, Orlando C. de. Econometria Básica. São Paulo: Atlas. 2000. 300p. e RAMANATHAN, Ramu. Introductory Econometrics: with applications. United States of America: The Dryden Press. 1998. 664p.
5 RUBEZ, Jorge. http://www.leitebrasil.org.br/jrubez_085.htm. Acesso março de 2004.
6 MARTINS, Paulo do C. Efeitos de políticas públicas sobre a cadeia produtiva do leite em pó. In: Cadeias produtivas no Brasil. Análise da competitividade / editores-técnicos Rita de Cássia Milagres Teixeira Vieira; Antônio Raphael Teixeira Filho; Antônio Jorge Oliveira ...[et al.]. – Brasília: Embrapa Comunicação para Transferência de Tecnologia / Embrapa. Secretaria de Administração Estratégia, 2001. 469p.
7 MAPA: www.agricultura.gov.br
8 Segundo o regulamento da Secretaria de Defesa Agropecuária (SDA) – MAPA de 1962, 'Título VIII, cap. I, Leite e Manteiga, art.475, denomina-se leite, sem outra especificação, o produto normal fresco, integral, oriundo de ordenha completa e ininterrupta, de vacas sadias. De acordo com o Art.507, é permitido a produção e venda dos seguintes tipos de leite de consumo, em espécie: 1) Leite tipo 'A' ou de Granja; 2) Leite tipo 'B' ou de Estábulo; 3) Leite tipo C ou padronizado; 4) Leite Magro; 5) Leite Desnatado; 6) Leite Esterilizado; 7) Leite Reconstituído'.
9 BRASIL. Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento. Instrução Normativa n.51 de 18 setembro 2002. Disponível em <http://www.agricultura.gov.br acesso em 07 jan. 2004.
10 Observa-se que nesse período a pecuária leiteira nacional parece ter caminhado na direção de um modo de produção que restringe ao máximo o uso de insumos dispendiosos mesmo que o resultado corresponda a menor produtividade.
11 CHABARIBERY, Denise; Desempenho recente da produção de leite no estado de São Paulo. Informações Econômicas, v.33, n.12, dezembro, p. 16-29, 2003.

Data de Publicação: 14/10/2004

Autor(es): Carlos Roberto Ferreira Bueno Consulte outros textos deste autor
Vagner Azarias Martins (vagnermartins@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Mario Antonio Margarido (mamargarido@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor