Mercado de trabalho: ocupação do menor no rural paulista

            A utilização da força de trabalho do menor (homens e mulheres com menos de 15 anos) nas unidades de produção agropecuária (UPA) no Estado de São Paulo correspondeu, aproximadamente, a 5% do total de residentes ocupados e de 3% a 4% do total dos não-residentes, no período de 2000 a 20031. A participação do menor nas categorias de trabalho proprietário, arrendatário e parceiro (residente e não-residente) foi bastante significativa.
            Por estas categorias manterem uma relação de produção, a participação do trabalho dos membros da família é demandada. A categoria proprietário (residente e não-residente) foi a que apresentou o maior número de indivíduos com menos de 15 anos. Foi significativo o número de menores assalariados (residente e não-residente), embora sua participação em relação aos assalariados adultos tenha sido em torno de 1% a 3% no decorrer desses quatro últimos anos. Com relação à ocupação de volantes com menos de 15 anos, os dados sinalizam tendência de crescimento, ou seja, de 1.854 menores em 2000 para 2.399 menores em 2003 (tabelas 1 e 2).

TABELA 1 – Estimativa da população trabalhadora com menos de 15 anos em atividades agrícola, residentes e não-residentes nas UPAs, Estado de São Paulo, 2000-2003
 

Categoria Novembro de 2000 Novembro de 2001 Novembro de 2002 Novembro de 2003
Número
%
Número
%
Número
%
Número
%
Residente
Proprietário1
18.464
60,3
14.710
62,5
14.488
50,9
6257
36,7
Arrendatario1
86
0,3
582
2,5
3.415
12,0
74
0,4
Parceiro1
5.114
16,7
1.171
5,0
1.099
3,9
2.393
14,0
Assalariado2
4.567
14,9
4.224
17,9
5.690
20,0
5.944
34,8
Outros residentes3
2.398
7,8
2.855
12,1
3.770
13,2
2.399
14,1
Subtotal
30.629
100,0
23.542
100,0
28.462
100,0
17.068
100,0
Não-Residente
Proprietario1
7.424
36,1
4.546
37,1
4.135
32,9
5.798
35,7
Arrendatario1
4.354
21,2
2.068
16,9
2.245
17,9
2.429
15,0
Parceiro1
3.237
15,7
203
1,7
1.454
11,6
1.037
6,4
Assalariado2
3.714
18,0
3.653
29,8
2.843
22,6
4.575
28,2
Volante
1.854
9,0
1.789
14,6
1.874
14,9
2.399
14,8
Subtotal
20.583
100,0
12.259
100,0
12.550
100,0
16.238
100,0
Total
51.212
-
35.801
-
41.012
-
33.306
-
1 Engloba os familiares que auxiliam o trabalho.
2 Engloba mensalistas e diaristas.
3 Engloba trabalhadores que não encaixam nas categorias acima.
Fonte: Instituto de Economia Agrícola e Coordenadoria de Assistência Técnica Integral

TABELA 2 – Participação percentual de menores de 15 anos no total da população trabalhadora residente e não-residentes nas UPAs, por categoria, Estado de São Paulo, 2000-2003
 

Categoria Novembro de 2000 Novembro de 2001 Novembro de 2002 Novembro de 2003
Residente
Proprietário1
8,1
6,8
6,2
3,1
Arrendatario1
0,6
3,4
14,6
0,8
Parceiro1
10,7
3,4
2,8
6,7
Assalariado2
1,9
2,1
2,4
3,0
Outros residentes3
11,7
12,5
21,3
19,3
Subtotal
5,6
4,8
5,1
5,3
Não-Residente
Proprietario1
4,5
3,0
2,4
3,6
Arrendatario1
10,8
6,2
6,0
7,1
Parceiro1
25,2
1,5
7,9
5,6
Assalariado2
1,4
1,8
1,4
2,6
Volante
0,7
0,8
0,7
1,0
Subtotal
3,5
1,9
1,8
2,2
Total
4,6
3,2
3,3
3,5
1 Engloba os familiares que auxiliam o trabalho.
2 Engloba mensalistas e diaristas.
3 Engloba trabalhadores que não encaixam nas categorias acima.
Fonte: Instituto de Economia Agrícola e Coordenadoria de Assistência Técnica Integral

            Há mais de uma década o trabalho infanto-juvenil constitui preocupação da sociedade em geral. O meio rural paulista diminuiu a ocupação de menores residentes nas UPAs, de 70,7 mil em 19902 para 17,0 mil em 2003, mas esta diminuição tem se mostrado cada vez mais lenta. Dentre os fatores que mais contribuíram para esta diminuição, podem se destacar a reorganização da produção agrícola, onde culturas com representativa utilização de mão-de-obra infantil (por exemplo o algodão) apresentaram redução de área; a adoção da mecanização na colheita; e as diversas ações e programas realizados pelo governo e instituições não-governamentais na década de noventa.
            Existem ainda produtores que ignoram a proibição do trabalho de menores, prevista nos artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) e da Convenção 138 da Organização do Trabalho (OIT), embora esteja ocorrendo maior fiscalização por parte de órgãos públicos, sindicatos e organizações não-governamentais. A pobreza é, ainda, a questão mais importante na utilização dessa mão-de-obra, mas existem também a crença e o valor moral, há muito arraigados, de atribuir ao trabalho o papel de enobrecer, educar e evitar a marginalidade.
            A instabilidade econômica gera instabilidade social e as crianças são as primeiras a sofrer com isso, dado que os aspectos mais negativos do trabalho infanto-juvenil estão no desenvolvimento físico, quando elas são expostas a longas jornadas em atividades penosas, insalubres e perigosas, e no desenvolvimento intelectual, com a dificuldade de conciliar estudo e trabalho2.
            A maior ocupação do sexo masculino deu-se em 2002, com 18.556 indivíduos, e do sexo feminino, em 2000 com 14.673 indivíduos. No período em estudo, o número de meninos ocupados sempre esteve acima de 10 mil pessoas (tabela 3).

TABELA 3 – Estimativa do número de menores de 15 anos, residentes por categoria e por sexo, Estado de São Paulo, 2000-2003
 

Categoria
2000
2001
Homens
%
Mulheres
%
Homens
%
Mulheres
%
Proprietários1
9.081
49,2
9.383
50,8
8.142
55,3
6.568
44,7
Arrendatários1
17
20,2
69
79,8
455
78,3
127
21,7
Parceiros1
3.196
62,5
1.918
37,5
805
68,7
366
31,3
Assalariados2
2.113
46,3
2.454
53,7
3.731
88,3
493
11,7
Outros residentes3
1.549
64,6
849
35,4
1.628
57,0
1.227
43,0
Total
15.956
52,1
14.673
47,9
14.761
62,7
8.781
37,3
Categoria
2002
2003
Homens
%
Mulheres
%
Homens
%
Mulheres
%
Proprietários1
9.795
67,6
4.693
32,4
3.808
60,9
2.449
39,1
Arrendatários1
1.959
57,4
1.456
42,6
55
74,3
19
25,7
Parceiros1
803
73,1
296
26,9
1.605
67,1
788
32,9
Assalariados2
4.553
80,0
1.137
20,0
3.728
62,7
2.216
37,3
Outros residentes3
1.446
38,4
2.324
61,6
1.427
59,5
972
40,5
Total
18.556
65,2
9.906
34,8
10.623
62,2
6.444
37,8
1 Engloba os familiares que auxiliam o trabalho.
2 Engloba mensalistas e diaristas.
3 Engloba trabalhadores que não encaixam nas categorias acima.
Fonte: Instituto de Economia Agrícola e Coordenadoria de Assistência Técnica Integral

            As crianças desenvolvem atividades nas propriedades rurais que trabalham em regime de economia familiar. Nas atividades que exercem fora da propriedade familiar, os pais utilizam o trabalho dos filhos para garantir as cotas de produção. A inserção precoce de muitas crianças deve-se a uma decisão de sua família para aumentar a renda. Essa estratégia, embora tenha uma racionalidade econômica imediata, como forma de assegurar a sobrevivência das famílias, reveste-se de elevado custo social com o tempo, na proporção em que perpetua a pobreza e a desigualdade dentro e entre as gerações.
            Quanto à escolaridade, é fato que o trabalho infantil reduz, pelo cansaço, a capacidade de concentração das crianças e, ao submeter a sua saúde a riscos e abusos, elas são conduzidas ao absenteísmo eventual, que, por sua vez, provoca baixos índices de freqüência escolar e repetência.
            O fato que agrava ainda mais este cenário é a qualidade da educação. Se for precária, conduz a criança ao desalento e à evasão. Há casos em que as próprias famílias percebem a má qualidade da educação e preferem retirar as crianças da (ou não colocar na) escola, conduzindo-as precocemente ao mercado de trabalho3.
            A estratégia de combate ao trabalho infantil está, por um lado, na inserção dessas crianças em escolas de boa qualidade e, por outro, na continuidade dos programas governamentais (PROGER, PLANFOR, PRONAF, PAT, etc.) e não-governamentais. Isto resultaria, inicialmente, na melhoria da qualidade de vida das famílias, que teriam, assim, o incentivo econômico e, possivelmente, a predisposição para a mudança cultural, há muito arraigada, de utilizar esta força de trabalho.4

___________________

1Para estimar o total de menores de 15 anos ocupados nas atividades rurais do Estado de São Paulo, a atual amostra probabilística é composta por 3.204 unidades de produção agropecuária (UPAs) e foi sorteada com base no cadastro obtido no Censo Agropecuário realizado por meio do IEA e da CATI, conhecido por Projeto LUPA.

2 Análise mais acurada da década de noventa encontra-se em BAPTISTELLA, C.S.L.; VICENTE, M.C.M.; VEIGA, J.E.R. Demografia e mercado de trabalho na agricultura paulista nos anos noventas. Informações Econômicas, SP, v.30, n.5, p.7-29, maio 2000.

3 BARROS, R.P. & MENDONÇA, R.S.P. Trabalho infantil e a evasão escolar. Rio de Janeiro: DIPES/IPEA, 1996.

4 Artigo registrado na CCTC sob o n. HP-374/2004 

Data de Publicação: 07/01/2005

Autor(es): Celma Da Silva Lago Baptistella (csbaptistella@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Vera Lucia Ferraz dos Santos Francisco Consulte outros textos deste autor