Café: Novas Propostas Para Reversão Da Crise De Preços - México E Centro Americanos Saem Na Frente1

 

Mercado Internacional

            O mercado internacional de café arábico na Bolsa de Nova Iorque abriu fevereiro para contratos com liquidação prevista para maio. Neste mês, a cotação média foi de US$ 0,65/libra peso, com queda de 3,08% em comparação com março, atingindo valor médio de US$ 0,63/libra peso. A tendência indica que a cotação de abril para liquidação em maio poderá cair para menos de sessenta centavos de dólar por libra peso, refletindo o aumento de oferta e os elevados estoques nos países importadores (Figura 1).

FIGURA 1 - Cotações do Contrato C para Café Arábico, Segunda Posição, na Bolsa de Nova Iorque, maio de 2001

     Fonte: Elaborada a partir de dados básicos da Gazeta Mercantil, mar.2000. 
            Em 2000, as exportações internacionais cresceram 4,11%, com um adicional de 3,5 milhões de sacas. Como os países produtores não estão conseguindo sucesso na política de retenção do café, acréscimos líquidos no volume exportado deverão continuar pressionando para baixo os preços internacionais.

Mercado Interno

            Com o término dos feriados de carnaval, o mercado iniciou março com manutenção das cotações que vigoraram no mês anterior. Embora satisfatoriamente abastecido, o mercado interno manteve-se com poucos negócios, havendo momentos de quase paralisação com compradores e vendedores efetuando transações somente para cumprir os compromissos de curto prazo (BOLETIM CARVALAHES, 23/03/2001). A partir da segunda quinzena do mês, ocorreram ligeiras altas nas cotações internacionais, que fizeram reagir os preços no mercado interno. Esse patamar alcançado manteve-se até o final de março, mesmo sob quedas constantes das cotações no mercado internacional que foram parcialmente compensadas pelo forte movimento de desvalorização do real em relação ao dólar nas últimas semanas (Figura 2).

FIGURA 2: Cotações Semanais por Saca de Café Verde Tipo 6 para Melhor, Safra 2000/01,
FOB Armazém, 02/03/2001 a 30/03/2001

    Fonte: Elaborada a partir de dados básicos de Escritório Carvalhaes, março 2001. 


            Com a suspensão temporária dos leilões dos estoques governamentais, espera-se alguma reação dos preços para a bebida com características apropriadas para o mercado interno (bica corrida, dura e riado). Contudo, não se pode esperar movimentos altistas significativos, uma vez que a retomada dos leilões deverá ocorrer assim que a pressão por recursos do Funcafé se intensificar, pois a venda dos estoques é a única origem de recursos novos do fundo.

México: preocupação com os baixos preços

            Aparentemente, o México apresenta-se como uma das primeiras vítimas da ocorrência inevitável e característica no mercado de café: o ciclo de preços baixos. Não que outros países estejam ilesos à crise. Todos vêm sofrendo com o problema, podendo ser citados como exemplo alguns produtores da África que se vêem obrigados a postergar a colheita do café, dando preferência à colheita do cacau.
            Segundo dados do Conselho Mexicano de Café, porém, a produção do México, que alcançou mais de 6 milhões de sacas na safra 1999/2000, poderá reduzir-se para menos de 3,5 milhões de sacas na safra 2000/01. Essa redução seria explicada em parte pela bienalidade da produção e em parte pelas condições atuais de mercado que não estariam cobrindo seus custos de produção, estimados pelo Conselho entre 83 e 85 centavos de dólar por libra peso, correspondendo, respectivamente, a US$ 110/sc e US$ 112/sc.
            Além de certo exagero neste prognóstico, acredita-se que na esteira dessa divulgação esteja o objetivo político de justificar o não engajamento concreto ao Plano de Retenção da Associação dos Países Produtores de Café (APPC), já que o mesmo estaria sendo implementado 'naturalmente' pelo país.
            Para contornar esse problema de preços aviltados, o governo mexicano estaria com o firme propósito de implementar um plano de apoio aos pequenos cafeicultores que consistiria em conceder um subsídio direto de US$ 78 por hectare a propriedades com menos de 5 hectares cultivados com café. Estima-se que as áreas que correspondem a esses limites estabelecidos devam somar mais de 475 mil hectares de um total de 760 mil hectares cultivados, o que beneficiaria cerca de 90% dos 260 mil produtores mexicanos. Há necessidade de maiores detalhes a respeito, mas esse programa, aparentemente, estaria sugerindo que a proposta de retenção de café estaria sepultada de vez. Explicando melhor: com o plano de subsídio direto aos pequenos produtores, o governo deverá fazer de imediato um desembolso menor de recursos financeiros do que em relação ao Plano de Retenção, embora nesse último caso o desembolso seja ressarcível.
            Essa nova política teria implicações sócio-econômicas muito mais abrangentes e benéficas para a sociedade mexicana, pois impede que seja sucumbida uma das atividades de maior geração de emprego e renda, questão de particular importância para o país, cuja solução não é vislumbrada numa perspectiva de curto e mesmo médio prazo. Entendemos e concordamos que as autoridades mexicanas têm de fazer de tudo para preservar a estrutura produtiva de seu parque cafeeiro. Além das razões mencionadas, existe também um outro fator de ordem econômica de grande importância. Afinal, não é qualquer país produtor que tem o privilégio de contar, como membro do NAFTA, com dois mercados consumidores cativos, ou seja, o Canadá e principalmente os Estados Unidos, cujo mercado de mais de 18 milhões de sacas estaria por hipótese praticamente à disposição do México.
            Adicionalmente, seria recomendável que fossem tomadas medidas visando reativar a demanda interna de café no México, não somente porque o seu consumo, em torno de um milhão de sacas anuais, é considerado um dos mais baixos entre os principais países produtores de café ( inferior, inclusive, à Etiópia), mas também porque esse consumo já atingira níveis mais elevados no passado mesmo com uma população menor no país.

O despautério incendiário dos centro-americanos é a solução?

            Não é apenas a economia cafeeira que vive de ciclos; as propostas de política também. A recente sugestão de queimar café por parte dos centro-americanos não representa nenhuma novidade na gestão da política setorial. Muito depois da era Vargas, quando milhões de sacas foram incineradas ou jogadas ao mar, o ex-ministro José Eduardo Andrade Vieira lançou, em julho de 1993, proposta de queimar café visando elevar as baixas cotações de então. Transcorridos quase oito anos, observa-se o ressurgimento da proposta na Centro América (com adesão do México e da Colômbia). Embora similar em sua forma de execução (queimar café), ainda possui outra pretensa racionalidade. Argumentam os gestores da política cafeeira que a presença de cafés inferiores deprecia o produto de qualidade superior, enquanto sua ausência melhoraria as cotações do produto.
            O café, por ser uma bebida cujas variações de preços e quantidades demandadas descrevem comportamento econômico inelástico, permite que propostas como a queima sejam consideradas, pois somente soluções drásticas podem alterar situação desfavorável no mercado. No caso brasileiro, a geada e as estiagens cumprem esse papel de modificar o ambiente de negócios.
            Entretanto, é em momentos como esse que precisamos de maior clareza. O mundo cafeeiro é composto por países subdesenvolvidos (uns poucos em desenvolvimento), que dependem das receitas cambiais propiciadas pelas exportações de café, até mesmo para a compra de medicamentos e de outros produtos sofisticados. Assim, queimar café significa diminuir a quantidade de dólares que entrarão naqueles países que aderirem à proposta sem garantias de que, no curto prazo, o aumento das cotações dos grãos finos compense essa perda. Ainda que o cartel da APPC deliberasse pela recomendação da queima nos demais países signatários, dificilmente a proposta seria implementada, pois o próprio conceito de café de baixa qualidade é suficientemente amplo para abrigar todo tipo de produto de qualidades díspares. Ademais, diante da possibilidade de industrializar esse café inferior sob forma de solúvel, esvazia-se qualquer idéia de queima, ainda mais reconhecendo que existe ociosidade dessa indústria, senão mundial, ao menos no Brasil.
            Diferente de reter o produto, a queima de café seria algo quase impossível de ser auditado, pois tanto a cinza de palha queimada de café quanto a borra de solúvel incinerada pode muito bem passar por grão de café queimado. Desconfiar das boas intenções de nossos concorrentes deveria ser a essência da orientação política brasileira e jamais a péssima aliança que resultou no fiasco da política de retenção.
            Ainda que fosse considerado imprestável para o consumo, o café sob ameaça de queima poderia ainda ter outros destinos mais nobres. A utilização desses grãos num programa de abertura do mercado chinês, através de doações de café solúvel, seria um caminho interessante a ser experimentado. Caso essa estratégia não possa ser implementada, podem preparar-se inúmeros produtos utilizando o café como resíduo agroindustrial, tais como: ração animal, combustível, metanol, vinagre, briquetes de carvão, biogás e aglomerado para construção civil em substituição à pedra britada.
            Mesmo em última instância, não se recomenda considerar a hipótese de queimar café como solução paliativa para a atual crise de preços no mercado, pois se caracteriza pela falta de racionalidade econômica e de viabilidade prática. Tanto o Conselho Deliberativo da Política Cafeeira (CDPC) quanto a APPC deve posicionar-se contrário à essa proposição e se manter firme quanto à exigência de cumprimento das metas do plano de ordenamento do mercado, a única decisão racional tomada até o momento, mas que tem encontrado sócios reticentes na América Central onde estão alguns daqueles que têm erodido o market share brasileiro.
 
 

1 Convênio DESR-ESALQ/USP-IEA-APTA-SAA.

Data de Publicação: 05/04/2001

Autor(es): Luiz Moricochi (moricochi@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor