Café: mercado custa a reagir

            Outubro de 2003 foi mais um mês de expectativas frustradas para os cafeicultores. A retomada das chuvas e as espetaculares floradas intensificaram as especulações quanto à safra brasileira 2003/04. Esse fato dominou o mercado internacional ao longo do mês. Como resultado desta conjuntura, as cotações do produto apresentaram variação negativa.
            Ao se efetuar um balanço, verifica-se certa estabilidade nos mercados de arábica e forte redução nas cotações do robusta. Portanto, em outubro, a tendência de redução nos preços médios nos mercados de café resultou num retorno aos patamares observados em agosto de 2003. No mercado de Nova Iorque, o café arábica (Contrato C, segunda posição de março de 2004) teve baixa de 0,97%; na Bolsa de Londres (cotação para fevereiro de 2004), a queda no preço de robusta chegou a 4,93%; já na BM&F, o arábica atingiu alta de 0,98%. Em função das quedas nas cotações do robusta, o preço composto diário da OIC apresentou redução de 4,29% (gráfico 1).

Gráfico 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados de futuros, 2001 a 2003

Fonte: Gazeta Mercantil

            A forte instabilidade no mercado internacional de café arábica na Bolsa de Nova Iorque, para as cotações de março de 2004, observadas em outubro de 2003, não define uma tendência de preço para o setor. Provavelmente, o mercado deverá posicionar-se somente após a melhor definição da safra futura do Brasil (gráfico 2).

Gráfico 2 - Cotações diárias em setembro na Bolsa de Nova Iorque, para café arábica, Contrato C, Dezembro de 2003

Fonte: Gazeta Mercantil

            Os altos estoques dos principais países importadores, associados ao ainda elevado fluxo de oferta dos países centro-americanos, permanecem como as principais variáveis na formação do preço do café no mercado internacional, além da expectativa de uma safra expressiva de café brasileiro. Com isso, mesmo os menores volumes colhidos, previstos e exportados pelo Brasil, não conseguem uma reversão expressiva na tendência do mercado.
            O cafeicultor brasileiro enfrentou um mês desfavorável em outubro, em que o preço médio recebido caiu 4,71% em relação ao do mês anterior. Isso foi resultado da pequena queda de preço nos mercados internacionais, associada a um Real mais valorizado, reduzindo assim as receitas do setor. A atual política cambial do governo brasileiro (que não atuou no sentido de evitar a valorização da moeda) reduziu em pelo menos 20% os preços recebidos pelo setor em 2003.
            Finalmente, verifica-se alta acumulada de 11,13% para as cotações mensais do café arábica na BM&F, bem como estabilidade para e na Bolsa de Nova Iorque (-0,03%), mesmo considerando as instabilidades das cotações de café nos mercados de futuros nos últimos 12 meses. A alta para o robusta atingiu 7,07% na Bolsa de Londres.
            A trajetória dos preços de café recebidos pelos produtores, em reais, nos últimos 12 meses, aponta para uma queda de 1,96%. Pela análise, percebe-se que em outubro os preços voltaram aos níveis observados em outubro de 2002 (gráfico 3).

Gráfico 3 - Preços médios mensais recebidos pelos produtores de café no Estado de São Paulo no período de 2001 a 2003

 
Fonte: Instituto de Economia Agrícola.


Evolução do exercício das opções em novembro

            Diferentemente daquilo que foi observado durante o exercício das opções ocorrido em setembro, quando proporção significativa dos cafeicultores deixou de exercer as opções preferindo especular com o produto, nesse novo vencimento a realidade alterou-se com mais de 90% dos possuidores de contratos, sinalizando que desejam entregar o produto nos armazéns credenciados pelo governo federal. Esse fato reflete o contexto atual de mercado em que os preços vigentes mantêm-se deprimidos com baixas expectativas de que se venham acomodar em patamares mais favoráveis aos cafeicultores.
            O atual ciclo de cotações deprimidas aparenta ser mais prolongado do que aqueles ocorridos anteriormente. Muito se especula sobre as razões desse maior prazo para a reversão do ciclo de baixa. Diversos fatores interagem para que esse período se prolongue: a) apenas ligeira diminuição do fluxo de comercialização; b) safras maiores do que aquelas oficialmente estimadas, especialmente a brasileira; c) maior produtividade dos cafezais com a adoção de novas e modernas tecnologias agronômicas com repercussões favoráveis sobre os custos de produção; e d) crescimento acelerado da oferta de café robusta, de menor preço, com aumento concomitante de seu uso por parte das torrefadoras dos principais países produtores.
            Esses fatores, tomados em seu conjunto, devem permanecer pressionando negativamente as cotações vigentes no mercado. Somente a partir de uma definição bastante consistente sobre a dimensão da safra brasileira, em 2004, poderá iniciar-se um novo período de recuperação das cotações.

Concentração do capital no segmento da exportação

            Recentemente, a imprensa especializada noticiou com ênfase o já antigo fenômeno da concentração do segmento exportador. A notícia relatava que cerca de 60% das exportações de café verde eram geridas por apenas 10 operadores. Embora se perceba relativo aumento da participação das dez maiores empresas, esse fato não deveria causar surpresa, pois tal tendência tem ocorrido em quase todos os segmentos econômicos, notadamente pós-desregulamentação implementada ao princípio de 1990.
            A trajetória de concentração entre exportadores deve aprofundar-se. Tal hipótese é plausível na medida em que se considera o grau de oligopolização dos importadores, com cinco firmas adquirindo quase a metade de todo o café transacionado no mundo. Ademais, face à péssima qualidade do ajuste brasileiro (depreciação cambial, aumento da carga tributária e taxas de juros elevadas), somente firmas com porte empresarial avantajado serão capazes de viabilizar-se nesse tipo particular de estrutura econômica.

Mais pressão sobre o caixa do Governo

            Tradicionais lideranças da produção voltaram mais uma vez a se articular no sentido de pressionar o governo, especificamente o Ministério da Agricultura, para obter novas benesses para o segmento.
            As sugestões mais polêmicas são: a) reprogramação (mais uma) dos vencimentos das operações de crédito da cafeicultura; b) equalização (leia-se subsídio) dos recursos de crédito rural para a cafeicultura; c) ordenamento da safra; e d) reestruturação (sic) do Funcafé. Essas solicitações de caráter econômico são pouco exeqüíveis, pois é necessário que se conquiste maior transparência nas ações.
            Por que as lideranças não solicitam que seja divulgada a lista dos devedores dos empréstimos efetuados com recursos do Funcafé, que agora pretendem fortalecer? Essa medida simples poderia ter imenso impacto sobre todo o mercado, sinalizando o amadurecimento das lideranças do segmento. Outra ação muito mais eficaz seria o esforço pelo aumento da qualidade do produto para minimizar a proporção de PVA (preto, verde e ardido) comercializada pelos cafeicultores e projetos de certificação e rastreabilidade do produto.
            Outras medidas são menos problemáticas, mas de difícil compreensão. Ou seja, solicitam-se a criação de um centro de inteligência e um mapeamento do parque e da economia cafeeira. Essas mesmas lideranças empenharam-se em desbaratar o núcleo de pesquisa em sócio-economia do Consórcio de Pesquisa e Desenvolvimento do Café, esvaziando os recursos e desqualificando o estudo e documentos elaborados por ele. Esse núcleo focava exatamente tais aspectos ora demandados, reunindo os mais conceituados especialistas em mercado e estatísticas cafeeiras.
            Tudo indica que tais lideranças buscam novas estruturas para a cadeia do café, quando as restrições de recursos governamentais para o setor se aprofundam, inclusive comprometendo todo o esforço para a melhoria das previsões de safras, bem como o programa de pesquisa do Consórcio, que se encontra em desenvolvimento.
            Esperamos que não falte lucidez aos técnicos do governo federal nesse momento. Eterna vigilância sobre o uso eficiente dos recursos públicos é o que se recomenda, com a implementação de políticas públicas para viabilizar o custeio dos produtores e induzir a cadeia produtiva na gestão do fluxo de comercialização, visando não deprimir os preços atuais.

Data de Publicação: 24/11/2003

Autor(es): Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor