Queda no Rebanho e na Produção de Leite no Estado de São Paulo, 2005 A 2014

Tradicional produtor de leite, mas responsável apenas por 10,2% do total de leite cru entregue aos laticínios sob inspeção federal no Brasil1, o Estado de São Paulo se vê, nos últimos dez anos, em trajetória decrescente em relação ao tamanho do rebanho leiteiro e à produção de leite.

Com base nessa tendência de queda, o objetivo deste trabalho será determinar a taxa de crescimento das variáveis envolvidas. A determinação da taxa requer o cálculo da regressão2 dos dados após aplicação da base logarítmica. Utiliza-se como a variável independente (x) o tempo e como a variável dependente (y) o número de cabeças, a área de pastagem e a produção de leite. Finalmente, o cálculo exponencial do resultado da regressão fornece a taxa de crescimento anual, que nada mais é do que o logaritmo da variável dependente contra o tempo.

Na bovinocultura, de leite ou de corte, a pastagem é um insumo de grande importância, pois a criação extensiva é dependente da disponibilidade de área3. No Brasil, a criação extensiva é bastante comum e é feita pela maior parte dos criadores. O Estado de São Paulo tem apresentado quedas constantes em hectares de pastagens nos últimos dez anos, de acordo com os dados do levantamento subjetivo do IEA. Entre 20054 e 2014, houve a perda em pasto natural e pasto cultivado de 3.312 mil hectares. A redução na área de pastagem é frequentemente associada à demanda de terra por outras atividades de maior rendimento por hectare; no período analisado, as culturas da cana-de-açúcar e do eucalipto foram as que demandaram maior espaço5.

Aplicando-se a metodologia6, verifica-se a taxa de crescimento negativa de 4,3% ao ano para a área de pastagem, indicando que, em dez anos, essa restrição à criação extensiva de bovinos foi um obstáculo constante que a atividade teve de encontrar alternativas para superar.

A população bovina do estado corresponde aproximadamente a 4,9% do rebanho brasileiro, segundo o IBGE7. O número total de bovinos no Estado de São Paulo, conforme dados do IEA/CATI, foi estimado em 10,3 milhões de cabeças (Figura 1) e, da mesma forma que na

 

área de pastagem, houve uma taxa de crescimento negativa de 3,4% ao ano para o total de animais. De acordo com o número de bovinos desagregados e classificados por aptidão do rebanho (corte, leite e misto) (Figura 1), verificou-se que a categoria misto apresentou a maior queda na taxa de crescimento anual (4,0 %), seguida pelo rebanho de corte e leiteiro, que tiveram o mesmo decréscimo (3,4%).

A redução na área disponível à criação de bovinos e a redução no número total de animais é coerente e pode indicar que a atividade está se readequando às condições do Estado quanto a demanda por área de outras atividades, ou seja, a pecuária extensiva perde espaço frente a outras explorações8.

Há também uma clara inclinação negativa da curva na produção de leite (Figura 2), que se traduz na taxa de crescimento negativa em 2,0% ao ano no estado. Comparando-se à queda de 3,4% ao ano do rebanho leiteiro, verifica-se que há um descompasso entre elas, e uma das hipóteses para explicar o fato é o melhor rendimento do rebanho.

Os resultados obtidos para o rebanho leiteiro e respectiva produção sinalizam a tendência da configuração estadual do efetivo leiteiro, bem como a tendência de sua produção nos últimos dez anos.

Segundo MilkPoint9, o número de produtores de leite no Brasil está em declínio e a quantidade média de litros de leite entregue por produtor está aumentando. Aparentemente, os produtores que permaneceram na atividade têm um rendimento maior por animal e os que estão deixando de produzir o fazem principalmente pela demanda por área de outras atividades e pelos altos custos de produção do leite, em especial o da mão de obra.

 

O convívio de diferentes níveis de tecnologias, tanto na produção primária como na industrialização, torna o resultado final (o leite produzido propriamente dito) uma incógnita do ponto de vista qualitativo e quantitativo.

A trajetória decrescente do rebanho e da produção de leite no estado está ligada a diversos fatores e um deles é a mudança tecnológica que foi implementada pela indústria do leite a partir da introdução do processo de pasteurização Ultra High Temperature (UHT). Este processo de pasteurização permitiu que o fator distância e tempo reduzisse drasticamente sua participação na circunscrição a que a produção e os mercados consumidores eram submetidos10. Essa tecnologia permitiu à indústria de beneficiamento do leite o aumento na vida útil do seu produto e a eliminação da necessidade de refrigeração nos pontos de distribuição da rede varejista para o leite fluido. O resultado da mudança foi o aumento da concorrência entre os estados produtores que passaram a distribuir leite UHT ou longa vida em âmbito nacional. O arranjo da cadeia do leite se modificou e o varejo ganhou certa “independência” do atacado por comercializar o leite longa vida. Principalmente em São Paulo, que há dez anos comercializava em maior quantidade o leite fluido refrigerado, o atacado perdeu força em relação ao varejo e começou a sofrer concorrência com a produção de outros estados. A reação no segmento de beneficiamento foi o início de grandes fusões entre laticínios na busca por economia de escala, em que plantas industriais com capacidade de processamento de 200 a 300 mil litros/dia passaram a 1 milhão de litros/dia11.

Em resumo, a base leiteira dentro do Estado de São Paulo no período de 2005 a 2014 tem decaído, no número de indivíduos que representam a população de bovinos de leite em 3,4% ao ano e na produção com uma redução de 2,0% ao ano. A produção de leite paulista, ainda frente às atividades econômicas do estado, é importante e está situada na quinta posição no ranking do valor total da produção paulista do agronegócio12. No texto, foram abordados alguns aspectos, tanto do setor primário, quanto do setor do beneficiamento do leite, que possivelmente ajudam a explicar o comportamento do setor. Na produção leiteira, a limitação pelos custos crescentes e do rendimento decrescente parece estar influindo na migração dos produtores para outras atividades, mais competitivas economicamente, por exemplo para cana-de-açúcar13.

Para permanecerem na atividade, os produtores devem manter em seus rebanhos vacas leiteiras que apresentem resultados em produção de leite que cubram seus custos totais, principalmente o de alimentação, e isso parece que só é possível em rebanhos tecnificados e de grande produção14.

Somam-se ao quadro de dificuldades que o setor enfrentou15 o grau de competição entre os laticínios do país a partir do leite UHT, a competição com os produtos lácteos de alguns países16 do MERCOSUL e as fusões que ocorreram no setor de laticínios paulistas. Algumas hipóteses foram colocadas para tentar explicar o comportamento do segmento leiteiro do Estado de São Paulo em número de indivíduos e produção; novos trabalhos são necessários para a verificação destas. Porém, acredita-se que a criação animal do estado parece mostrar um novo arranjo, que passa pela seleção de produtores mais técnicos, com economia de escala e cujo rendimento seja compatível com a viabilidade econômica da atividade. 

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1INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA - IBGE. Estatística da produção pecuária. Rio de Janeiro: IBGE, mar. 2015.

 

2RAMANATHAN, R.  Introductory econometrics: with applications.  United States of America: The Dryden Press, 1998. 664 p.

3HOFFMANN, A. et al. Produção de bovinos de corte no sistema de pasto-suplemento no período seco.  Nativa, Mato Grosso, v. 2, n. 2, abr./jun. 2014. Disponível em: <http://periodicoscientificos.ufmt.br/ojs/index.
php/nativa/article/view/1298>. Acesso em: 20 maio 2015.

 

4Também conhecido por Levantamento Subjetivo, é realizado em todos os municípios, nos meses de fevereiro, abril, junho, setembro e novembro, sendo que em junho (previsão) e novembro (estimativa final) inclui em sua pesquisa questões sobre a população e a produção animal do estado. As informações sobre as cadeias animais, levantadas nos meses de junho e novembro, têm por base os municípios e são relativas às populações e às produções animais do Estado de São Paulo, agrupadas por Escritório de Desenvolvimento Rural (EDR) e totalizadas para o Estado São Paulo, sendo disponibilizadas no INSTITUTO DE ECONOMIA AGRÍCOLA - IEA. Banco de dados. São Paulo: IEA. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/out/bancodedados.html>. Acesso em: 15 maio 2015; SÉRIE Informações Estatísticas da Agricultura. São Paulo: IEA, 2005-2013 (Anuário IEA). Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br/out/publicacoes/anuario.php>. Acesso em: 15 maio 2015.

 

5OLIVETTE, M. P. de A. et al. Evolução e prospecção da agricultura paulista: liberação da área de pastagem para o cultivo da cana-de-açúcar, eucalipto, seringueira e reflexos na pecuária, 1996-2030. Informações Econômicas, São Paulo, v. 41, n. 3, mar. 2011. Disponível em: </ftpiea/publicacoes/IE/2011/tec4-0311.pdf>.  Acesso em: 20 maio 2015.

 

6Op. cit. nota 2.

 

7Op. cit. nota 1.

 

8BACCARIN, J. G.; ALEIXO, S. S. Distanciam-se Produção e Consumo de Leite em São Paulo. Segurança Alimentar e Nutricional, Campinas, v. 20, n. 1, p. 62-79, 2013.

 

9Cai o número de produtores de leite do país. MilkPoint, São Paulo, 11 set. 2013. Disponível em: <http://www.milkpoint.com.br/cadeia-do-leite/giro-lacteo/cai-o-numero-de-produtores-de-leite-do-pais-85477n.aspx>. Acesso em: jan. 2015.

 

10Op. cit. nota 8.

 

11Op. cit. nota 8.

 

12SILVA, J. R. da et al.  Valor da produção agropecuária do Estado de São Paulo, prévia 2014. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 9, n. 11, nov. 2014. Disponível em: <http://www.iea.sp.gov.br
/out/LerTexto.php?codTexto=13541>. Acesso em: maio 2015.

 

13Op. cit. nota 8.

 

14GOMES, S. T. Educampo: um projeto que dá lucro. Departamento de Economia Rural, Minas Gerais, jul. 2010. Disponível em: <http://www.ufv.br/der/docentes/stg/stg_artigos/stg_artigos.htm>. Acesso em: 12 maio 2015.

 

15Op. cit. nota 8.

 

16A partir de 1991, o governo federal deixa de regular o mercado interno e promove a abertura comercial entre os países do cone sul com a constituição do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), quando passa a complementar sua produção com produtos lácteos, principalmente da Argentina. 

Palavras-chave: taxa de crescimento, Levantamento Subjetivo IEA/CATI, efetivo e produção da bovinocultura de leite, consumo.

Data de Publicação: 11/06/2015

Autor(es): Carlos Roberto Ferreira Bueno Consulte outros textos deste autor