Fértil Incerteza

 


A expansão da agropecuária brasileira tem sido elemento crucial para a sustentabilidade do crescimento econômico do país. Os seguidos recordes de exportações de mercadorias com origem nos agronegócios permitiram ao Brasil acumular expressivos saldos comerciais em sua balança de transações com o exterior, amenizando os deficits registrados nos negócios envolvendo os demais ramos da produção (indústria e serviços).

O crescimento da oferta de mercadorias do agro, historicamente, não tem sido acompanhado pela concomitante expansão da oferta nacional de fertilizantes. A cada ciclo produtivo, incrementa-se a dependência das compras internacionais. Dados compilados da Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA) evidenciam que as importações saltaram de 24,9 milhões de toneladas em 2018 (janeiro a novembro) para 35,6 milhões de toneladas em 2021, ou seja, crescimento de 43,30% no quadriênio1.

Em contrapartida, para o mesmo período considerado, a produção nacional de fertilizantes reduziu de 7,44 milhões de toneladas (jan.-nov./2018) para 6,33 milhões de toneladas (jan.-nov./2020), representando diminuição de 14,91%2.

Somadas as importações à produção nacional se obtém a quantidade entregue de fertilizantes. Entre janeiro de novembro de 2021, o total das entregas alcançou 42,5 milhões de toneladas, representando expansão de 14,2% em comparação a igual período do ano anterior.

As importações brasileiras de fertilizantes ao longo da última década vinham se mantendo entre os US$6,0 bilhões e US$9,0 bilhões. Entretanto, em 2021, ocorreu uma escalada exponencial nas despesas que somaram US$15,16 bilhões, ou seja, 88,90% de incremento nas despesas com compras de fertilizantes. Comparativamente, em termos de quantidades, o salto foi de apenas 21,39% comparado a 2020. Portanto, a maior responsabilidade na majoração das despesas decorre da elevação dos preços médios das compras que alcançaram US$365/t, representando o segundo mais alto valor médio para o produto, sendo superado apenas pelo preço médio do triênio 2011 a 2013, quando alcançou US$392/t (Figura 1).

Se por um lado o crescimento da demanda por fertilizantes denota a progressiva adoção de tecnologia agronômica no campo, com efetivos reflexos sobre a produtividade das lavouras (caso o andamento do clima favoreça), os custos dessa gigantesca dependência de fornecimento externo dos fertilizantes, associado ao caráter estratégico representado por tais insumos (NPK e formulações), consiste em efetiva barreira para a continuidade da trajetória precedente.

 

As cotações dos fertilizantes nitrogenados têm relação direta com o mercado do petróleo, pois o gás natural é o principal insumo empregado em sua fabricação. A partir do segundo semestre de 2020, ocorre aceleração nas cotações do petróleo, atingindo patamares acima dos US$100/barril em fevereiro de 2022 (Figura 2).

Fenômeno similar ao observado para o caso das cotações do petróleo acometeu os fertilizantes. A desvalorização do real implicou em preços de importação ascendentes para o produto que já registrava expressivas altas muito antes do aumento das tensões nas bordas europeias dos montes Urais. Tal incremento de custos para a implantação das lavouras de verão (safra 2020/21) foi, facilmente, absorvido em razão do ainda maior aumento das cotações das commodities nas bolsas internacionais (relação de troca favorável aos produtores rurais). Entretanto, no atual contexto, mais que a elevação dos preços dos fertilizantes, o maior temor é o do iminente desabastecimento.

 

O principal parceiro comercial do Brasil no fornecimento de fertilizantes é a Rússia, seguida por China, Canadá e Marrocos (Figura 3). Em 2021, esses quatro países perfizeram, aproximadamente, 55% do total importado pelo país. Acrescentando a origem bielorrussa às compras brasileiras, o montante importado superou os 60% no período.

Especificamente para o caso russo, o Brasil vinha aumentando paulatinamente suas aquisições. No quinquênio de 2017 a 2021, o volume importado saltou de 5,6 milhões de toneladas para 9,3 milhões de toneladas, ou seja, expansão de 66% no período. Diante desse avanço russo no suprimento brasileiro, dificilmente o país conseguirá substituir essa origem, pois outros países demandadores de fertilizantes também estarão buscando alternativas para garantir o abastecimento.

As lavouras de soja, milho e algodão, conjuntamente com a de cana-de-açúcar, serão as mais afetadas pela escassez de fertilizantes (NPK), uma vez que respondem por quase 70% do total das entregas do produto (Figura 4). Em 2021, estimou-se que a cultura da soja tenha demandado 17,39 milhões de toneladas de fertilizantes, representando isoladamente 4,07% de incremento da demanda frente ao ano anterior3.

 

As sanções ocidentais em resposta à invasão russa na Ucrânia trarão graves consequências para sua economia, paralisando completamente os negócios e as possibilidades de transferências de pagamentos por meio do sistema interbancário. Ademais, navios cargueiros tendem a evitar as zonas sob conflito, impedindo inclusive que encomendas já contratadas sejam concretizadas. Apenas a desorganização logística, sem a incidência de travas financeiras, já seria suficiente para um colapso no abastecimento global.

A irrupção da guerra e seus reflexos numa potencial crise no abastecimento de fertilizantes tornou-se assunto de âmbito da segurança nacional. A incapacidade brasileira em buscar autonomia na produção desse insumo estratégico para o agronegócio fica evidenciada nesse momento, obrigando as autoridades e empresas do segmento a buscar alternativas para atender a demanda.

No estado de São Paulo, o cenário de escassez de fertilizantes pode ser ainda mais acentuado, em decorrência da maior dependência das importações russas (35,9%) (Figura 5). Aproximadamente, em 2021, 60% das compras paulistas se concentraram em três países: Rússia, China e Canadá. Possuindo menor diversificação de origens, comparativamente ao observado para o caso brasileiro, o estado de São Paulo poderá ser o que mais evidenciará os impactos do colapso do fornecimento russo e bielorrusso.

 

Em 2021, o estado de São Paulo registrou expansão real de 13% no Valor da Produção Agropecuária4, totalizando R$122,5 bilhões. Esse maior montante foi majoritariamente formado pela escalada de preços das commodities produzidas no estado. A valorização das cotações dessas mercadorias nas Bolsas Internacionais sinaliza, aos tomadores de decisão do agro, o fortalecimento de seus investimentos em tecnologias agronômicas, sendo a aplicação de fertilizantes (inicial e coberturas) das mais relevantes para a obtenção de ganhos de produtividade da terra. A escassez de fertilizantes nubla esse cenário, tornando incerta as possibilidades de expansão da renda agropecuária em 2022.

Paralelamente, uma produção mais modesta terá impactos no saldo da balança comercial do setor, responsável até hoje pela formação do expressivo saldo comercial acumulado pelo país na última década. Outros fatores de risco se associam à economia brasileira: pleito eleitoral, inflação, elevado índice de desemprego, crescimento da dívida pública como percentual do PIB e menor resultado da balança comercial.

1ANDA – Associação Nacional para Difusão de Adubos, Pesquisa Setorial. São Paulo: ANDA, 2022. Disponível em: http://anda.org.br/pesquisa_setorial/. Acesso em 03 mar. 2022.

 

2Op. cit. nota 1.

 

3Outlook GlobalFert 2021. Disponível em: https://globalfert.com.br/OGFposEvento/arquivo/Outlook-GlobalFert-2021.pdf. Acesso em: mar. 2022.

 

4SILVA, J. R. da et al. Valor da Produção Agropecuária do Estado de São Paulo: resultado preliminar 2021. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 16, n. 12, p. 1-6, dez. 2021. Disponível em: http://www.iea.sp.gov.br/ftpiea/AIA/AIA-52-2021.pdf.Acesso em mar. 2022.


Palavras-chave: importações de fertilizantes, consumo de fertilizantes, guerra russo ucraniana.

 

 

 

 

 

 

COMO CITAR ESTE ARTIGO

VEGRO, C. L. R.; ANGELO, J. A.; OLIVEIRA, M. D. M.; GHOBRIL, C. N. Fértil Incerteza. Análises e Indicadores do Agronegócio, São Paulo, v. 17, n. 3, p. 1-6, mar. 2022. Disponível em: colocar o link do artigo. Acesso em: dd mmm. aaaa.

Data de Publicação: 21/03/2022

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
José Alberto Angelo (jose.angelo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Marli Dias Mascarenhas Oliveira (marlimascarenhasoliveira@gmail.com) Consulte outros textos deste autor
Carlos Nabil Ghobril (nabil@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor