Café: 2005 foi o fim da Via Crucis?

 

           O café arábica novamente esboçou cotações em queda ao longo de dezembro último, a níveis próximos aos observados em janeiro de 2005, embora o pico de alta ocorrido no primeiro trimestre tenha gerado um preço médio anual 40,98% maior que a média anual de 2004. As cotações de dezembro para o produto continuaram sobre a forte pressão das especulações em torno da previsão da safra brasileira, estimada em seu limite superior em 43,58 milhões de sacas para a próxima temporada.
            Nesse contexto, os preços futuros tenderam para queda, mesmo levando em conta o intenso inverno no Hemisfério Norte, período que tradicionalmente apresenta demanda aquecida. Ademais, vários indicadores de estoque e consumo alvitram que o atual e o próximo anos-safra são períodos em que a oferta não terá condições de atender à demanda mundial para o produto.
            Na Bolsa de Nova Iorque, as cotações do arábica caíram 3,14%, em relação à cotação média de novembro (Contrato C, segunda posição). Na Bolsa de Londres, o robusta registrou maior crescimento (de 11,31% para a segunda posição), devido à menor oferta no mês dos países asiáticos. No mercado de futuros da BM&F, o preço do arábica teve recuo de 4,71% também para a segunda posição. O indicador OIC-Composto diário apresentou ligeira alta de 0,75% em relação à média do índice de novembro, puxado pela alta do robusta (gráfico 1).

Gráfico 1 - Cotações médias mensais do café em diferentes mercados de futuros (segunda posição) e do OIC-Composto diário, 2003 a 2005

                                                            Fonte: Gazeta Mercantil
 

            O diferencial das cotações observadas entre BM&F e Nova Iorque subiu para US$ 8,09 a saca, cerca de 30,06% superior à média do mês anterior, parcialmente influenciado pela desvalorização de 6,06% do Real em dezembro. Todavia, esse diferencial é atualmente menos da metade do observado em 2004. Ademais, o progressivo reconhecimento da melhoria da qualidade do produto brasileiro, associado a sua menor disponibilidade (tendo em vista a redução das exportações ocorridas nos últimos meses), contribuiu para o largo estreitamento do diferencial.
            As cotações do arábica, contrato C, segunda posição, na Bolsa de Nova Iorque, exibiram tendência de queda na primeira quinzena de dezembro, quando então foi iniciada forte recuperação, pautada pela sensata constatação por parte dos agentes de mercado da redução de estoques nos países tanto produtores quanto consumidores (gráfico 2).

Gráfico 2 - Cotações diárias em dezembro de 2005 na Bolsa de Nova Iorque, para café arábica, Contrato C, segunda posição

                                                                  Fonte: Gazeta Mercantil

            O mercado de robusta, na Bolsa de Londres, manteve tendência de alta em dezembro, devido à restrição de oferta nos países asiáticos ao longo do mês. O comportamento das cotações nesse mercado em outubro, segunda posição, pode ser verificado no gráfico 3.

Gráfico 3 - Cotações diárias para o café robusta, segunda posição, na Bolsa de Londres, no mês de dezembro de 2005

                                                              Fonte: Gazeta Mercantil

            Ao comparar as cotações médias anuais para a segunda posição nos diferentes mercados, verifica-se que, em 2005, ocorreu forte recuperação. As cotações médias em dólar corrente no ano superaram os patamares observados em 2000, último ano do derradeiro ciclo de alta do café (gráfico 4).

Gráfico 4 - Cotações médias anuais do café em diferentes mercados de futuros (segunda posição) e do OIC-Composto diário, 2000 a 2005

"

                                                                      Fonte: Instituto de Economia Agrícola

            Na BM&F, a evolução dos preços do arábica, segunda posição, cotados em dólar por saca em dezembro, indicou variação positiva acumulada de 4,57% no ano. No mercado de Nova Iorque, os preços do arábica, contrato C, segunda posição, caíram 0,58% em 2005, praticamente voltando aos níveis de dezembro de 2004. As cotações do robusta no mercado de Londres, segunda posição, tiveram variação acumulada de 48,71%. A estimativa do OIC-Composto apresentou crescimento acumulado de 12,14%, em 2005, fortemente influenciada pelos atuais preços praticados para o robusta.
            Na cafeicultura paulista, as cotações médias em dezembro do arábica caíram 1,34% em relação à média de novembro, decorrentes da transmissão da baixa nas cotações internacionais. Mesmo fato ocorreu ao longo do ano com queda de 4,69% (gráfico 5).

Gráfico 5 - Preços médios mensais recebidos pelos produtores de café arábica, Estado de São Paulo, 2002 a 2005

                                                             Fonte: Instituto de Economia Agrícola

            Ao comparar o preço médio recebido pelos cafeicultores em 2005, em relação à média do ano anterior, verifica-se que foram 31,83% mais elevados, devido às fortes altas que ocorreram no primeiro trimestre. Já os preços recebidos em valores reais, corrigidos pelo IPCA (Índice de Preços ao Consumidor Amplo) do IBGE, mostram crescimento de forma contínua a partir de 2001. O preço médio real recebido em 2005 foi cerca de 11,39% superior ao de 2000 (gráfico 6).

Gráfico 6 - Preços médios anuais recebidos pelos produtores de café arábica, Estado de São Paulo, em valores nominal e real de 2005, nos anos de 2000 a 2005

                                                                  Fonte: Instituto de Economia Agrícola

            Apesar do aumento do preço médio anual recebido pelos produtores, as cotações observadas no segundo semestre de 2005 trouxeram desalento ao segmento. Parte do desânimo se deve à valorização do Real e à conseqüente redução de suas receitas.
            Para avaliar esta perda, basta comparar as cotações de segunda posição do café arábica na BM&F, pois a variação no ano exibe ganho acumulado de apenas 4,57%. Porém, obtém-se uma queda de 12,20% quando se transformam as cotações em reais, diariamente, nos últimos doze meses e se calcula a nova variação acumulada. Isto indica que a diferença de 16,77 pontos percentuais foi absorvida pelo câmbio, cuja forte valorização efetivamente reduziu a renda em real dos produtores brasileiros de café.

Desempenho das exportações mundiais

            Entre dezembro de 2004 e novembro de 2005, segundo dados da Organização Internacional do Café (OIC)1, as exportações globais de café em volume apresentaram baixa frente a igual período de 2004. Foi contabilizado queda de 2,18%, embora os embarques da origem colombiana tenham apresentado incremento substancial de 6,68% no período (tabela 1).

Tabela 1 - Exportações mundiais de café, por tipo, dez./2003 a nov./2005
(em sc/60 kg)

Tipo
Dez./03 a nov./04
Nov./04 a dez./05
Variação (%)
Colombiano
11 353 559
12 111 788
6,68
Outros suaves
21 312 668
19 642 282
-7,84
Naturais brasileiros
26 195 649
25 951 546
-0,93
Robusta
31 096 507
30 291 138
-2,59
Total
89 958 383
87 996 754
-2,18

Fonte: Elaborado a partir de dados básicos da OIC

            Os naturais brasileiros exibem a primeira queda de volume no ano (0,93%). As informações preliminares dos negócios realizados em dezembro revelam que tal volume deva apresentar outra baixa ainda maior. As exportações de outros suaves e de robustas foram as que mais declinaram no período, com redução de 7,84% e de 2,59%, respectivamente.
            Com o encerramento do ano, as estatísticas da OIC deverão anotar maior desaceleração dos embarques, com amplificação da queda nas exportações frente a 2004, sinalizando estreita oferta no princípio de 2006. Isto, ainda que se observe ligeiro incremento nas transações das origens centro-americana e colombiana, pois nessas duas regiões inicia-se o período em que se concentra o maior volume de colheita.
            No caso dos embarques do café robusta, permanecem os efeitos provocados pelos distúrbios climáticos sobre os cinturões vietnamitas que, paulatinamente, configuram uma recuperação.

Tabela 2 - Exportações de café, todos os tipos, novembro 2004 a novembro 2005
(em sc/60 kg)

Tipo
nov./ 2004
nov./ 2005
Variação (%)
Colombiano
1 037 915
1 074 295
3,51
Outros suaves
1 231 765
1 092 658
-11,29
Naturais brasileiros
2 587 410
2 055 636
-20,55
Robusta
2 039 354
2 197 601
7,76
Total
6 896 444
6 330 190
-8,21
Fonte: Elaborado a partir de dados básicos da OIC

            Confirmando a assertiva acima formulada, já em novembro de 2005 o produto brasileiro aparece com queda nos embarques de 20,55%, seguido dos outros suaves com declínio de 11,29% (tabela 2). Os incrementos nas exportações colombianas e dos produtores de robusta não foram suficientes para neutralizar a queda global de 8,21% das transações no confronto dos períodos.

Evolução das exportações brasileiras

            Em 2005, as receitas auferidas pelas transações apresentaram substancial incremento, com elevação de 44% frente a 2004, segundo dados do Conselho dos Exportadores de Café do Brasil (CECAFE)2. Isto representa faturamento de aproximadamente US$2,9 bilhões, valor esse que não era observado desde 1997, malgrado a queda de 1,5% no volume remetido ao exterior.
            Entre janeiro a novembro de 2005, as exportações alcançaram 23,80 milhões de sacas de café, das quais 19,52 milhões de arábica e 3,16 milhões em equivalente verde de solúvel. Esse volume de embarques supera em apenas 0,74% o observado no mesmo período do ano anterior (tabela 3).

TABELA 3 - Exportações brasileiras de café, todos os tipos, janeiro a setembro de 2005
(em sc de 60 kg)

Mês
Conillon
Arábica
Torrado
Verde
Solúvel
Total
Jan.
16.512
1.969.856
3.887
1.990.255
265.038
2.255.293
Fev.
31.376
1.527.251
3.642
1.562.269
248.243
1.810.512
Mar.
45.539
2.442.926
4.912
2.493.377
315.361
2.808.738
Abr.
43.184
1.720.512
3.894
1.767.590
267.173
2.034.763
Mai.
95.422
1.793.941
5.528
1.894.891
362.515
2.257.406
Jun.
162.060
1.618.377
4.582
1.785.019
255.218
2.040.237
Jul.
212.131
1.425.949
6.451
1.644.531
311.142
1.955.673
Ago.
152.908
1.837.078
2.201
1.992.187
267.579
2.259.766
Set.
72.067
1.495.869
3.530
1.571.466
211.613
1.783.079
Out.
106.954
1.794.939
7.907
1.909.800
273.365
2.183.165
Nov.
90.739
1.831.107
2.717
1.924.563
291.045
2.215.608
Total
1.070.991
19.525.232
49.860
20.646.083
3.158.189
23.804.272
Fonte: Elaborado a partir de dados do CECAFE

            O resultado verdadeiramente favorável é revelado pela receita cambial capturada pelas transações, especialmente aquelas advindas das vendas de arábica com US$2,2 bilhões e de solúvel com US$339 milhões até novembro. Vigorosos têm sido os embarques de café solúvel, robustecendo ainda mais os resultados favoráveis do segmento (tabela 4).

Tabela 4 - Exportações brasileiras de café, todos os tipos, jan./nov. 2005
(em US$)

Mês
Conillon
Arábica
Torrado
Verde
Solúvel
Total
Jan.
871
180.480
747
182.098
24.475
206.573
Fev.
1.758
148.846
716
151.320
24.943
176.263
Mar.
2.670
267.908
959
271.537
31.274
302.811
Abr.
2.627
208.624
630
211.881
27.340
239.221
Mai.
6.052
217.696
1.570
225.317
36.745
262.062
Jun.
10.969
196.663
868
208.500
29.173
237.673
Jul.
15.197
175.494
1.307
191.998
36.375
228.373
Ago.
13.147
223.766
570
237.484
30.043
267.527
Set.
4.765
176.132
695
181.592
24.884
206.476
Out.
7.277
209.142
1.785
218.204
32.239
250.443
Nov.
6.367
211.893
561
218.821
34.326
253.147
Total
72.146
2.221.198
10.419
2.303.763
339.063
2.642.826
Fonte: Elaborado a partir de dados do CECAFE

Prioridades para a política cafeeira

            Significativo amadurecimento foi revelado pelos gestores da política cafeeira brasileira, ao afastarem, definitivamente, o fantasma das intervenções espúrias no mercado de café. Ao que parece, esse foi o principal resultado da conferência internacional de Salvador. Assim, é de se esperar que as ações vindouras sejam pautadas pela racionalidade e planejamento econômico.
            O incremento dos montantes de crédito de custeio e os financiamentos para a realização da colheita são as prioridades na atual temporada. Em se tratando de safra elevada, conviria aos gestores da política cafeeira prepararem leilões de contratos de opções. Tal medida, além do potencial educativo junto aos cafeicultores, poderia auxiliar no ordenamento da oferta de produto ao longo do ano. No mesmo rol de prioridades políticas, devem ser agregados os esforços de marketing e de P&D em café.
            Devem ainda ser salientados os esforços privados com o intuito de robustecer o agronegócio café. Merecem destaque e integral apoio a criação do Centro de Inteligência do Café; os esforços da ABIC com o Programa de Qualidade do Café e o Programa Setorial Integrado varejista - esse último em parceria com a APEX -; o foco no incremento das exportações de café torrado e moído; o trabalho das Câmaras Setoriais Estaduais, especialmente a paulista, com as campanhas de qualidade do café e os concursos de qualidade da bebida, associados ao lançamento de edições comemorativas junto à rede.

____________________________
1 OIC: www.ico.org
2 CEDAFE:www.cecafe.com.br
3 Artigo registrado na CCTC-IEA sob número HP-005/2006

Data de Publicação: 09/01/2006

Autor(es): Nelson Batista Martin (nbmartin@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor