Cafés do Brasil: exportação com maior valor agregado exige estratégia e persistência

            Tornou-se lugar comum, inclusive nos comentários tecnicamente pouco embasados de altos dirigentes da República, dizer que a Alemanha, sem plantar um pé de café, consegue reexportar o produto em proporções próximas a todo o negócio exportador brasileiro. Diante desse contexto, a Agência para Promoção das Exportações (APEX) e o Sindicato da Indústria do Café do Estado de São Paulo (SINDICAFESP) estabeleceram parceria visando incrementar as exportações de café torrado e moído (T&M) processado no País1.
            Após quatro anos de esforços, alguns resultados são bastante animadores como a boa aceitação de selecionadas marcas de café brasileiro apresentadas no Ano do Brasil na França. Bons resultados foram colhidos nas feiras internacionais, em que o estande brasileiro de café foi bastante procurado visando à celebração de negócios.
            Nos Estados Unidos, pesquisa sobre qualidade do café comprado nas gôndolas dos supermercados revelou que a melhor relação qualidade versus preço era de produto de tradicional torrefadora do Estado de Minas Gerais. Os japoneses, já tradicionais compradores do café orgânico, passaram a se interessar pelos outros tipos como o gourmet e o grão torrado para expresso.
            Enfim, o Brasil começa a chamar a atenção dos clientes internacionais para sua excelência em termos de cafés prontos para o consumo. Esse fenômeno já repercute na evolução do saldo da balança comercial de café T&M (tabela 1)

Tabela 1 – Volume e valor das exportações brasileiras de T&M, 2000 a 2006, Brasil

Ano
Valor
(U$)
Volume
(kg)
Variação
% Valor 
% Volume
2000
3.076.036
1.127.371
-
-
2001
4.306.109
3.234.510
39,9
186,9
2002
5.730.158
5.118.490
33,0
58,2
2003
12.836.705
5.461.933
124,0
6,7
2004
8.341.194
2.650.161
-35,0
-51,4
2005
16.591.198
4.149.990
98,9
56,6
20061
5.869.031
1.309.328
-
-
1Apenas o primeiro trimestre do ano
Fonte: MDIC – Sistema Alice. Disponível em www.alice.gov.br

            Os dados acima revelam mudança substancial no patamar das exportações de café T&M após o esforço de promoção do produto brasileiro, notadamente no quesito receita cambial que apresentou espetacular crescimento entre 2001 e 2002 (124%), embora esse patamar não se tenha repetido no ano seguinte. Ainda assim, o resultado apurado em 2005 já é o maior da década com US$ 16,6 milhões. Em 2006, deverá ser quebrado o recorde do ano anterior, o que não se traduz na saída da condição absolutamente residual desse faturamento frente ao obtido pelo grande negócio que representa o café para o Brasil e para todo o mundo que no pindorama busca seu abastecimento.
            No caso dos volumes embarcados, são percebidas maiores oscilações, relativamente às observadas nas receitas. No melhor ano da série, 2005 para a receita, o volume permaneceu abaixo de resultados anteriores. Deve se comemorar, sim, a maior excelência dos cafés transacionados com o exterior, pois foi devido ao maior preço unitário obtido que o saldo cambial pôde ser elevado.
            Ademais, a cada feira internacional ou concurso em que o produto brasileiro se apresenta com êxito a marca Cafés do Brasil se destaca e se consolida. Esse empenho neutraliza, parcialmente, a perversa lógica da reprimarização da agricultura, que está embutida na ratio tributária representada pela denominada Lei Kandir. Esta, ao dar tratamento privilegiado aos produtos primários, penaliza a agregação de valor no espaço doméstico.
            Dentre os tradicionais compradores de café brasileiro encontra-se a Suíça. Esse caso é bastante elucidativo da idéia de moto-contínuo no negócio café. As reexportações de todos os tipos de café (verde, T&M e solúvel) geram receita mais que suficiente para bancar toda a importação e o abastecimento do mercado interno com expressiva folga.
            Em 2004, por exemplo, esse pequeno país contabilizou importação total de US$ 151,88 milhões, dos quais US$ 115,36 milhões somente de café verde. Com as reexportações para destinos dentro e fora da União Européia, gerou um faturamento de US$ 196,41 milhões; ou seja, restaram para júbilo suíço US$ 81,05 milhões de sobras financeiras no balanço de suas transações envolvendo café. O que parece mágica, na verdade, é o resultado entre importações ao preço médio de apenas US$ 2,11/kg e reexportações à média de US$ 11,28/kg!
            O exemplo do moto perpetuo suíço reproduziu-se em outros países importadores como a Holanda (saldo de US$ 168,01 milhões); a Bélgica (US$ 119,77 milhões); a Itália (US$ 32,08) e a Áustria (US$ 7,30 milhões). No caso italiano, onde se propaga que o hábito de degustar café se originou ali na península, o café verde foi adquirido por US$ 1,24/kg enquanto suas reexportações montaram preço médio de US$ 6,40/kg.
            Antes que se possa contra-argumentar que a Suíça é, além de pequeno território, um nanico no mercado mundial de café, recorramos então ao caso alemão, verdadeira plataforma global para transações com café. Também em 2004, os empresários desse país importaram US$ 1,22 bilhão em café verde e reexportaram US$ 1,19 bilhão em produtos remanufaturados; ou seja, mísero déficit de US$ 29 milhões, com os quais se pagou todo o abastecimento do mercado interno, impostos, folha de pagamento, energia, embalagens, etc. Contundente exemplo de uma Nação empenhada na criação de riqueza e sua captura entre seus próceres.
            O rol de países que conseguem com déficits abaixo dos US$ 50 milhões movimentar toda a máquina de negócios com café é constituído por Dinamarca, Inglaterra, Polônia, Coréia do Sul e Portugal. Trata-se de valor pequeno diante do desafio de proverem seus respectivos mercados e, ainda, serem capazes de gerar fluxo para amortizar parte substancial de seus desembolsos.
            Frente a esse contexto internacional, o empenho brasileiro em avançar na cadeia de valor do café, explorando oportunidades no mercado dos países importadores, ainda que pejado de méritos, defronta-se com interesses comerciais há muito enraizados. O esforço unilateral hercúleo, por bem vindo que seja, pode se defrontar com a ausência de clientes/distribuidores interessados.
            Para concluir, a questão é como articular uma estratégia brasileira de exportação de café, com níveis crescentes de valor agregado, com as dos importadores que já fidelizaram marcas e perfis de qualidade junto a amplos segmentos de consumidores em diversos países. Não serão possíveis decisões unilaterais brasileiras, uma vez que há determinantes estruturais e empresariais profundamente arraigados nos mercados dos países processadores e reexportadores de café que definem determinado comportamento do mercado.
            Sem marcas e perfis de qualidade brasileiros estabelecidos e aceitos nesses mercados, reduzidas serão as chances de sucesso das políticas que visem amplificar a agregação de valor. Mais ainda, isso não significa definir e praticar um padrão único de qualidade. A competitividade pode estar exatamente na capacidade de oferecer uma cesta diferenciada de cafés de excelência, que ocupem distintos nichos de mercado e criem um reconhecimento consistente da competência da agroindústria de cafés do Brasil. A construção dessa condição desejável passa pela negociação intensa e por persistência no soerguimento desse objetivo. 2

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1 Trata-se do 'Programa Setorial Integrado para a Exportação do Café Industrializado Brasileiro – PSI', convênio entre a APEX e o SINDICAFESP, iniciado ao final de 2002. São previstas ações de promoção comercial, participação em feiras mundiais de alimentos e bebidas, missões comerciais e criação/produção de materiais publicitários informativos sobre as características e a qualidade dos Cafés do Brasil.
2 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-37/2006.

Data de Publicação: 19/04/2006

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor