Cotações futuras: análise da trajetória do café arábica


1 – Introdução

Estudos e evidências empíricas demonstram que a formação dos preços das commodities agrícolas exibe grande aderência às cotações desses ativos registradas nas transações que diariamente ocorrem em Bolsas de Futuros. Desse modo, acompanhar os negócios firmados com base nas cotações futuras empregadas na compra e venda dos títulos pode, desde que devidamente mediado por dados e informações de mercados conexos (moeda, juros, petróleo), oferecer parâmetros relevantes para a tomada de decisão daqueles que operam nesses mercados, mais especificamente, em sua dimensão real (produzem o ativo, necessitam do suprimento).

O café arábica forma sua cotação na Bolsa de Nova York, exibindo liquidez financeira decorrente do substancial volume de contratos diariamente negociados, representando significativa quantidade de produto. Ainda que tais transações não se encerrem com liquidação no físico, exercem forte poder de estruturação desses mercados.

Existem diversas análises diárias, semanais e mensais sobre a conjuntura do mercado de café arábica circulando entre os especuladores, exportadores e industriais. Entretanto, há relativa carência de análises que orientem os produtores desses suprimentos agroindustriais. A análise da curva futura das cotações tem a pretensão de inferir sobre decisões comerciais dos cafeicultores. Sua natureza inovadora impede de assentar um desenho definitivo para a análise, sendo assim análise em processo de construção.

 

2 - Macrotendências

Dentre os indicadores que são sistematicamente (ou assiduamente) cotejados pelos investidores com a evolução das cotações das commodities estão os mercados de juros e câmbio futuros.

Para o caso dos juros futuros, as cotações negociadas para os vencimentos de novembro de 2014 a dezembro de 2015 mostraram inclinação positiva (Figura 1). Portanto, o cenário para juros no país, na apreciação dos investidores, é de alta, negociando os contratos futuros de juros, taxa bastante acima da referencial da economia (SELIC). Evidentemente, os investidores acompanham essa informação e para optar, alternativamente pela aplicação em commodities, estas precisariam ao menos exibir ganhos que rivalizem com o esboçado em outubro pelo mercado de juros futuros.

 

Agregando-se a essa informação as curvas de posições futuras (médias semanais) para o contrato de dólar, constata-se que há entre os investidores percepção de valorização dessa moeda frente ao real (Figura 2). A implicação para o mercado de commodities (todas negociadas em dólar estadunidense) consiste, para a ponta compradora, no barateamento do suprimento, enquanto que, na ponta vendedora, o efeito de curto prazo é o incremento do montante recebido em moeda local, uma vez que essa se desvalorizou.

A generalizada expectativa de retirada dos estímulos monetários do Federal Reserve tem conduzido à apreciação da moeda estadunidense. Esse movimento altista contribui para a saída de dólares das economias emergentes, estimulando ainda mais essa alta e, ainda, exercendo pressão baixista sobre as cotações das commodities. Ademais, como assinala Loyola (2013), essa valorização do dólar “coincide com a queda de confiança dos investidores na gestão macroeconômica brasileira e com o maior ceticismo em relação às perspectivas de crescimento de nossa economia”2.

 

Uma segunda repercussão do ganho de poder de compra do dólar frente ao real consiste no posicionamento dos importadores. Se tal tendência é confiável, como acredita os agentes do mercado, os compradores posicionam-se de forma a adiar ao limite suas aquisições, pois, assim procedendo, têm maior chance de comprar ainda mais barato logo à frente.

Em razão das vendas de swap cambial por parte do BACEN, em outubro a variação do dólar comercial no mercado físico (média compra e venda – PTAX) apresentou movimentos contraditórios, caindo nas primeiras três semanas do mês e subindo nas duas últimas (Figura 3). Fortalecendo-se a expectativa global de valorização do dólar, a administração da taxa de câmbio por parte da autoridade monetária se tornará mais árdua e custosa

 

2 – Análise de Fundamentos

As curvas de cotações futuras para o café arábica registradas na Bolsa de Nova York para o mês de outubro não exibiram grande variação nas médias das três primeiras semanas. Entretanto nas quarta e quinta semanas houve deslocamento para baixo das cotações, com manutenção da tendência de alta para os vencimentos mais distantes (Figura 4).

 Na quinta semana de outubro, a cotação média posicionava-se pouco acima dos US$¢116,49/lbp. Em reais essa cotação alcançaria na posição futura de julho de 2014 aproximadamente os R$359,03/sc. e R$365,20 na de setembro do mesmo ano, considerando a cotação cambial para o dólar futuro da quinta semana de outubro de R$2,33 e R$2,37 por US$ para julho e setembro de 2014, respectivamente. Portanto, aqueles cafeicultores que tiverem custo de produção compatível com esses preços, ou seja, com captura de excedente financeiro, exibem melhores chances de atravessar o atual ciclo de baixa, ainda viáveis economicamente, desde que eles façam o hedge do café e do câmbio nas posições assinaladas ou naquela que considerar mais ajustada a sua estratégia comercial. Assim, é importante que os produtores e os formuladores de políticas públicas tenham essa baliza fornecida pelo mercado futuro, mesmo sabendo que as expectativas se renovam diariamente.

Ao se cotejar as expectativas econômicas globais e as específicas do Brasil com os fundamentos para o mercado de café, constata-se que o conjunto dos fatores exerce acentuada pressão baixista. O fluxo comercial da oferta dos centro-americanos e colombianos, esses últimos recuperando produção acima das 10 milhões de sacas, associado com a elevada safra de ciclo de baixa no Brasil (quase 49 milhões de sacas, segundo a CONAB) e as notícias de que no Vietnã a colheita possa superar 27 milhões de sacas, permite construir cenário de incremento de produto remanescente no mercado mundial ao encerramento da corrente temporada (2013/14).

Clima favorável e bons tratos culturais oferecidos às lavouras em safra anterior produziram intensas floradas nos mais diversos cinturões cafeicultores. Essa informação reverbera no mercado, com formação de expectativas entre os agentes privados, de farta colheita no Brasil, oscilando entre as 53 a 55 milhões de sacas a serem colhidas na safra 2014/153. A menos que ocorram desastres climáticos de elevada envergadura, a tendência de expansão de excedentes se mantém, arrefecendo qualquer estimativa altista para os contratos de café arábica.

Preocupados com a regulação do mercado de futuros estadunidenses, autoridades da Intercontinental Exchange (ICE) e da Commodity Futures Trading Comission (CFTC), pretendem promover mudanças nas regras como a limitação para a tomada de decisão privada por meio de programas de algoritmos e travas para grandes investidores (máximo de 25% de posição comprada e vendida no curto prazo, diminuindo o percentual para posições de mais longo prazo)4. Tais mudanças podem agregar maior transparência e equidade para as negociações, impedindo ações lesivas (manipulação) aos investidores, especialmente, pequenos aplicadores.

A expectativa em torno da valorização do dólar repercute no interesse pelas transações envolvendo o ativo. Os contratos capitaneados pelos fundos e grandes investidores associados aos traders (comércio e indústria) e pequenos aplicadores exibiram saldo semanal negativo no balanço de compra e venda (excetuando-se a quinta semana entre pequenas posições). Apenas as carteiras que atuam com índice continuam carregando na carteira contratos de café arábica, exibindo maior volume comprado do que vendido (Tabela 1). Como a participação das softs commodities (grupo ao qual pertence o café) geralmente não ultrapassa os 5% da carteira, é possível que o declínio das cotações esteja sendo compensada por outros ativos que trafegaram em sentido inverso.

  

Destaca-se a posição liquidamente vendida dos grandes investidores e fundos especulativos, que aumentou na última semana de outubro de 2013 para 37 mil contratos. Tal fenômeno significa que os grandes especuladores continuam acreditando na queda dos preços do café, sendo provável que essa percepção esteja associada à desvalorização cambial, tanto no Brasil quanto nos demais países produtores.

Entre os fundos e grandes investidores a posição de máximo no volume líquido foi alcançada em 12/02/2008, quando se contabilizavam 56.205 contratos comprados acima dos vendidos, antecipando a escalada altista que atingiu seu pico em meados de 2011.

A fuga dos contratos de café em Nova York pode estar vinculada à busca de valorização do patrimônio por meio de títulos em dólar, beneficiando de possível ganho de poder de compra dessa moeda no curto e médio prazos. Ademais, relatório recente da Organização Internacional do Café estima que o suprimento global tenha crescido 9,6% frente à temporada anterior, transitando o consumo no patamar de 2,4% de expansão ao ano, o que fará incrementar os estoques, adicionando pressão baixista ao ativo e legitimando ainda mais a saída dos especuladores5. No atual ritmo de seguidas baixas para o produto, alcançar cotações abaixo dos US$¢100,00/lbp em novembro não será grande surpresa (Figura 5).

O contrato futuro na Bolsa de Nova York estabelece diferencial de US$¢9,00/lbp para café brasileiro lavado ou cereja descascado. Em outubro de 2013, a trajetória do diferencial esteve em queda, sendo essa talvez a única informação altista para o produto brasileiro no atual cenário para o mercado do ativo (Figura 5). Possibilidades para essa queda: a) queda acentuada das cotações atraiu especuladores que perceberam oportunidades comerciais em adquirir a origem; b) agressividade nas exportações de centro americanos e colombianos que estão aceitando menores prêmios para sua origem; e ainda c) aumento do interesse de torrefadores pelo café brasileiro que oferece maleabilidade necessária na composição de suas ligas6.

 

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1Os autores agradecem pelo trabalho de sistematização do banco de dados econômicos conduzido pelo agente de apoio a pesquisa científica e tecnológica do IEA e analista de sistemas Paulo Sérgio Caldeira Franco.

 

2LOYOLA, G. Quem avisa amigo é. Jornal Valor Econômico, São Paulo, 04 nov. 2013. Disponível em: <http://www.valor.com.br/opiniao/3326364/quem-avisa-amigo-e>. Acesso em: nov. 2013.

 

3Utilizando-se o multiplicador 1,3228, faz-se a conversão de US$¢lbp para US$60/sc. Após aplicar a taxa de câmbio assinalada, encontra-se a cotação em reais.

 

4Ver a apresentação de especialista da CONAB sobre previsão da próxima safra. QUEIROZ, J. Café. Perspectivas para a agropecuária, Brasília, v. 1, p. 1-154. Disponível em: <http://www.conab.gov.br
/OlalaCMS/uploads/arquivos/13_09_12_17_54_48_12_cafe.pdf>. Acesso em: nov. 2013.

 

5Maiores detalhes consultar: ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO CAFÉ - OIC. Relatório mensal sobre o mercado cafeeiro. Inglaterra: OIC. Disponível em: <http://dev.ico.org/documents/cy2012-13/cmr-0913-p.pdf>. Acesso em: nov. 2013.

 

6BARABACH, G. Preços voltam a recuar em outubro. Safras e Mercado, Rio Grande do Sul, ano 14, n. 773, 07 nov. 2013. (Boletim semanal).

 

Palavras-chave: mercado futuro, café arábica, contrato C.



Data de Publicação: 14/11/2013

Autor(es): Celso Luís Rodrigues Vegro (celvegro@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Félix Schouchana (felixsh@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor