Bens de capital e insumos da agricultura: déficit nas transações externas brasileiras

            A balança comercial de bens de capital e insumos da agricultura brasileira foi deficitária em todo o período 1997-2005, com saldos negativos em patamares similares quando se toma os anos de 1997 e 2005 de forma isolada, mas com variação em torno desse patamar.
            Um aspecto nem sempre compreendido com clareza é que a estruturação da agricultura moderna, intensiva em insumos e máquinas, implica numa ampliação das trocas com o exterior nesses segmentos estratégicos para que o uso dessas inovações se irradie por amplo espaço geográfico.
            A agricultura de commodities brasileiras, que alçou posição competitiva de destaque no comércio internacional, transformou o Brasil num dos países de agricultura desenvolvida (New Agricultural Countries – NACs). Porém, os efeitos das mudanças no câmbio são notórios como se nota na queda das exportações no período 1997-1999, quando vigia o câmbio fixo, e no crescimento significativo no período 1999-2005, sob a égide do câmbio flutuante.
            Já as importações de bens de capital e insumos, conquanto apresentem comportamento irregular, não mostram a mesma tendência de queda dos demais produtos da agricultura comprados no exterior. Isso decorre da enorme rigidez para baixo na necessidade de compra de insumos e máquinas numa agricultura moderna, que, estimulada por preços remuneradores (2002-2004), demandou maiores aquisições externas nesses itens estratégicos, ainda que com câmbio desfavorável (crescente), encarecendo importações.
            A pequena queda de 2005 em relação ao ano anterior deriva do barateamento dessas operações pela valorização da moeda brasileira. Em função disso, ainda que com exportações crescentes, os saldos não mostram alteração significativa e mantêm-se negativos (figura 1).

Figura 1- Balança comercial de bens de capital e insumos da agricultura, Brasil, 1997-2005

                                                                    Fonte: IEA/APTA/SAA, dados básicos da SECEX/MDIC

            A análise das exportações brasileiras de bens de capital e insumos, ao se destacar os principais grupos de produtos, revela crescimento dos fertilizantes (US$ 62 mil em 1997 para US$ 179 mil em 2005) e dos agroquímicos para defesa sanitária (US$ 213 mil para US$ 285 mil no período 1997-2005). Destaque absoluto, entretanto, deve ser dado às exportações de maquinaria agropecuária, que respondem de forma consistente à desvalorização da moeda nacional, com aumento significativo dos valores obtidos de forma a atingir a expressiva marca de US$ 1,6 bilhão em 2005, após recuar de US$ 778mil em 1997 para US$ 467 mil em 2000 (figura 2).

Figura 2- Exportações de bens de capital e insumos da agricultura, Brasil, 1997-2005

                                                                    Fonte: IEA/APTA/SAA, dados básicos da SECEX/MDIC

            Esses números são relevantes por duas razões fundamentais: a) a primeira consiste em que a agricultura brasileira de commodities, cuja marca está na mecanização plena do processo produtivos das lavouras, tem o suporte de um efetivo e consistente núcleo endógeno de geração de inovações, em especial no segmento de implementos adequados a suportar a elevada corrosão das operações em solos tropicais; e b) a segunda está em que esse fato revela consistência na posição competitiva obtida pelo Brasil e que estão dadas as condições para crescimentos da escala em termos de tamanhos de lavouras, ainda que com efeitos na concentração da terra e da renda.
            As importações de bens de capital e insumos revelam como o padrão tecnológico adotado, com uso no campo de variedades de alta resposta, implica na dependência da agricultura das compras externas. Isto se verifica nos fertilizantes cujas aquisições no exterior saltaram de US$ 0,96 bilhão em 1997 para US$ 2,6 bilhões em 2004. O recuo para US$ 2,3 bilhões em 2005 configura os impactos da desvalorização do dólar frente à moeda brasileira.
            Comportamentos similares tiveram os agroquímicos para defesa sanitária cujos dispêndios no exterior evoluíram de US$ 0,54 bilhão em 1997 para US$ 1,3 bilhão em 2004 (recuo para US$ 1,0 bilhão em 2005). Mais uma vez a demanda interna explica os negócios de compras no exterior uma vez que a desvalorização da moeda nacional não arrefeceu o incremento dos gastos e a sobrevalorização recente, ao baixar os preços de internalização de produtos estrangeiros, não aqueceu a demanda, com queda das despesas.
            No caso da maquinaria, em especial representada por bens de capital importados em função de decisões de investimento, ocorre um persistente recuo de US$ 2,0 bilhões em 1997 para US$ 1,1 bilhão em 2005. Isto revela queda no patamar de investimentos na agricultura pois altos preços internalizados pela desvalorização do câmbio, combinados com taxas de juros elevadas, desestimularam as inversões. Essa condição de juros elevados, mantida em 2005, mesmo com queda dos preços de produtos estrangeiros pela sobrevalorização da moeda brasileira após a metade de 2004, continuou sendo um óbice à modernização da agricultura e à ampliação da capacidade produtiva (figura 3).

Figura 3- Importações de bens de capital e insumos da agricultura, Brasil, 1997-2005

                                                                    Fonte: IEA/APTA/SAA, dados básicos da SECEX/MDIC

            No universo das unidades da federação brasileira, o Estado de São Paulo destaca-se como importador de bens de capital e insumos, pela característica de sua economia industrial e de sua agricultura. A balança comercial desse segmento paulista, tal como sua performance nacional, mostra-se deficitária em todo o período, mas com patamar negativo que variou de US$ 1,2 bilhão em 1997 a US$ 0,68 bilhão em 2005, conquanto notando-se comportamento irregular no período.
            Nas exportações, que são minoritárias face às importações, há uma queda nítida de US$ 0,52 bilhão em 1997 para US$ 0,34 bilhão em 2001, seguida de reversão da tendência nos anos seguintes para alcançar US$ 0,81 bilhão em 2005, dado o impulso da desvalorização da moeda nacional nesse período. Esta competitividade se mantém em 2005, a despeito da queda da taxa câmbio. As importações de bens de capital e insumos seguem evolução similar, recuando de US$ 1,7 bilhão em 1997 para US$ 0,97 bilhão em 2002, desde quando enseja crescimento para atingir o pico de US$ 1,6 bilhão em 2004, revertida para queda de US$ 1,5 bilhão em 2005 (figura 4).

Figura 4 - Balança comercial de bens de capital e insumos da agricultura, São Paulo, 1997-2005

                                                                Fonte: IEA/APTA/SAA, dados básicos da SECEX/MDIC

            Também aqui se nota aumento das importações de bens de capital e insumos quando a desvalorização cambial tornava mais caro as compras de produtos estrangeiros. E, exatamente no momento em que os mesmos ficaram mais baratos com a queda da cotação do dólar após a metade do ano de 2004, as aquisições externas recuam.
            Assim, fica nítido que a estrutura da demanda determina o comportamento desse segmento estratégico para a modernidade setorial, uma vez que preços internacionais competitivos de commodities elevam importações de bens de capital e insumos. Além disso, efeitos deletérios de preços cadentes, juros elevados e câmbio sobrevalorizado, como em 2005, acabam por produzir redução das compras.
            As exportações paulistas de bens de capital e insumos da agricultura concentram-se em dois segmentos principais: a maquinaria e os agroquímicos para defesa sanitária. As vendas externas paulistas de maquinaria, após recuo de US$ 0,38 bilhão em 1997 para 0,19 bilhão em 2002, recuperam-se de forma expressiva para atingir US$ 0,55 bilhão em 2005. No caso dos agroquímicos para defesa vegetal, as receitas cambiais derivadas de negócios com outros países, que oscilavam em níveis reduzidos até 2001, quando atingiram 0,08 bilhão, mostram crescimento significativo, para 0,19 bilhão (figura 5).

Figura 5- Exportações de bens de capital e insumos da agricultura, Brasil, 1997-2005

                                                                    Fonte: IEA/APTA/SAA, dados básicos da SECEX/MDIC

            Esse desempenho revela que os estímulos da política cambial podem explicar os incrementos dos bens de capital e insumos na agricultura, com ênfase nos segmentos de maquinaria e de agroquímicos por dois tipos de impactos.
            De um lado, a desvalorização cambial, produzida após a adoção da política de câmbio flutuante em 1999, promoveu significativo aumento dos preços internos em função dos maiores valores obtidos em razão do câmbio. A resposta foi o aumento das áreas cultivadas que com isso propiciou ganhos em escala nas agroindústrias de bens de capital e insumos, dada a maior demanda.
            De outro, a melhor depreciação e remuneração dos fatores, como decorrência de ganhos em escala, fez com que essas agroindústrias estratégicas da agricultura promovessem avanços relevantes nas exportações de seus produtos de alta tecnologia. Isto se deve à excelência dos respectivos processos de inovação que gerou produtos tecnologicamente competitivos, a custos compatíveis com os preços externos tornados mais atraentes para a agroindústria brasileira pelo câmbio.
            As importações paulistas de bens de capital e insumos apresentam comportamento compatível com condições macroeconômicas de câmbio e juros. A exceção está na maquinaria, cujas compras externas refletem os ganhos de competitividade das plantas nacionais e, com isso, apresentam redução persistente dos dispêndios externos, que caem de US$ 0,98 bilhão em 1997 para US$ 0,32 bilhão em 2004. Essa evolução mostra o vigor da resposta desse ramo agroindustrial aos preços remuneradores face ao patamar do câmbio.
            Da mesma forma, a reduzida reversão ocorrida desde a metade de 2004, que se consolida com o aumento das importações de maquinaria para agricultura em 2005, traz a preocupação quanto aos efeitos da sobrevalorização cambial verificada desde então. Comportamento diferente encontra-se nos agroquímicos para defesa sanitária, cujos valores das aquisições de princípios ativos no exterior, que giravam em torno de patamares similares, foram de US$ 0,45 bilhão em 1997 para US$ 0,37 bilhão em 2002. E, a partir dessa data, apresentaram um salto consistente, chegando a alcançar US$ 0,97 bilhão em 2004, ainda que tenham recuado para US$ 0,71 bilhão em 2005. Já os fertilizantes têm importações crescentes no período 1997-2005, com aceleração nos últimos anos da série (figura 6).

Figura 6 - Importações de bens de capital e insumos da agricultura, Brasil, 1997-2005

                                                                    Fonte: IEA/APTA/SAA, dados básicos da SECEX/MDIC

            Essa evolução decorre diretamente das pressões de demanda, pois os preços internos das commodities agropecuárias, elevados pelo câmbio desvalorizado do período 2002-2004, implicaram em incrementos da superfície cultivada e, com isso, na maior necessidade de agroquímicos para defesa e fertilizantes, levando a maiores compras no exterior, ainda que esses produtos estrangeiros tenham ficado mais caros. Isto explica porque é natural que os preços pagos pelos lavradores brasileiros por agroquímicos para defesa e fertilizantes tenham crescido mais que a inflação.
            Da mesma maneira, a queda de 2005 em relação ao ano anterior revela mais o barateamento desses produtos estrangeiros pela queda do câmbio do que uma queda no volume físico demandado. Mesmo porque há redução dos preços pagos pelos agropecuaristas.
            A análise das balanças comerciais de bens de capital e insumos da agricultura, tanto paulista quanto brasileira, mostra com nitidez o conteúdo das transformações recentes na produção interna de commodities, e suas razões.
            De um lado, a moeda nacional desvalorizada do período 2002-2004 produziu estímulos cambiais que elevaram os preços recebidos pelos produtores dessas mercadorias e, com isso, as pressões de demanda levaram a aumentos das importações de bens de capital e insumos, na contramão de preços crescentes desses produtos estrangeiros pelo efeito da taxa de câmbio. Esse processo de estímulo derivado do câmbio desvalorizado levou as agroindústrias brasileiras, em especial a de máquinas, pelos ganhos em escala da maior demanda externa e pelos preços atrativos, a ensejarem movimento exportador, fortalecendo a base produtiva brasileira desse segmento estratégico para o desenvolvimento da agricultura.
            De outro lado, revela que há nesse período compatibilidade entre o movimento de expansão das mega-lavouras de commodities e a consolidação do núcleo endógeno produtor de bens de capital para a agricultura (D1 da agricultura). Isto revela que tal processo consiste em muito mais que avanço horizontal com ampliação da territorialidade das grandes lavouras, uma vez que se consolida competente agroindústria nacional capaz de sustentar esse processo.
            Da mesma forma, a reversão da tendência do câmbio a partir de maio de 2004, quando passa a ocorrer sobrevalorização crescente da moeda brasileira, que se vem mantendo por tempo demasiado, pode comprometer essa conquista da agricultura brasileira. Noutras palavras, se aceita a versão simplória de que o 'câmbio flutuante flutua', isto significa apostar no postergamento de consistente ciclo de desenvolvimento por prazos mais largos, que leve as esperanças nacionais à superação da limitada autonomia do 'vôo das galinhas', para usar uma metáfora agropecuária. 1

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1 Artigo registrado no CCTC-IEA sob número HP-27/2006.

Data de Publicação: 22/03/2006

Autor(es): José Sidnei Gonçalves (sydy@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
José Alberto Angelo (jose.angelo@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor