Descompasso entre produção e armazenagem de grãos

             A agricultura brasileira vem apresentando nos últimos anos expressivas taxas de crescimento, sobretudo no setor de grãos, contribuindo fortemente para a expansão da balança comercial. No entanto, o desempenho da produção não tem sido acompanhado de melhoria dos serviços de comercialização agrícola, especificamente de armazenagem e transporte, o que tem frustrado em parte as condições de competitividade do produto brasileiro nos mercados interno e externo.
            A tecnologia empregada nas atividades agrícolas permite produzir, não apenas maior quantidade por unidade de área e de melhor qualidade, como também em épocas e regiões distintas das tradicionalmente conhecidas. Em conseqüência, os períodos de colheita se alargaram no decorrer do ano e as amplitudes de variação estacional dos preços agrícolas se reduziram significativamente, beneficiando a todos os agentes de mercado. Não obstante isso, a concentração da crescente produção agrícola em poucos itens (grãos), com períodos de colheitas coincidentes, tem levado ao crescimento substancial da demanda pela modernização da atual infra-estrutura de armazenagem e transporte, visando a um eficiente sistema logístico para escoamento (no tempo e no espaço) das safras.
            Como dificilmente nas condições brasileiras se operaria um eficiente sistema just-in-time para os agronegócios de grãos (soja e milho, principalmente), desde as zonas produtoras até os destinos finais (zonas consumidoras e portos), torna-se questão estratégica a montagem de um sistema de armazenagem nos pontos relevantes de distribuição (propriedades rurais, armazéns gerais, portos e processadores) para o escoamento das colheitas sazonais. Com isso, seriam criadas condições para um equilíbrio entre oferta e demanda de serviços de transporte em picos de safras e, em conseqüência, seriam reduzidas as fontes de pressão sobre os fretes.
            Estima-se que, no Brasil, ainda apenas 5% da capacidade armazenadora total estejam localizados nas unidades de produção, cifra bastante baixa quando comparada à proporção existente nas propriedades rurais estadunidenses (65%), européias (50%) e argentinas (25%). Condição esta que sobrecarrega sobremaneira a rede coletora (intermediária) e compromete a rede terminal (portos).
            Pode-se considerar, de modo geral, que há um relativo equilíbrio entre capacidade de guarda e de produção: a capacidade estática atual de armazenagem no Brasil é de 90,5 milhões de toneladas e a produção de grãos (safra 2002/03), de 122,6 milhões de t, segundo dados do último levantamento da Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB).1
            A capacidade total passa para 135,8 milhões de toneladas - o que aparenta até haver ligeira folga na 'cobertura' da produção - quando convertida para capacidade dinâmica, com base numa rotatividade de 1,5 no período de um ano, fator universalmente utilizado, devido às diferentes estacionalidades das safras e à não-coincidência plena da guarda das mercadorias nas unidades armazenadoras.
 
 



            Entretanto, ao desagregar a produção em grãos normalmente armazenada a granel e armazenada ensacada e a capacidade de armazenagem por essas formas, constata-se que há um descompasso entre a produção de grãos do primeiro tipo (107,3 milhões de t) e a capacidade de silos e armazéns graneleiros (66,3 milhões de toneladas). Portanto, mesmo se considerada a capacidade dinâmica (99,4 milhões de t), não se atinge a necessidade de espaço para guarda dos produtos. Para os grãos armazenados ensacados, de acordo com os dados do cadastro da CONAB, há uma relativa folga entre as capacidades estática e dinâmica de, respectivamente, 24,2 milhões de t e 36,3 milhões de t e a produção, de 15,3 milhões de t.
            Assim, não tem havido um desenvolvimento harmônico nas regiões agrícolas do país, com respeito às funções físicas da comercialização agrícola – transporte e armazenagem –, de modo a proporcionar estabilidade de preços e redução dos custos de comercialização; maior competitividade externa; e menores preços aos consumidores. Ressalte-se que a formação de estoques reguladores tem sido um importante instrumento de controle da inflação e hoje se torna estratégica para o sucesso do 'Programa Fome Zero'.
            Acrescente-se que a infra-estrutura é prioridade do atual Governo. Através do programa Parceria Público-Privado, espera-se contar com a colaboração dos agentes econômicos particulares, por se tratar de empreendimentos que exigem grandes somas e tempo relativamente longo de maturação. No caso de construção de silos, as obras podem ser cronologicamente mais aceleradas, devido às suas particularidades. Contudo, no momento, há escassez de aço, o que vem atrasando a construção de algumas obras contratadas, segundo informações da Kepler Weber2, empresa líder do segmento de instalações para armazenagem de grãos na América Latina.
            Conforme o Secretário de Política Agrícola do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA), Ivan Wedekin, 'os desafios para a continuidade da expansão do agronegócio estão na armazenagem e no transporte, que não acompanham o crescimento da produção de grãos'3.
            Cabe lembrar que no modelo econômico vigente há menor participação do governo na prestação de serviços, ficando no caso do agronegócio a maior responsabilidade de obras de infra-estrutura com as cooperativas e produtores pessoas físicas.
            A maioria dos estudos realizados sobre armazenagem diz respeito à sua função física de guarda e conservação de mercadorias, havendo pouca literatura sobre sua importância na logística, na estabilização de preços e na formulação de políticas para o setor. Verificação feita na Revista Brasileira de Armazenagem, editada pelo Centro Nacional de Treinamento em Armazenagem (CENTREINAR)4, publicação especializada sobre o tema, e em outros veículos de divulgação comprova a escassez de artigos técnico-científicos na área de economia/comercialização agrícola.
            A concorrência do trigo importado e das produções internas de café e açúcar pelo espaço armazenador, de certa forma, limita o funcionamento da atividade. Este fato merece um estudo mais aprofundado, pois na maioria das abordagens sobre o tema (armazenagem) esta questão não tem sido considerada.
            A qualidade das unidades existentes e a sua adequação (granel x sacaria) ainda deixam a desejar, sobretudo nas regiões tradicionais, pela própria idade das instalações, dada à menor inversão de recursos em infra–estrutura, em contraponto àquelas com incorporação recente de novas áreas ao processo produtivo, onde predominam unidades para armazenagem a granel.
            O crescimento da exploração agrícola em direção à região Centro-Norte do País exigiu e continua a exigir maciços investimentos na rede de armazenagem e nos modos de transporte, ao mesmo tempo que os problemas de adequação e de localização das unidades existentes precisam ser resolvidos.
            Outra questão importante é o atendimento da necessidade de infra-estrutura adicional para culturas em expansão (sorgo granífero e triticale), cujos produtos demandam silos (células) específicos, bem como dos grãos geneticamente modificados, cuja produção exige igualmente um sistema próprio de guarda.
            Daí a necessidade de novas pesquisas para um posicionamento sobre a situação atual e as perspectivas para a armazenagem frente à nova geografia do Brasil Rural. O Instituto de Economia Agrícola (IEA) desenvolve um projeto de pesquisa que tem como objetivo confrontar, em nível regional, os dados de produção de grãos e da capacidade de armazenagem para se detectar os entraves e apontar medidas que possam amenizar a crise já instalada neste segmento de prestação de serviços, que ainda não absorveu, a contento, as mudanças que se esperava com a desregulamentação.
            Espera-se que os resultados obtidos forneçam elementos para tomadas de decisão dos agentes envolvidos no agronegócio, com a indicação das áreas carentes ou que necessitam de ajustes, para que agricultura de grãos seja explorada com racionalidade e mantenha-se competitiva nos cenários nacional e internacional, podendo assim oferecer produtos de baixo custo, garantir renda para os agricultores e gerar divisas para o país.

1 CONAB: www.conab.gov.br

2 KEPLER WEBER:www.kepler.com.br

3 O DESAFIO das grandes safras. Globo Rural. São Paulo,v.19, n.216, p.8, out.2003: www.globorural.com.br

4 CENTREINAR:www.centreinar.org.br

 


 

Data de Publicação: 14/11/2003

Autor(es): Sebastião Nogueira Junior (senior@iea.sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
Alfredo Tsunechiro (tsunechiro@uol.com.br) Consulte outros textos deste autor
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