"Selo Produto de São Paulo": uma experiência de política pública para a certificação agroalimentar

            Nos últimos anos, o mercado se transformou em função do crescimento da interação de seus agentes, da maior dinamização das informações e das novas exigências do consumidor e, principalmente, pela globalização do mercado. Novas barreiras foram criadas além das tarifárias, e têm se tornado mais frequentes, como as não-tarifárias e as técnicas.

            O objetivo maior é defender os interesses comerciais. Os governos tiveram que se adaptar a nova postura do consumidor e criar organismos reguladores em várias áreas, atingindo a agricultura no que diz respeito ao uso do solo, à destruição das matas, recuperação de matas ciliares, reposição de reserva de mata legal, sanidade animal etc.

            A criação de barreiras sanitárias se deu como resultado da nova postura do consumidor, preocupado com a sanidade dos produtos e suas consequências sobre sua saúde. Isso levou à necessidade de rastreabilidade que permite a identificação da origem do produto desde o campo até o consumidor, no caso de um provável problema no consumo. No caso da agricultura, alguns pontos passam a ter importância fundamental para os consumidores cada vez mais exigentes e atentos às crises alimentares (vaca louca, gripe aviária, produção de alimentos transgênicos e outros): a garantia de produtos de qualidade, seguros, com embalagens que deem informações adicionais etc. Isso representa garantia de procedência e está relacionado à confiabilidade do produto, que se fortalece com a rastreabilidade ou a certificação.

            A certificação é uma acreditação de um órgão idôneo a um produto produzido dentro de determinadas normas e que por isto obtém um selo que é uma garantia de um produto auditado. Os produtos certificados devem ser rastreados.

            Este novo cenário levou a uma reflexão do poder público que, a partir dessa nova perspectiva do papel do Estado, reestruturou a Secretaria de Agricultura e Abastecimento do Estado de São Paulo (SAA-SP), incorporando o conceito de agronegócio. Ele implantou, em 1999, um Sistema de Qualidade de Produtos Agrícolas, Pecuários e Agroindustriais do Estado de São Paulo (Lei 10.481), visando a valorização e/ou diferenciação dos produtos do agronegócio paulista, por meio da melhoria da qualidade.

            O objetivo desse sistema é fortalecer e dar maior competitividade ao produto paulista, estimular a segmentação e a exploração de nichos de mercado, o atendimento do consumidor, com a melhora da qualidade dos produtos e da renda do produtor e do agroindustrial1. Para isso foi criado o "Selo Produto de São Paulo", de adesão voluntária, como uma política pública voltada para a qualidade de produtos e serviços do setor agrícola.

            Assim, o Estado passou a atuar como gestor da certificação da qualidade alimentar utilizando sua estrutura, serviços técnicos de terceiros e criando um selo que atesta a garantia de qualidade diferenciada e superior.

            O processo de certificação utilizado é de terceira parte, ou seja, o organismo certificador não tem relações comerciais com fornecedor e nem com o cliente. O organismo certificador é credenciado pela SAA-SP e deve atender os requisitos para operar o sistema de certificação de produto, para obter o reconhecimento de competência e confiabilidade, estabelecidos pela ABNT- ISO/IEC GUIA 65.

            As certificadoras são validadas pelo órgão acreditador, que é o Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (INMETRO), associado ao International Acreditation Fórum (IAF), com credibilidade mundial.

            Os laboratórios também são credenciados no INMETRO, para garantir a qualidade dos testes e ensaios executados para verificação dos procedimentos.

            No caso do "Selo Produto de São Paulo", a certificação é de produtos, feita em relação a uma norma de referência, relacionada ao produto em si, mas contempla a verificação de todo o processo de produção.

            As normas técnicas do produto são a base para a certificação e servem de orientação para os procedimentos da auditoria. São elaboradas em cima de uma diretriz básica em que são considerados aspectos pertinentes ao processo, fundamentais para garantir a qualidade do produto. Após sua elaboração e aprovação pelas Câmaras Setoriais, estas normas são homologadas e publicadas no Diário Oficial.

            Esta diretriz é utilizada pelos grupos de trabalho indicados pelas Câmaras Setoriais, os quais são compostos por técnicos da SAA-SP, representantes das Câmaras Setoriais, especialistas de universidades e outros técnicos competentes.

            Para implantação do selo, é preciso contratar um organismo certificador credenciado que têm o apoio dos laboratórios credenciados para os testes. Ambos organismos são selecionados e monitorados pela SAA-SP.

            A Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios (CODEAGRO) é a responsável por gerir o Sistema de Qualidade de Produtos Agrícolas, Pecuários e Agroindustriais do Estado de São Paulo. Para viabilizá-lo, foi necessário organizar e definir critérios e condições, utilizando-se instrumentos legais que visam auxiliar a administração do sistema. É ela também responsável pelo credenciamento dos produtores e das agroindústrias interessados e seus respectivos produtos. Há a possibilidade de serem certificadas características especiais do seu produto.

            A esta coordenadoria cabe definir, além das regras para participação de organismos de certificação e laboratórios, que são credenciados por esta coordenadoria, credenciamento dos produtores e das agroindústrias interessadas, das certificadoras e dos laboratórios que auditarão o produto. Ela deve ainda fixar portarias administrativas, desenvolver ações de apoio mercadológico para implementação do sistema e de seu selo representativo e promover treinamentos para implementação do sistema sobre a importância da melhoria da qualidade dos produtos da agropecuária e da agroindústria, visando conscientizar os produtores rurais, agroindustriais e técnicos envolvidos. É responsável ainda pela coordenação da elaboração das normas de produtos, pela autorização e controle do uso do selo e pela elaboração de critérios para emissão deste pelos próprios usuários, após a certificação.

            Está previsto um fundo especial de despesa que é formado com a cobrança de taxas dos serviços de credenciamento e controle do sistema, administrado pelo coordenador. Suas receitas devem ser utilizadas para pagamento de despesas inerentes aos objetivos da CODEAGRO2 e empenhados à conta das dotações consignadas àquele órgão. Os pequenos produtores rurais, de pequenas agroindústrias e de pescadores artesanais, bem como de suas associações e cooperativas, estão isentos desta taxa.

            Existe, ainda, um Grupo de Controle do Sistema de Qualidade "Produto de São Paulo", que analisa se os padrões de qualidade se desenvolvem dentro da normalidade e impõe mudanças e aperfeiçoamento da metodologia de trabalho da CODEAGRO, com base em suas análises, visando o controle dos padrões de qualidade. Compete também ao grupo aprovar os planos de desenvolvimento de ações, necessários à implementação do sistema, nas áreas de apoio mercadológico e treinamento.

            As etapas para implantação do sistema ocorrem conforme mostra a figura 1.

            A certificação da SAA-SP se diferencia das normas ISO série 9000 por contemplar normas de produto e não de processo, apesar de este ser considerado para a certificação do produto. Ela, diferentemente da família ISO 9000, que garante com as normas que o fabricante tem um Sistema de Qualidade instalado e que os procedimentos deste programa estão documentados e sendo observados pelos funcionários, asseguram que o fabricante produz um produto com qualidade.

            No caso do "Selo Produto São Paulo", as normas são legalmente estabelecidas por resoluções e após a sua regulamentação elas passam efetivamente a controlar a qualidade necessária para que o produto obtenha a certificação.

Figura 1 – Etapas do Processo de Certificação da Qualidade do "Selo Produto São Paulo". 

Fonte: SILVA, R. O. P. e et al.3 (2008).

            Um diferencial marcante neste processo é a gestão pública que ocorre pelo órgão governamental, no caso a SAA-SP, que coordenou todo o processo de implantação e organização do sistema e definiu a certificação como uma opção voluntária. O estabelecimento deste sistema, que visa a certificação de produtos, permitiu levar não só ao produtor rural como às cadeias produtivas dos produtos agrícolas, pecuários e agroindústrias, procedimentos que podem facilitar o monitoramento do produto, desde sua origem até sua comercialização, e demonstrou ser uma forma eficiente de gerenciamento dos sistemas produtivos.

            Os produtos certificados mostram que o sistema é viável e funciona, ou seja, a gestão do sistema mostrou ser possível ao setor público controlar e gerenciar uma certificação e ser uma inovação institucional, apesar de ser um instrumento pouco utilizado, provavelmente pela dificuldade das cadeias produtivas de não terem se sensibilizado com a questão. Este papel assumido pelo Estado como plano legitimador está na base da garantia de que as convenções em torno da qualidade tornam-se regras coletivas de agenciamento dos diversos interesses presentes e fortalecem as disposições dos agentes econômicos no mercado e sua adesão às normas de funcionamento das trocas.

            Pode-se colocar que a participação de agentes governamentais nos processos de certificação tem como objetivos principais: assegurar uma competição justa entre produtores evitando fraudes, oferecer aos consumidores o maior número de informações sobre o produto e reduzir possibilidades de riscos ao consumidor com relação a sua segurança e saúde (GOLAN; KUCHLER; MITCHEL, 2000)4.

            Este novo modelo de política pública representa uma diferenciação do papel do Estado, que avança no sentido de propor e contribuir com o setor privado para que este tenha maior competitividade, sustentabilidade e desenvolvimento, além de fortalecer o produto paulista.

            A expectativa em relação ao uso do selo é que o consumidor fique satisfeito com o produto certificado e se disponha a consumir outro produto com o selo. Espera-se também que o selo faça com que o consumidor paulista prefira o produto do Estado de São Paulo.

            Até o momento, os produtos certificados são o café gourmet e superior (sete marcas com 19 produtos disponíveis) e duas granjas de suínos. Está em discussão a certificação de mais dois produtos (carne bovina e café verde).

            O reduzido número de certificações pode ser reflexo da pouca compreensão dos agentes-elos das diferentes cadeias produtivas sobre o papel da certificação no mercado e da falta de um trabalho de marketing que mostre e sensibilize o consumidor sobre o selo.

            Tem-se procurado aliar o desenvolvimento de normas para obtenção do selo com a atuação das Câmaras Setoriais da SAA-SP, outra política implantada em função das mudanças do papel do Estado, já que estas são um fórum de debates que se propõem a "apoiar a concepção, a formulação e a execução de políticas públicas voltadas ao fortalecimento e aumento da competitividade das cadeias produtivas relacionadas aos agronegócios paulistas" (CODEAGRO, 2008)5.

            Atualmente o sistema se fortalece com a congruência deste ao programa "Risco Sanitário Zero" do governo do Estado, que visa garantir alimento seguro em toda a cadeia produtiva. Nesse sentido, já estão sendo discutidas normas para implantação de um selo de qualidade para a pecuária de corte.

            Assim, a implantação do selo, ao mesmo tempo em que fortalece as câmaras, que são representativas das principais cadeias produtivas do agronegócio paulista, dando uma sinergia às duas políticas, também ganha força com sua vinculação a um programa de governo, outra política pública que trabalha para dar maior competitividade e garantia de qualidade do produto paulista.

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1Coordenadoria de Desenvolvimento dos Agronegócios – CODEAGRO. 2008. Disponível em: <http://www.codeagro.sp.gov.br/qualidade_sp/selo_sp.php#>. Acesso em: jan. 2008.

2SÃO PAULO (Estado). Lei n°. 10.481, de 29 de dezembro de 1999. Diário Oficial Estado de São Paulo, São Paulo, v. 109, n. 247. 30 dez 1999.

3SILVA, R. O. P. e. et al. Gestão Pública da certificação agroalimentar no Estado de São Paulo. In: ENCONTRO DE ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E GOVERNANÇA – EnAPG, 3., 2008, Salvador (BA). Anais… Salvador: EnAPG, 2008.

4GOLAN, E. et al. Economics of food labeling. Washington (DC): Economic Research Service/U.S. Department of Agriculture, 2000. (Agricultural Economic Report, n. 793).

5Op cit. nota 1.

Palavras-chave: certificação agroalimentar, selo, norma técnica, política pública.

Data de Publicação: 05/06/2009

Autor(es): Rosana de Oliveira Pithan e Silva (rosana.pithan@sp.gov.br) Consulte outros textos deste autor
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